MNAA apresentou novas salas de mobiliário português, e fechou-as logo por falta de vigilantes

Museu mostrou espaço aos mecenas e anunciou reabertura ao público. Mas não sabe quando poderá efectivamente mostrar o trono de D.Pedro IV aos visitantes. “O futuro não é risonho”, diz o director do museu.

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As renovadas salas de mobiliário português do Museu Nacional de Arte Antiga foram apresentadas publicamente esta terça-feira, para assinalar a sua reabertura ao público com novas peças, restauros exaustivos e dois tronos de reis portugueses. Mas pouco depois de o director do museu, António Filipe Pimentel, ter garantido ao presidente da Fundação Millennium BCP e aos membros do Grupo de Amigos do Museu, mecenas de uma renovação de 70 mil euros, que esta “não é uma área menor nem a encerrar”, as portas fecharam-se por falta de vigilantes. É uma situação crónica, num museu que Pimentel compara a "um doente em fase aguda”, como diz ao PÚBLICO, esclarecendo de passagem que não sabe quando poderá abrir as salas

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As renovadas salas de mobiliário português do Museu Nacional de Arte Antiga foram apresentadas publicamente esta terça-feira, para assinalar a sua reabertura ao público com novas peças, restauros exaustivos e dois tronos de reis portugueses. Mas pouco depois de o director do museu, António Filipe Pimentel, ter garantido ao presidente da Fundação Millennium BCP e aos membros do Grupo de Amigos do Museu, mecenas de uma renovação de 70 mil euros, que esta “não é uma área menor nem a encerrar”, as portas fecharam-se por falta de vigilantes. É uma situação crónica, num museu que Pimentel compara a "um doente em fase aguda”, como diz ao PÚBLICO, esclarecendo de passagem que não sabe quando poderá abrir as salas

O comunicado enviado à imprensa sobre a apresentação das salas era inequívoco: “As salas da exposição permanente de Mobiliário Português (Piso 1, salas 36-44) reabrem ao público após uma profunda renovação.” As salas estão prontas, divididas em sete núcleos, do gótico a D. Maria I, e durante uma hora encheram-se de gente. À chegada, Pimentel tinha admitido que estas salas têm sido “as primeiras vítimas do défice de vigilantes”, mas também tinha recusado que estivessem para encerrar. Quando os convidados e os jornalistas saíram, permaneciam alguns vigilantes nas salas. Mas logo depois, assinalou o Diário de Notícias, elas encerraram. 

“Não se passou nada de novo”, diria depois António Pimentel ao PÚBLICO, esclarecendo que “não há vigilantes disponíveis para abrir a sala do mobiliário” que acabara de apresentar. 

Há anos que o MNAA funciona com “um terço dos vigilantes necessários”, além de outras lacunas nos recursos humanos, diz o director do museu onde agora estão prontas para mostrar ao público cerca de 190 peças de mobiliário português do século XV ao século XVIII, das quais 111 foram restauradas e 15 são novas aquisições, depósitos ou doações. “Estas salas guardam a história do mobiliário português”, descreveu aos convidados da fundação e do grupo de amigos do museu, que contribuíram, respectivamente, com 40 mil e 30 mil euros para os “cinco meses de trabalho duro, de restauro, de textos, nova iluminação, novas cores”. Um trabalho que deveria permitir colocar agora no roteiro dos visitantes do MNAA um acervo de que constam contadores, mesas e relicários mas também o trono de D. Pedro IV e a cadeira de braços gótica dita de D. Afonso V. Conceição Borges Sousa, a conservadora responsável pela colecção, descreve-a como "uma história do quotidiano português – das elites, é certo – mas que fala da cultura, das artes, da política, dos modos de vida”.

Questionado sobre se os mecenas estariam desagradados por terem feito um investimento substancial em alas que não sabe quando abrirão ao público, António Filipe Pimentel admitiu que a situação “é desagradável para toda a gente, no sentido da cidadania”. Para o museu, que se sente a "morrer na praia", a situação é ambivalente: “Estamos muito contentes por podermos apresentar o trabalho, muito tristes por não o podermos mostrar." 

