Foram despejados mas Carla, Maria e António já têm uma casa nova

Câmara de Lisboa entregou esta terça-feira 52 casas no âmbito do programa Habitar o Centro Histórico. A meta, entre todos os programas municipais para a habitação acessível, é entregar 630 casas até ao início do próximo ano.

Fotogaleria

Carla sempre jurou resistir pelo que lhe estavam a fazer a si e a muitos lisboetas “desprotegidos”: ser empurrados para fora da casa de uma vida. “Resisto pelas pessoas desprotegidas que são pressionadas a sair e não sabem o que fazer”, dizia Carla Cunha ao PÚBLICO, em Março, quando ainda não sabia muito bem o que fazer com a vida. A dela, do marido e das duas filhas, que tinham ficado sem casa quando o senhorio não quis renovar o contrato e os queria pôr fora, alegando que precisava de fazer obras profundas. A vida no “modesto rés-do-chão” do Pátio do Carrasco, junto à Sé, acabaria por terminar num dia de Novembro, quando o senhorio lhes cortou a água e a luz e obrigou a família a ser realojada numa casa da Protecção Civil em Marvila. 

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Carla sempre jurou resistir pelo que lhe estavam a fazer a si e a muitos lisboetas “desprotegidos”: ser empurrados para fora da casa de uma vida. “Resisto pelas pessoas desprotegidas que são pressionadas a sair e não sabem o que fazer”, dizia Carla Cunha ao PÚBLICO, em Março, quando ainda não sabia muito bem o que fazer com a vida. A dela, do marido e das duas filhas, que tinham ficado sem casa quando o senhorio não quis renovar o contrato e os queria pôr fora, alegando que precisava de fazer obras profundas. A vida no “modesto rés-do-chão” do Pátio do Carrasco, junto à Sé, acabaria por terminar num dia de Novembro, quando o senhorio lhes cortou a água e a luz e obrigou a família a ser realojada numa casa da Protecção Civil em Marvila. 

“É desumano. Acho que bullying imobiliário devia ser considerado crime”. As palavras são da artesã de 39 anos, ditas no meio da sua nova, e ainda despida, casa na rua Norberto de Araújo, não muito longe da antiga. Carla vai ocupar uma das 52 habitações que a câmara de Lisboa entregou esta terça-feira no âmbito do programa Habitar o Centro Histórico.

É um programa que foi apresentado no final do ano passado e que se destinou a residentes das freguesias de Santa Maria Maior, Misericórdia, São Vicente e Santo António em situação vulnerável de perda de habitação para evitar que tenham de sair dos bairros históricos da capital. 

Ao entrar nas casas, propriedade do município, ainda vazias, com cheiro a tinta e a verniz, vai-se suspirando de alívio. Mas à medida que as chaves são entregues e se assinam os contratos, os episódios de “bullying imobiliário” vão sendo repetidos pelos novos inquilinos.

Maria Francisco, de 58 anos, foi a primeira a ter a chave na mão. É o seu regresso ao Castelo, bairro onde cresceu, e de onde saiu para ir morar para a Mouraria. A tormenta havia de começar quando em 2016 o tecto lhe caiu aos pés e o senhorio prometeu “obras profundas”. Só que com os trabalhos, chegou também uma carta de cessação de contrato com data de saída em Setembro de 2017. O senhorio ainda lhe propôs um aumento de renda - um valor quase quatro vezes maior do que a renda que pagava - era incomportável. 

630 casas, 2000 pessoas 

"Não há que poupar nas palavras. Vivemos hoje na cidade uma grave crise no acesso à habitação", vincou Fernando Medina durante a entrega das primeiras cinco casas. 

"Temos colocado toda a pressão na iniciativa legislativa do Parlamento, porque só a alteração ao enquadramento do arrendamento e do regime fiscal do arrendamento de longa duração, vai permitir dar um impulso significativo da disponibilização de habitação no mercado na cidade de Lisboa”, acredita o autarca. 

A história de António Melo parece ter o mesmo argumento: as obras nos andares superiores do prédio onde morava, no Beco da Lapa, começaram em 2016. A ordem de despejo chegou, mas António não saiu. A partir daí, cortaram-lhe a coluna da chaminé, inundaram-lhe a casa. "Tudo para me obrigarem a sair", acredita. Acabou por pedir ajuda à câmara, concorreu ao programa e agora quando quiser já pode ocupar a casa nova na Calçada de São Vicente. É um T0 acanhado, mas que aos 72 anos diz que é suficiente para o acomodar. 

Para que as famílias possam continuar a viver na capital, "a câmara também tem de fazer a sua parte", reconhece Medina. Além das 52 casas prontas, a câmara está, neste momento, a reabilitar ou a preparar-se para o fazer em quase mais 600 casas municipais. 

Segundo adiantou a vereadora da Habitação, Paula Marques, até ao final do primeiro trimestre de 2019, a câmara quer disponibilizar 630 casas aos munícipes. Neste pacote, inclui-se a recuperação de património disperso no centro histórico e noutras zonas da cidade, a reabilitação de casas em bairros municipais e a construção de habitação, quer no bairro da Boavista, quer no bairro Padre Cruz, já em andamento. 

À medida que as casas forem ficando prontas, serão entregues as chaves. Mas a ideia é que, até Setembro, estas casas estejam todas atribuídas, mesmo sem estarem concluídas. "O nosso objectivo é que cada um tenha a segurança de saber que vai ter um tecto, uma casa, que vai ter um contrato", diz Fernando Medina. Pelas contas do autarca, estas 630 habitações vão albergar quase 2000 pessoas. 

Ainda na segunda-feira, a câmara de Lisboa assinou um memorando no qual se compromete a recuperar 11 edifícios da Segurança Social e que integrarão o Programa de Renda Acessível (PRA) da autarquia. A reconversão dos imóveis, cujo valor patrimonial está avaliado em 57 milhões de euros, permitirá a criação de 250 apartamentos e 226 quartos para estudantes. 

Está também a ser estudado o alargamento do programa Habitar o Centro Histórico a outras freguesias capital. "Esta [centro histórico] era a zona mais vermelha e estamos a ver como é que o fenómeno está a acontecer nas outras freguesias", notou Paula Marques. 

Depois da tormenta, "melhor que isto, só no céu agora", diz Maria Francisco. Mas muito mais faltará fazer, reconhece a responsável pela pasta da habitação na cidade. “É para isso que aqui estamos. Para agir e pôr o património municipal à disposição das pessoas e das famílias que mais precisam", assegurou. 

Artigo actualizado em 17/01/2019: A pedido da própria corrige-se que Maria Francisco não nasceu no bairro do Castelo, apenas cresceu lá