Manuel Pinho foi ao Parlamento gozar connosco
Vivemos no país em que um ex-ministro da Economia acha que pode ir ao Parlamento falar de tudo menos daquilo que importa. Na terça-feira, o país assistiu a um show de impunidade.
Manuel Pinho foi ao Parlamento fazer-nos corninhos. Outra vez. Não por gestos – mas por palavras. Ele não deu uma única justificação em relação àquilo de que é suspeito: ter continuado a receber salário do BES enquanto era ministro da Economia; ter recebido uma casa em Nova Iorque em troca de certos favores; ter recebido um lugar na Universidade de Columbia em troca de outros favores. Sobre isso, nada. Mas a sua intervenção foi muito instrutiva. Demonstrou não só a mais descarada falta de ética de tantos governantes da era Sócrates, como ajudou a clarificar aquilo que tem sido uma das mais perniciosas tendências da nossa democracia: a confusão lastimável (e propositada) entre responsabilidade criminal e responsabilidades políticas, morais ou disciplinares, numa barafunda de planos distintos, com o argumento de que se os tribunais não condenaram, então toda a gente deve ser tida por inocente. Politicamente inocente. Moralmente inocente. Disciplinarmente inocente.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Manuel Pinho foi ao Parlamento fazer-nos corninhos. Outra vez. Não por gestos – mas por palavras. Ele não deu uma única justificação em relação àquilo de que é suspeito: ter continuado a receber salário do BES enquanto era ministro da Economia; ter recebido uma casa em Nova Iorque em troca de certos favores; ter recebido um lugar na Universidade de Columbia em troca de outros favores. Sobre isso, nada. Mas a sua intervenção foi muito instrutiva. Demonstrou não só a mais descarada falta de ética de tantos governantes da era Sócrates, como ajudou a clarificar aquilo que tem sido uma das mais perniciosas tendências da nossa democracia: a confusão lastimável (e propositada) entre responsabilidade criminal e responsabilidades políticas, morais ou disciplinares, numa barafunda de planos distintos, com o argumento de que se os tribunais não condenaram, então toda a gente deve ser tida por inocente. Politicamente inocente. Moralmente inocente. Disciplinarmente inocente.
Não, não deve – e Manuel Pinho fez o tremendo favor de demonstrar ao país porque é que não deve. Esta questão tem sido recorrentemente abordada por mim, e ainda há pouco a invoquei a propósito de Domingos Farinho. No caso da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, confunde-se responsabilidade disciplinar e ética com responsabilidade criminal. No caso de Manuel Pinho, confunde-se responsabilidade ética e política com responsabilidade criminal. O mesmo Pinho que de manhã arranjou um incidente processual para não responder às questões do Ministério Público, à tarde estava a queixar-se de nunca ter sido confrontado pelo Ministério Público com os indícios daquilo de que é acusado. Se isto não é fazer-nos corninhos, é o quê? Vivemos no país em que um ex-ministro da Economia acha que pode ir ao Parlamento falar de tudo menos daquilo que importa. Na terça-feira, o país assistiu a um show de impunidade.
Manuel Pinho foi passear a sua pose professoral diante dos senhores deputados. Foi dizer-nos o que fazer para diminuir a conta da electricidade. Propôs baixar o IVA e eliminar a taxa do audiovisual. Trouxe um Powerpoint que demorou tempo a compor, e que segundo ele continha dados magníficos, que ofereceu ao Parlamento com generosidade e sapiência. Disse que talvez fosse publicar um livro com aquela informação, tão útil ela é. Partilhou a sua mundividência e as suas inúmeras viagens. Disse maravilhas sobre a China, e de como a sua economia, juntamente com a da Índia, Japão e Coreia, já é maior do que as economias americana e europeia juntas.
E no meio de tanta sabedoria vertida, quando lhe perguntaram pelo BES disse que não podia responder. Sobre a sua colecção de offshores disse que não podia responder. Nem sobre as declarações ao Tribunal Constitucional. Há tempos, afirmou que não respondia porque era arguido. Agora, afirmou que não respondia porque já não era arguido. E assim sucessivamente. Manuel Pinho até achou conveniente dar sermões aos deputados mais insistentes, afirmando que não foi para isso que tinha sido convidado. Anunciou que tinha imposto as suas condições para ir ao Parlamento e que elas tinham sido aceites. Declarou que quando convidamos uma pessoa para ir ver futebol a nossa casa não a pomos a esfregar o chão. Para Manuel Pinho, responder sobre suspeitas gravíssimas na casa da democracia portuguesa é semelhante a esfregar o chão. Por uma vez, a boca fugiu-lhe para a verdade. Inocente, só se tiver sido aí.