Brasileiros de mudança para Portugal: a fuga verde e amarela

Inundam as minhas caixas de mensagens e querem, mesmo, vir para Portugal. Mas quem são, o que fazem, o que querem? Há tantas formas de ver a questão, mas um denominador comum: a fuga política e social de um povo em abandono.

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aquachara/Unsplash

Comecei este artigo no início da partida entre Portugal e Uruguai e entre um sofrimento e outro, com uma alegria pelo meio, concluí-o de coração partido. Junto ao meu, segundo o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, há outros 81.251 corações brasileiros cá dentro de fronteiras. Este número, que não pára de crescer, mostra que, entre estrangeiros, a minha nacionalidade é a mais representativa por cá. E eu com isso? Sinto-me cada vez mais em casa. 

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Comecei este artigo no início da partida entre Portugal e Uruguai e entre um sofrimento e outro, com uma alegria pelo meio, concluí-o de coração partido. Junto ao meu, segundo o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, há outros 81.251 corações brasileiros cá dentro de fronteiras. Este número, que não pára de crescer, mostra que, entre estrangeiros, a minha nacionalidade é a mais representativa por cá. E eu com isso? Sinto-me cada vez mais em casa. 

Quem são, por que chegam e o que querem? Já não vemos uma massa de gente atrás de dinheiro. Vemos a insatisfação completa de quem levou um tiro, não teve escola, ou teve tudo mas está sufocado na rede pós-golpe. Vemos gente que chega porque é impossível viver num país de extremos.

Para essa nova onda de brasileiros que recria o descobrimento e dá continuação à história não é de “terra à vista” que se trata. É mais do que isso. Como receber uma legião de expatriados da política verde e amarela?

Num passado-presente, no Brasil, morria uma pessoa vítima de crime a cada nove minutos. Um alarme que fez soar a necessidade de fuga — e rápida. No mesmo ano, durante as minhas férias de Verão, de chinelos no pé e caipirinha na mão, perdi as contas a quantas vezes ouvi um tema comum: “Vale a pena ir para Portugal?" Uma realidade absolutamente estranha para mim, que sempre senti que nos viam como o quintal da Europa.

Numa mesa de bar, num restaurante à meia-luz, nas mensagens de WhatsApp, a questão era a mesma: “Quero ir, diz-me como.” Um apelo claramente vinculado aos problemas já enraizados no Brasil: a violência urbana e a ruptura de uma política indomável. Mas não só.

Falamos, também, da violência social contra qualquer um, com um qualquer argumento, por um qualquer motivo. A violência não só da arma apontada, mas que é disparada no verbo de uma sociedade que não se entende. Há no Brasil um buraco que dividiu o povo, assombrou os sonhos, desfez os planos, cortou o cordão umbilical que nos une à nação.

É fácil perceber, numa rápida passagem pelo feed do Facebook, que já ninguém se consegue entender nessa espécie de democracia em torre de Babel, nascida de uma sociedade de extremos. De um lado, esquerdistas em seita; do outro, uma legião crescente de leigos sociais, apoiando um líder do calibre de Jair Bolsonaro. No meio deles, os centristas, perdidos no tiroteio. Entre todos, um elo comum: o coro contra Temer. Nem o futebol é capaz de salvar a conversa de boteco. Nem Neymar consegue passar sem a crítica detonadora de um Brasil infeliz.

O Brasil já não é a mãe gentil dos filhos do seu solo e, apesar de “adorada entre outras mil”, é da sua própria terra, da sua própria casa, que o brasileiro quer fugir — e está coberto de razão.

No Porto, um condutor da Uber contou-me que fugiu da violência escancarada depois de um menor ter atirado sobre o seu pai para matar, num túnel do Rio. Guarda a mágoa de querer ver de longe o lugar que o viu nascer e agora morre mesmo é de amores por Portugal, onde cria raízes com os pais, a esposa e o filho.

Um amigo largou tudo e veio para Lisboa. Uma amiga, depois de falarmos no Brasil, pediu o visto e veio estudar. Se têm saudades? Devem ter, mas voltar para casa não faz parte dos planos. A casa agora, aos poucos, é aqui. A eles juntam-se outros amigos e conhecidos com o desejo de vir, ou que já vieram. Digo-lhes que se a ideia é sair do Brasil, deixando armas e trazendo bagagens, Portugal é a escolha certa. Falamos a mesma língua, com mais ou menos açúcar, partilhamos de uma paixão quase rara pelos prazeres da mesa e temos um vínculo histórico fortíssimo: somos pai e filho, irmãos, parceiros.

Digo também, a cada um, que este país não é feito para enriquecer — e se isso não é um problema, temos conversa para continuar. Não é mesmo disso que se trata. É de sobrevivência. E também da recusa em nos tornarmos monstros no caos.

Quem chega é gente que só pede para viver ao som dessa quase inacreditável balada portuguesa, nessa terra à beira-mar plantada, onde nada é exagerado e tudo parece conjugar-se “como antigamente”. Um país de tradições, que tem por tradição uma série de valores humanos incontornáveis. O brasileiro tem urgência disso.

É difícil de explicar o quão boa é a sensação de existir sem medos, num sítio onde podemos ir e vir, onde temos uma liberdade quase inocente e há uma ética social em que podemos confiar. Isso, para quem veio do caos, é como uma coca-cola bem gelada no deserto. É como nos colocar ao colo e embalar.

Num Brasil que não se entende, numa terra de pequenos gigantes da corrupção, com manadas armadas contra o povo, onde impera a lei do "mata-mata" e onde só tem voz quem se corrompe desde o berço — por poder, por dinheiro ou por alienação —, só há uma forma de respirar: sair. E agora, como nunca, em português com açúcar, “sair” significa Portugal.

Quem sabe, nesse presente intercultural, no regresso desses filhos, possamos todos, brasileiros e portugueses, trocar alegria rasgada por empatia? Impostos pagos por educação? Churrasco sem limites pelo café da esquina?