Os visitantes também não podem visitar as galerias de artes decorativas francesas ou partes do segundo piso, “porque [estas] conseguem isolar-se”, o que permite ao museu fechá-las quando não há vigilantes suficientes, especialmente em períodos de férias ou fins-de-semana. “A geometria da organização da vigilância numa casa com 80 salas é muito complexa”, detalha o director. No último ano, o museu tem vindo a fechar parte das suas alas ou mesmo estado encerrado ao fim-de-semana por falta de pessoal.

António Filipe Pimentel tem clamado publicamente por autonomia financeira e volta a colocar o dedo nessa ferida: “Estamos abaixo da linha de água há anos.” A “situação mantém-se estável como um doente em fase aguda, um coma induzido”, “é muito desmoralizante”, vai dizendo sobre a falta de recursos do museu e a urgência de a Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC), que tutela o equipamento, alocar mais recursos a este que é um dos mais importantes museus portugueses.

O PÚBLICO questionou o Ministério da Cultura sobre as suas intenções de reforço de pessoal do MNAA e aguarda uma resposta. Em Janeiro foi aberto um concurso para a contratação de três vigilantes para o MNAA.

Móveis com segredos e explicações

Atrás de dois conjuntos de portas de vidro no piso térreo do MNAA estão então móveis contador, berços, um imponente relicário, uma mesa pé-de-galo, uma xiloteca e vários móveis com segredos. Todos têm história(s). Um relicário tem nas costas um compartimento secreto com três caixas de metal, uma cómoda-papeleira tem a sua data e o nome do autor gravados num lugar secreto, e uma cómoda tem uma frase que passa despercebida nas suas ferragens em latão.

Os móveis, em madeiras várias mas particularmente preciosas como o pau-santo, estão ladeados por pintura, tapeçaria, formas para marcar bolos ou leques para empoar cabeleiras, enquadrados na sua época e no quotidiano de burgueses, nobres e reis. A conservadora do sector, que trabalhou com Sofia Júlio e com Patrícia Carvalho na devolução ao público de uma ala que não sabe quando será efectivamente aberta, acrescenta-lhe histórias de origem.

Uma cómoda chama-se assim (o substantivo é quase adjectivo) porque se o habitual era guardar os têxteis nas arcas, usá-las “era muito incómodo” – abrir a tampa, tirar tudo, voltar a pôr, aceder a coisas no fundo. Ao móvel arca foi-se acrescentando uma gaveta, depois outra, uma solução tanto mais cómoda que passou a chamar-se a essa peça de mobiliário uma… cómoda. Conceição Borges Sousa continua a contar histórias, recordando que a “sala de jantar só começa a ser um espaço fixo no século XVIII”, até lá “punha-se a mesa em diferentes salas” – “daí a expressão ‘pôr a mesa’”.

Passa-se por um escritório de 1550 fabricado em Angra do Heroísmo, “uma das peças mais notáveis” da colecção, diz a conservadora. Destaca a importância do móvel-contador, “a peça mais ilustre do mobiliário do nosso século XVII, o móvel emblemático do mobiliário português”, que se torna uma peça muito solicitada, “muito valorizada, com as suas gavetas à mostra e por vezes em blocos” verticais ou horizontais. Destaca um exemplar “absolutamente extraordinário”, exemplo da “excelência da matéria-prima e dos nossos marceneiros”. No final da visita, frisa que “olhar um móvel não é só ver uma cadeira ou uma estante, é sentir a diversidade e a história que o rodeiam”.

Ainda durante a apresentação pública desta colecção, António Filipe Pimentel voltou a lembrar que o MNAA prevê poder mostrar o chamado presépio dos marqueses de Belas “a tempo do Natal” no âmbito de nova campanha de crowdfunding. Esta será precedida por obras noutra ala do museu, a galeria de têxteis, que permitirá mostrar em Setembro “uma colecção maravilhosa do museu que está oculta”. Esses trabalhos vão entretanto permitir “chegar à capela das Albertas”, outra jóia escondida do MNAA.