Na escola do Curtas, estes já não são filmes de escola
Flor do Gás e A Ver o Mar: duas descobertas do programa de curtas de escola Take One! numa edição marcada por Amor, Avenidas Novas.
Temos para nós que, se há momento perfeito para cometer erros e aprender com eles, é nas primeiras vezes; quando percebemos como é que uma coisa se faz e, com aquele entusiasmo urgente de mostrar que já sabemos, caímos nas armadilhas todas e depois, quando vemos o resultado, ficamos “oh! Mas eu sabia isto!” Que o mesmo é dizer: não é boa ideia olhar para um filme de escola como se estivéssemos a ver um filme profissional, de alguém que tem carreira ou experiência; e, ao mesmo tempo, convirá não entrar naquela condescendência do género: “Oh, é só um filme de escola, o que conta é a vontade”. Entre os diplomas de participação obrigado-por-teres-vindo e a comparação entre coisas que são incomparáveis, há toda uma possibilidade de erro tanto de quem faz como de quem vê que deve ser cuidadosamente evitada.
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Temos para nós que, se há momento perfeito para cometer erros e aprender com eles, é nas primeiras vezes; quando percebemos como é que uma coisa se faz e, com aquele entusiasmo urgente de mostrar que já sabemos, caímos nas armadilhas todas e depois, quando vemos o resultado, ficamos “oh! Mas eu sabia isto!” Que o mesmo é dizer: não é boa ideia olhar para um filme de escola como se estivéssemos a ver um filme profissional, de alguém que tem carreira ou experiência; e, ao mesmo tempo, convirá não entrar naquela condescendência do género: “Oh, é só um filme de escola, o que conta é a vontade”. Entre os diplomas de participação obrigado-por-teres-vindo e a comparação entre coisas que são incomparáveis, há toda uma possibilidade de erro tanto de quem faz como de quem vê que deve ser cuidadosamente evitada.
Há, no entanto, um problema adicional a juntar a esta corda bamba: este ano, dois filmes de escola portugueses conseguiram a exposição internacional que muitas produções profissionais querem sem conseguir. E a presença de Onde o Verão Vai, de David Pinheiro Vicente, em Berlim, e de Amor, Avenidas Novas, de Duarte Coimbra, em Cannes, torna inevitável que competições como a Take One!, a veterana secção de filmes de escola do Curtas, recebam uma outra atenção – já não anotar o nome de jovens cineastas com potencial que valerá a pena seguir, antes descobrir o próximo “caso” do cinema feito por cá. O que não é bom para ninguém, porque cria todo um jogo de pressões e expectativas que todo o conceito do “filme de escola” enquanto processo de aprendizagem ou de descoberta é suposto evitar.
As boas notícias da desigual edição 2018 do Take One!: há mesmo gente que vale a pena seguir nesta geração de estudantes. A começar por João Castela, autor daquele que é o nosso preferido dos onze filmes portugueses a concurso: Flor do Gás, que à superfície parece ser um equivalente portuense-fluvial do João Salaviza dos primeiros tempos, até na segurança com que apanha o seu ambiente de afastamento do centro. É uma história de adolescente suburbano, sim, de rapaz que segura as pontas da família entre pai ausente, mãe doente e irmã distante; e é uma história bem ancorada no seu ambiente à beira-rio, blocos de apartamentos envelhecidos, periféricos, gente condenada a uma existência “na margem”. Mas o que diferencia esta história é a segurança do olhar; a sensação de que João Castela quer que seja a sua personagem a ditar o filme e filma ao redor dele, não em função da história. Com apenas 13 minutos, Flor do Gás dura o tempo exacto que tem de durar; não inventa nada, mas tem a confiança de saber que às vezes não inventar vale mais do que abusar da invenção.
Para lá do falso musical pop-quiducho de Amor, Avenidas Novas (que, independentemente das suas virtudes, nos parece estar aqui um pouco deslocado por já ter um percurso por trás), há outro filme a reter neste Take One!, e um filme que também remete para outro cineasta sem deixar de ser muito próprio. A Ver o Mar, documentário assinado por Ana Luísa Oliveira, Sara Santos e André Puertas, lembra o olhar de Salomé Lamas sobre um parque de campismo em A Comunidade (aliás premiado no Curtas em 2012). Não apenas devido ao dispositivo de filmar in situ, mas também devido à combinação de pitoresco e melancolia que o filme consegue: trata-se de olhar para casais, de todas as idades, que ao fim de semana vão à Póvoa do Varzim – mais precisamente a A Ver o Mar – e ficam dentro do carro, literalmente, “a ver o mar”.
Em Lisboa chamaríamos a isto, com uma resignação mista de sarcasmo e desespero, “o passeio dos tristes” — e A Ver o Mar não enjeita essa dimensão triste, sugerida no casal jovem que só tem dinheiro para ir jantar fora ao McDonald’s ou no trintão cujo telefone toca, ao fim-de-semana, com “uma chamada do trabalho”. Mas um dos idosos que o filme regista também fala dos quilómetros que percorria de bicicleta para ir ver a namorada antes de casarem – e o que o filme de Oliveira/Santos/Puertas diz é que tudo isto é triste, mas (e Amália que nos perdoe) tudo isto existe, e a diferença entre hoje e ontem é mais circunstancial do que outra coisa. O olhar não tem pingo de condescendência, mesmo que caia pontualmente num excesso de pitoresco, mas cinco minutos e alguns “falsos finais” a menos não fariam mal aos seus 25 minutos; o importante é que é outro caso de filme que sabe onde estão as suas forças e como as explorar. E isso é qualquer coisa.