Terão sido os romanos os primeiros caçadores de baleias?

Análises a ossos de baleias revelam que duas espécies destes cetáceos que já não existem agora no estreito de Gibraltar e no mar Mediterrâneo migravam para essa zona no século I, em pleno Império Romano.

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Ecólogos, arqueólogos e geneticistas juntaram-se para resolver uma incógnita: já havia uma indústria baleeira no Império Romano? Para desmontar esse enigma, analisaram ossos de baleias com cerca de dois mil anos encontrados no estreito de Gibraltar. Descobriram que pertenciam à baleia-franca-do-atlântico-norte e à baleia-cinzenta que já não habitam essa zona mas que deveriam ser comuns aí há dois mil anos. Como já havia métodos para caçar estas espécies, a equipa de cientistas – da qual faz parte a portuguesa Ana Rodrigues – defende a hipótese de que os romanos já caçariam baleias antes de os bascos o terem começado a fazer na Idade Média.

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Ecólogos, arqueólogos e geneticistas juntaram-se para resolver uma incógnita: já havia uma indústria baleeira no Império Romano? Para desmontar esse enigma, analisaram ossos de baleias com cerca de dois mil anos encontrados no estreito de Gibraltar. Descobriram que pertenciam à baleia-franca-do-atlântico-norte e à baleia-cinzenta que já não habitam essa zona mas que deveriam ser comuns aí há dois mil anos. Como já havia métodos para caçar estas espécies, a equipa de cientistas – da qual faz parte a portuguesa Ana Rodrigues – defende a hipótese de que os romanos já caçariam baleias antes de os bascos o terem começado a fazer na Idade Média.

Tudo começou com uma pergunta de uma equipa de ecólogos em 2011. “Sabíamos que duas espécies de baleias habitavam o Atlântico e que são espécies que se reproduzem em mares relativamente quentes e subtropicais noutras partes do mundo. Por que é que não se reproduziam também no Mediterrâneo?”, recorda Ana Rodrigues, primeira autora do artigo publicado esta quarta-feira na revista científica Proceedings of the Royal Society of London B e ecóloga no Centro de Ecologia Funcional e Evolutiva, em Montpellier (França), do Centro Nacional de Investigação Científica (CNRS). “Será que nunca lá estiveram ou será que estiveram e desapareceram sem nos termos dado conta?” A única forma de saberem era através de ossos.

Como tal, procuraram arqueólogos e encontraram uma equipa que estava a fazer a mesma investigação mas de outra perspectiva. “Tinham encontrado ossos de baleia em escavações e questionavam se seria possível que tivesse existido caça à baleia”, conta a ecóloga de 45 anos. A equipa do arqueólogo Darío Bernal Casasola, da Universidade de Cádis (Espanha), descobriu ossos em antigas fábricas de salga de peixe do período do Império Romano no estreito de Gibraltar. Além de o estreito de Gibraltar ser uma porta de entrada no Mediterrâneo, foi também um centro de exploração de recursos marinhos, da indústria de processamento de peixe e de exportação para todo o Império Romano.

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Vista aérea de Baelo Claudia, antiga cidade romana perto de Tarifa, Espanha, que tem fábricas de processamento de peixe, onde se descobriram ossos de baleia Darío Bernal Casasola/Universidade de Cádis
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Vista aérea de tanques de salga de peixe em Baelo Claudia, antiga cidade romana em Espanha onde se encontraram ossos de baleia Darío Bernal Casasola/Universidade de Cádis

Um elefante entre baleias

Como era impossível identificar os ossos através da morfologia, geneticistas juntaram-se ao trabalho. Ao utilizarem dois métodos – o de ADN antigo e de colagénio –, perceberam que os ossos pertenciam a um cachalote, uma baleia-piloto, uma baleia-comum, um golfinho – que ainda são frequentes no Mediterrâneo – e a um elefante-africano. “O elefante-africano que hoje só existe na zona subsariana [de África], antigamente também existia no Norte de África”, nota a ecóloga, acrescentando que teria sido usado como animal de guerra ou de trabalho, segundo os registos históricos. Também encontraram o que pretendiam: ossos da baleia-franca-do-atlântico-norte (Eubalaena glacialis) e da baleia-cinzenta (Eschrichtius robustus).  

