Afonso comanda o ZigurFest, o festival que matou a sede de música no interior
Aos 24 anos, Afonso Lima sonhou com um oásis de música alternativa portuguesa na cidade que o criou. Hoje, aos 32, é director do ZigurFest, o festival de Lamego que combate o abismo cultural entre o litoral e o interior há já oito anos. De 29 de Agosto a 1 de Setembro, com entrada gratuita.
Em 2010, uma dúzia de jovens de 20 anos decidiu que queria criar um festival de música portuguesa alternativa em Lamego. Podia ter sido só uma coisa de miúdos, podia ter dado para o torto. Mas não deu. O ZigurFest já vai para a 8.ª edição e não pára de crescer. Afonso Lima, o director do festival, foi um dos sonhadores que, na altura com 24 anos, sentiu que estava na hora de retribuir à cidade que o criou.
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Em 2010, uma dúzia de jovens de 20 anos decidiu que queria criar um festival de música portuguesa alternativa em Lamego. Podia ter sido só uma coisa de miúdos, podia ter dado para o torto. Mas não deu. O ZigurFest já vai para a 8.ª edição e não pára de crescer. Afonso Lima, o director do festival, foi um dos sonhadores que, na altura com 24 anos, sentiu que estava na hora de retribuir à cidade que o criou.
Já vivia no Porto, mas nunca perdeu a ligação a Lamego. Nem ele nem os amigos, que estavam espalhados pelo país a estudar. Voltavam a casa aos fins-de-semana e a fissura cultural entre o litoral e o interior parecia-lhes abismal. “Estávamos em contacto com tanta riqueza cultural e em Lamego não havia qualquer espaço para novos artistas e novas expressões culturais aparecerem. Os miúdos mais fixes tinham bandas de covers de Pearl Jam. E nós quisemos levar a efervescência cultural para lá.” Foi assim que a ZigurArtists nasceu — um colectivo criado por jovens com bandas e projectos musicais a solo, que se fez editora discográfica e organizadora de um festival.
Agora, Afonso tem 32 anos, é licenciado em Economia e tem um mestrado em Gestão de Indústrias Criativas. Trabalha como consultor financeiro, mas o coração continua na música. Dirige o festival e é membro da ZigurArtists, que já conta com cerca de 30 artistas associados.
Quando, em miúdos, decidiram dar o salto para a primeira edição do festival, em 2011, fizeram-no com o apoio total do Teatro Ribeiro Conceição. Com menos de 5000 euros, levaram a Lamego nove concertos (entre eles, peixe:avião e Dear Telephone) e exibiram o documentário A Música Portuguesa a Gostar dela Própria, de Tiago Pereira. “Não esgotámos, mas a reacção das pessoas foi ‘Façam mais disto, por favor’”, relembra o jovem director. Um pedido natural, se olharmos para o deserto que era o interior, ao nível da oferta de festivais. Recordemos, então: o ZigurFest fez-se ouvir no mesmo ano em que surgiram os Jardins Efémeros em Viseu, três anos antes de o Rock Nordeste surgir nos moldes actuais em Vila Real, e cinco antes do Douro Rock no Peso da Régua. “Fizemos isto quando não existia mesmo nada. Havia o Mêda+, que surgiu um ano antes. Quem quisesse ver este tipo de bandas, tinha de ir ao Porto”, conta Afonso.
Desde aí, a ambição cresceu e o projecto cresceu com ela. A edição de 2016 já teve o apoio da Câmara Municipal de Lamego e, em 2018, o festival que se realiza entre 29 e Agosto e 1 de Setembro vai ter entrada gratuita e acampamento gratuito no complexo desportivo da cidade. A abolição do bilhete pago, que tinha um valor simbólico de cinco euros, foi uma das vitórias mais recentes do colectivo, que acreditava que o preço “funcionava como uma retracção” à ida ao festival, que se realiza na altura das festas da cidade, quando tudo é gratuito. Desafiaram a autarquia, para a qual iam as receitas dos bilhetes, e tiveram resposta positiva.
