O estranho enredo da conquista francesa no Mundial de 1998
Uma violenta convulsão de Ronaldo antes da final e insinuações de doping, removeram o brilho ao primeiro triunfo dos gauleses num Mundial. Contra a Croácia, o objectivo é enterrar, de uma vez por todas, as conspirações que ainda se mantêm vivas.
A selecção francesa tem neste domingo a hipótese de voltar a levantar o troféu mais cobiçado do futebol mundial, vinte anos após a última — e primeira e única — conquista em Mundiais. Após a derrota na Alemanha, em 2006, frente à Itália, no desempate da marca de 11 metros, os “bleus” voltam a ter hipóteses de replicar o sucesso de 1998 - a única vez que os Campos Elísios se pintaram com as cores da bandeira francesa, após uma partida que ficou para a história por acontecimentos que tiveram lugar fora do recinto de jogo.
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A selecção francesa tem neste domingo a hipótese de voltar a levantar o troféu mais cobiçado do futebol mundial, vinte anos após a última — e primeira e única — conquista em Mundiais. Após a derrota na Alemanha, em 2006, frente à Itália, no desempate da marca de 11 metros, os “bleus” voltam a ter hipóteses de replicar o sucesso de 1998 - a única vez que os Campos Elísios se pintaram com as cores da bandeira francesa, após uma partida que ficou para a história por acontecimentos que tiveram lugar fora do recinto de jogo.
A final do Mundial de 1998 foi, a todos os níveis, uma partida atípica. A selecção francesa, liderada por Zinedine Zidane, na altura com 26 anos e bicampeão italiano pela Juventus, enfrentava o Brasil, liderado por Ronaldo, “o fenómeno”. Os “canarinhos” tinham vencido o Mundial de 1994, eram tetracampeões do Mundo, e considerados favoritos à vitória na competição.
O primeiro choque da noite ocorreu quando, na ficha de jogo, Ronaldo não constava do "onze" inicial dos brasileiros. O vencedor da Bola de Ouro ficaria de fora, sem qualquer prenúncio de lesão. Os jornalistas procuravam saber o que estava a passar, mas, minutos após a surpresa inicial, outra ficha de jogo foi distribuída, desta vez com Ronaldo a titular, no que se julgava ter sido um “erro de impressão”.
“O fenómeno” fez um dos jogos mais apagados da sua carreira. Sem a agressividade e garra características do seu estilo de jogo, o ataque do Brasil ficou manietado, sem que a defesa francesa fizesse muito por isso. Zinedine Zidane bisou na partida e demonstrou o seu virtuosismo, num triunfo gaulês por 3-0 que não deixou dúvidas quanto à justiça do vencedor.
As conspirações começaram a fluir logo após o apito final: doença, esgotamento nervoso e até envenenamento eram alguns dos palpites dados por quem tentava descortinar a exibição paupérrima do internacional brasileiro.
“Depois do almoço, resolvi descansar. A última coisa de que me lembro é de ir para a cama. [Enquanto dormia] tive uma convulsão. Quando acordei, vi os meus colegas de equipa e o médico ao meu lado”. Foram precisos 17 anos para que Ronaldo revelasse o mistério que antecedeu a final do Mundial.
Em 2002, Edmundo, em declarações no Congresso brasileiro, relatou o que testemunhou no quarto de hotel do colega de equipa: “Ele estava deitado no chão, a bater nele próprio com as mãos. Estava com as mãos juntas e a espumar da boca.”
Ronaldo acordou e, como as análises médicas “não mostraram nada de errado”, jogou. “É como se eu não tivesse tido aquele ataque”, explicou o jogador. Há vozes discordantes que garantem que Ronaldo não estava em condições e que os patrocinadores — em especial a NIKE, que patrocinava o jogador e a selecção brasileira — fizeram pressão para que a maior estrela da competição não ficasse de fora. O estranho incidente ficou, até este dia, gravado na memória dos adeptos de futebol.
Fantasma do doping nos gauleses
Do outro lado, “testes mostraram anomalias de vários jogadores franceses antes do Mundial de 1998. Quando olhamos para os clubes onde foram formados, dá aso a fortes suspeitas”. Jean-Pierre Paclet, médico ao serviço da Federação de Futebol Francesa na altura do Mundial da França, quebrou o silêncio em 2010, insinuando que os jogadores franceses que se sagraram campeões do mundo em 1998 não o fizeram de forma inteiramente limpa.
“É de conhecimento público que estas práticas ocorriam na altura. Estou a dizer o que todos já sabem, não inventei nada” disse Paclet ao jornal Le Parisien, em 2010, na apresentação do seu livro, L'Implosion. Membros da formação gaulesa apressaram-se a contradizer o médico: “Não há nada de novo nisto. A sombra do doping na selecção francesa em 1998 é uma mentira. Não vamos procurar coisas que não existiram”, disse Laurent Blanc, um dos jogadores da selecção francesa e que só não alinhou na final, em Paris, por estar suspenso.
Acusado por Paclet de “ter fechado os olhos” às análises alegadamente suspeitas, Jean-Marcel Ferret — outro membro da equipa médica — mostrou-se surpreendido pelas declarações do ex-colega: “Não encontrámos nada. Existiram apenas duas anomalias, mas estavam ligadas ao desgaste dos jogadores ao longo da época. A minha consciência está limpa.”
Quando ouvimos falar dessa noite de 1998, em Paris, poucos se lembram dos dois cabeceamentos de Zidane — tirados a papel-químico — que acabaram no fundo da rede da baliza de Dida, ou do remate cruzado de Petit que carimbou a vitória gaulesa. O problema de saúde de Ronaldo e as controvérsias que se seguiram à partida acabaram por manchar o momento mais feliz da história do futebol francês. Este domingo, na Rússia, alguns jogadores que ainda não eram nascidos em 1998 terão a oportunidade perfeita para afastar os fantasmas do passado.
Texto editado por Jorge Miguel Matias