“A baleia-franca é das baleias mais gordas, porque tem uma camada de gordura, que lhe permite viver uma parte do ano [sem se alimentar] enquanto se reproduz”, descreve. Essa “camada de banha” fez com que fosse das baleias preferidas dos caçadores. É preta, tem barbas grandes e é uma das maiores baleias que existe, podendo chegar aos 18 metros. Actualmente está classificada como “em perigo” pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN). Em tempos, já habitou o Leste do Atlântico Norte, mas hoje só existem cerca de 500 indivíduos no Oeste do Atlântico Norte.

Já a baleia-cinzenta pode alcançar os 15 metros. É uma espécie costeira e é cinzenta porque está coberta de cracas. “A baleia-cinzenta foi uma baleia relativamente secundária [na caça], porque era mais pequena e não era particularmente produtiva”, indica Ana Rodrigues. Actualmente só vive no Pacífico Norte. As duas espécies sofreram com a caça à baleia que foi proibida durante o século XX.

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Baleia-cinzenta Merrill Gosho/NOAA

As baleias de Plínio, o Velho

Os cientistas também procuraram referências às baleias em documentos históricos. “O problema é que quanto mais para trás [no tempo] vamos, menos precisão os escritores têm em termos de terminologia utilizada e menos se sabe o que o queriam dizer”, conta Ana Rodrigues. Mesmo assim, os termos mais usados (em latim) são balæna ou cetus, que incluía atuns, tubarões, focas, baleias, grandes peixes ou monstros marinhos.

Analisaram excertos da obra História Natural, de Plínio, o Velho, escrita no século I, onde o naturalista faz uma descrição de um ataque de orcas a baleias, que se reproduziam na baía de Cádis no solístico de Inverno. “Hoje em dia, não há nada parecido com isto porque nenhuma das espécies que existe se reproduz na zona costeira. Mas corresponde às duas espécies, não sabemos é a qual.” Também estudaram o poema épico Haliêutica, escrito pelo poeta grego Opiano entre o século II e o III. Aí é descrita uma captura a um monstro marinho com métodos – como barcos a remos e arpões – que podiam ser usados para caçar as duas espécies de baleias.  

Portanto, mostraram que essas duas baleias estavam presentes na zona de Gibraltar e, muito provavelmente, entravam no Mediterrâneo para se reproduzir. No Verão, alimentar-se-iam em águas frias e de altas latitudes do Atlântico – perto da Islândia ou dos bancos da Terra Nova. No Inverno, migrariam para as zonas mais quentes, como o Mediterrâneo, onde viveriam das suas reservas. “A sua presença em águas de baixa latitude indica que estavam já na zona de reprodução em Gibraltar ou de passagem para uma outra zona mais no interior do Mediterrâneo”, explica Ana Rodrigues. “A nossa hipótese é que, se calhar, os romanos começaram a caçá-las antes da caça industrial que, supostamente, se iniciou com os bascos [na Idade Média] e que a população de baleias que entrava no Mediterrâneo pode ter desaparecido antes dos registos históricos terem começado a referir a caça dos bascos.”

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A ecóloga Ana Rodrigues DR

Contudo, no artigo sublinha-se: “Nada disto demonstra que existia uma indústria baleeira romana, mas indica que os romanos tinham os meios, o motivo e a oportunidade para capturar baleias-cinzentas e baleias-francas a uma escala industrial.” A comprovação desta hipótese será agora para os historiadores, que analisarão fontes literárias, e para os arqueólogos, que continuarão a estudar vestígios.

“Para mim, a coisa mais interessante é termos esquecido as espécies que seriam visíveis e costeiras numa das zonas mais conhecidas e estudadas do mundo”, deslumbra-se a ecóloga. Já há dez anos em França, Ana Rodrigues continuará a tentar desmistificar a forma como os ecossistemas mudaram à nossa volta. E dá-nos um exemplo (especulativo), até porque quando as baleias passavam para o Mediterrâneo seriam visíveis da costa portuguesa: “Imagine o estuário do Tejo cheio de baleias a reproduzirem-se. É uma imagem que me parece mágica, credível e possível do ponto de vista ecológico.”