Em Lamego, descobres hoje o que vais querer ouvir amanhã
Em 2016, o cartaz lamecense anunciava nomes como Surma, Luís Severo e 800 Gondomar. Nomes que apenas chegaram às rádios no ano seguinte e que só agora surgem nos cartazes dos maiores festivais de música. É nisto, explica Afonso, que o ZigurFest se diferencia. “Não estamos à procura de nomes que sabemos que vão chamar muita gente. Estamos à procura daquilo que as pessoas ainda não conhecem, o que é mais novo, o que está a despontar. Tentamos sempre antecipar. O nosso maior desgosto, enquanto programadores, é lançarmos um cartaz e vermos que um festival ali perto tem nomes iguais”, conclui, entre risos.
E quem vai pela música nova acaba por, inevitavelmente, descobrir uma nova cidade. Há palcos espalhados por todo o lado e as pessoas encontram música a acontecer “em sítios completamente inesperados”, revela o director. “Nós fazemos as pessoas circular pela cidade, o que difere muito do que se vê nos outros festivais, em que as pessoas estão sentadas em algum sítio a beber cerveja e à espera dos concertos. Fazemos as pessoas mexer-se. E isso não só é bom para o turismo como é bom para a saúde das pessoas porque a cidade tem uma topografia acidentada”, ri-se.
Brincadeiras à parte, Afonso sabe que, em Lamego, há um antes e um depois do ZigurFest. “A cidade estava um bocado esquecida. Culturalmente, nos meios de comunicação, estava resumida aos programas de domingo à tarde. Agora começa a ser cada vez mais procurada por artistas. Tenho imensas solicitações de músicos que querem apresentar o seu trabalho lá.” Procuram o festival pelo ambiente e pela proximidade, que não só é boa para o artista em palco, como para os aspirantes fora dele: “Nós nunca vamos ter grades, queremos que haja proximidade. Não só pelo artista, que pode interagir, mas também pelo público que pensa ‘Eu podia estar ali’.”
Mas nem só de música se faz este festival. Há uma ZONA (Residências Artísticas de Lamego) pronta a receber artistas durante duas ou três semanas para produzirem trabalhos a apresentar no festival — instalações artísticas, pintura, videoarte, entre outros. E, neste momento, estão em open call.
Fazer a festa com 25.000 euros (e muito trabalho nos bastidores)
A edição deste ano, que conta com mais de 20 artistas espalhados por mais de 10 palcos, custou 25.000 euros. Um valor pelo menos 10.000 euros abaixo do “valor real” do festival. “Há um esforço muito grande nosso e das nossas famílias em apoiar o festival de formas, às vezes, não monetárias, mas com voluntariado e fornecendo materiais”, conta o jovem ao P3.
Do cartaz, o director destaca Allen Halloween, “um dos rappers e produtores mais genuínos no hip-hop português”, David Bruno, o herói do kitsch que canta odes a Vila Nova de Gaia, Savage Ohms, as quatro mulheres do kraut rock e “uma das decisões mais rápidas para este cartaz”, Mutual, “um dos segredos mais bem guardados do techno português”, e Bardino, um dos artistas lançados pela ZigurArtists. Mas também lá estará Mathilda — que o P3 já conheceu —, Dullmea, Mazarin, Sereias, André Gonçalves, entre outros.
E vai haver aquecimento para a festa: Joana Guerra, Lyfe, Nu (que também vão a Lamego) e Moreno Ácido fazem a festa no Maus Hábitos, a 27 de Julho. Quase um mês mais tarde, Baleia Baleia Baleia e 2Jack4u (que encerram o festival) actuam nas Damas, em Lisboa, a 18 de Agosto. Ambos locais onde o colectivo tem residência trimestral e bimensal, respectivamente, e nos quais vão apresentando as mais recentes descobertas musicais.
Desde 2011, o ZigurFest já deu ao interior 120 concertos e, em 2017, receberam 3500 espectadores.