Os mapas do Brasil desenhados pelos padres matemáticos no século XVIII
Dois jesuítas partiram de Portugal para cartografar, no século XVIII, o espaço compreendido entre o estado do Maranhão e o Rio da Prata, que a coroa portuguesa ainda reclamava como limite sul do Brasil.
A primeira metade do Século XVIII é um período chave na história do Império Português, que tem no Brasil a sua pedra angular. Com as descobertas de ouro em Minas Gerais nos finais do século XVII, seguidas de Cuiabá (1718) e Goiás (1725) vamos assistir a uma corrida ao ouro e a um afluxo de população vinda do litoral, além de um aumento da emigração vinda do Reino.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
A primeira metade do Século XVIII é um período chave na história do Império Português, que tem no Brasil a sua pedra angular. Com as descobertas de ouro em Minas Gerais nos finais do século XVII, seguidas de Cuiabá (1718) e Goiás (1725) vamos assistir a uma corrida ao ouro e a um afluxo de população vinda do litoral, além de um aumento da emigração vinda do Reino.
A política de controlo da coroa portuguesa vai-se fazer sentir em Minas Gerais sobretudo a partir de 1709, com a criação da nova capitania de S. Paulo e Minas de Ouro, a fundação de povoações, a criação de paróquias e a implantação da justiça e do fisco. A preocupação central da coroa é evitar o contrabando do ouro, controlar a sua circulação e cobrar o imposto. É neste contexto que D. João V decide enviar ao Brasil dois cartógrafos jesuítas. Já em 1722 o rei tinha contratado em Itália dois matemáticos da Companhia de Jesus, João Baptista Carbone e Domingos Capassi, com o propósito de os mandar ao Brasil. Mas antes precisavam de aprender a utilizar novos instrumentos de observação astronómica, adquiridos na Europa, para determinarem com rigor as coordenadas geográficas.
Assim, instalaram-se dois observatórios em Lisboa: um no Paço da Ribeira e outro no colégio jesuíta de Santo Antão. Algumas das observações astronómicas foram publicadas nas principais revistas científicas da época, como as Philosophical Transactions da Royal Society de Londres e as Acta Eruditorum de Leipzig.
Por fim, em 1729, com a notícia da descoberta de diamantes em Minas Gerais, D. João V decidiu que Capassi partiria para o Brasil com o jesuíta português Diogo Soares. A missão impossível destes jesuítas consistia em cartografar o espaço compreendido entre o estado do Maranhão e o Rio da Prata, que a coroa portuguesa ainda reclamava como limite sul do Brasil. Cabia-lhes propor novos limites entre as diferentes capitanias e bispados que permitissem uma melhor organização do território. Além dos mapas indicando a correcta localização das povoações dos portugueses e dos índios, dos locais de exploração do ouro, dos portos, rios e enseadas, era necessária uma vasta recolha de informação histórica, geográfica e etnográfica sobre o território.
Os padres matemáticos começaram os trabalhos cartográficos pelo Rio de Janeiro. Instalaram um observatório no colégio da Companhia de Jesus, no Morro do Castelo, e fizeram os cálculos para definir a posição do meridiano do Rio de Janeiro. Ao que parece, Capassi e Soares começaram logo por se desentender. Soares queixava-se ao rei que não podia fazer observações porque Capassi levara consigo todos os instrumentos, enquanto o governador relatava em 1731 do Rio de Janeiro: “O padre Diogo Soares aqui fica bem, mas tão desunido com Domingos Capassi, como estarão sempre. As diferenças não têm remédio. E agora partiu o padre Capassi só, a demarcar esta costa daqui para o norte até à Capitania do Espírito Santo, e o padre Diogo Soares fica para ir às Minas Gerais…”
Apesar das desavenças, sabemos que em 1734 ambos os padres estavam em Minas Gerais, de onde escrevem a Martinho de Mendonça de Pina e Proença, ali enviado pelo rei para estudar a melhor forma de taxar a produção do ouro. Enquanto Diogo Soares se centra mais em informações que vai recolhendo acerca de caminhos e dos rios, e sobre o extravio do ouro, Domingos Capassi discute observações astronómicas e queixa-se da falta que lhe faz o enviado do rei: “Pelo caminho vim bem desconsolado, como quem se via privado daquele grande allivio que me dava a sua presença. Ainda estamos em tempo de fazer hua jornadinha juntos, como aquella da Cachueira? Que foi feito do eclipse? Achou porventura por aquellas partes mais (…) novas delle? Aqui aos 26 de Outubro observei hum eclipse de Sol às cinco horas de tarde, vindo da villa de Santos com bastante gente.”
Entre 1730 e 1748 os dois jesuítas percorreram as capitanias do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo, a costa brasileira desde Cabo Frio até Laguna, parte do território do Rio Grande de São Pedro e da Colónia do Sacramento, fizeram cálculos de latitudes e longitudes e traçaram numerosos mapas. Com o falecimento do padre Capassi em S. Paulo, em 1736, coube a Diogo Soares dar continuidade à missão até à sua morte, em 1748.
Chegaram até nós cerca de 40 mapas que podem ser atribuídos aos padres matemáticos. Há duas colecções de mapas de dimensões idênticas (cerca de 20 por 30 centímetros) que cobrem a costa sul-americana entre o rio da Prata (na Argentina e no Uruguai) e o Cabo de São Tomé (no litoral sudeste do Brasil). Estão graduados em longitudes contadas a partir do meridiano do Rio de Janeiro e parecem ter sido preparados para integrar o que seria o Novo Atlas da América Portuguesa. Deste atlas deviam também fazer parte quatro mapas da região de Minas Gerais, que têm o mesmo meridiano de referência. Fizeram também, em 1734, um mapa da demarcação da região produtora de diamantes de Serro Frio, talvez a pedido do enviado do rei.
Capassi traçou dois mapas no Rio de Janeiro: um da baía de Guanabara e outro da capitania, enquanto Diogo Soares nos deixou um mapa que sintetiza os trabalhos cartográficos realizados pelos dois jesuítas ao longo da costa: a “Nova e primeira carta da Terra Firme e costas do Brasil ao Meridiano do Rio de Janeiro desde o Rio da Prata até Cabo Frio”.
A qualidade dos mapas dos padres matemáticos foi reconhecida ao longo de todo século XVIII e foi essencial na preparação do Tratado de Limites, assinado com a Espanha em 1750, que definiu em novos moldes o território do Brasil.
Esta série, às segundas-feiras, está a cargo do Projecto Medea-Chart do Centro Interuniversitário de História das Ciências e Tecnologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, que é financiado pelo Conselho Europeu de Investigação