IPO Lisboa: o desafio de seguir 57 mil doentes
Todos os anos chegam ao IPO de Lisboa uma média de seis mil novos casos de cancro. A unidade está em processo de remodelação, mas os desafios passam também por assegurar os recursos humanos necessários para atender aos muitos doentes de todo o país que ali vão procurar cuidados.
Alda, 53 anos, está a fazer uma biopsia de aspiração por vácuo no IPO de Lisboa — exame usado nos casos em que existem pequenas calcificações que lançam a suspeita de um cancro de mama. Ao fim de duas semanas terá nas mãos os resultados da análise. O médico radiologista Jorge Ferreira explica-lhe o que vai fazer. “A agulha entra, vai ouvir uns barulhos estranhos” provocados pela aspiração do material para análise. O exame não dura mais de 20 minutos. Sabe que as probabilidades de um resultado positivo são altas. Associa o IPO “ao melhor”, mas também não esconde que “assusta” as notícias sobre tempos de espera. “Não tenho razão de queixa”, resume, explicando que foram três semanas entre o médico de família lhe dizer para ir para o IPO e ser atendida.
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Alda, 53 anos, está a fazer uma biopsia de aspiração por vácuo no IPO de Lisboa — exame usado nos casos em que existem pequenas calcificações que lançam a suspeita de um cancro de mama. Ao fim de duas semanas terá nas mãos os resultados da análise. O médico radiologista Jorge Ferreira explica-lhe o que vai fazer. “A agulha entra, vai ouvir uns barulhos estranhos” provocados pela aspiração do material para análise. O exame não dura mais de 20 minutos. Sabe que as probabilidades de um resultado positivo são altas. Associa o IPO “ao melhor”, mas também não esconde que “assusta” as notícias sobre tempos de espera. “Não tenho razão de queixa”, resume, explicando que foram três semanas entre o médico de família lhe dizer para ir para o IPO e ser atendida.
“A dona Alda é o exemplo do SNS a funcionar bem. Fez uma mamografia que mostrou um resultado duvidoso, já foi vista por um especialista, fez esta biopsia especial que no privado custa mil euros. Não haverá mais de um ou dois aparelhos destes no SNS”, explica Jorge Ferreira. No ano passado o IPO de Lisboa realizou 234 exames destes, alguns para outros hospitais do SNS.
Só na área da mama o serviço de radiologia fez 16.208 exames no ano passado. Mais de seis mil foram mamografias e outras tantas ecografias. As grandes taxas de sobrevivência, a segurança que as pessoas sentem em ir ao IPO e os cerca de mil novos casos por ano de cancro da mama levam a que as solicitações excedam a capacidade de resposta.
“A solução é transferir as doentes com mais de cinco anos sem sinal da doença para os cuidados de saúde primários”, diz Jorge Ferreira, que tem na mão folhas com o registo dos exames que não vão conseguir fazer: 400 em Abril, mais de 300 em Agosto e outros tantos em Setembro. “A TAC e a RM também têm dificuldades de agendamento." No ano passado o IPO recebeu 48 queixas, 75% por atrasos de agendamento, relatório ou realização do exame.
O serviço está bem equipado, mas faltam recursos humanos e foi preciso encontrar soluções como um self-service — este por sugestão de um doente — para a toma da preparação para as TAC. José Venâncio, director do serviço, lamenta que não tenha sido possível nos últimos anos ficarem alguns dos médicos que formaram. “O conselho de administração tem mostrado grande colaboração, mas não consegue fazer mais."
Reconhecido internacionalmente, todos os anos o serviço recebe internos estrangeiros. “Se tivéssemos mais pessoas não havia lista de espera”, prossegue. E dá um exemplo: em cada turno de seis horas consegue fazer 30 TAC. Com mais recursos humanos, em vez de dois turnos teria três. Para resolver os actuais atrasos vão “contratualizar 1500 exames a realizar fora até ao final do ano”.
Obras em curso
Todos os anos, o IPO de Lisboa recebe uma média de seis mil novos doentes com cancro e faz o seguimento de 57 mil. Que dificuldades enfrenta? “Provavelmente as mesmas que todos os hospitais”, diz o presidente do conselho de administração. Francisco Ramos fala de um regresso “a um modelo pré-histórico” típico da administração pública “que é uma centralização da gestão que está longe de ser uma boa prática”.
Diz que gerir um hospital será sempre difícil e que quem está à frente “tem de fazer das tripas coração e tentar ir à procura de soluções”. “Umas vezes é possível, noutras é mais difícil.” Administradores e directores clínicos estão a fazer tudo para defender o SNS, sublinha. E deixa uma palavra de apreço aos seus profissionais, que “têm respondido de forma estóica em muitas situações”.
O IPO tem quatro obras em curso: bloco operatório, serviço de sangue, unidade de transplante de medula (que vai passar de sete para 12 quartos) e radioterapia. Melhoraram o internamento, a rede informática, o sistema de água e a rede eléctrica. E vão entrar em obras o serviço de anatomia patológica e o hospital de dia para adultos. Este ano, o valor do investimento deverá chegar aos 16,8 milhões de euros. Grande parte resulta de fundos comunitários.
Em carteira está ainda a construção do edifício para concentrar todo o ambulatório. Francisco Ramos espera ter o concurso lançado no próximo ano e, com sorte, as obras a arrancarem antes de ele acabar. Estes projectos vão ajudar na capacidade de resposta, mas não funcionam sem recursos humanos. A solução é “insistir para que as autorizações venham e venham em tempo para as situações mais importantes e que dificultam o funcionamento do hospital”. Dá o exemplo da farmácia, que sofreu uma redução de 12 para seis técnicos.
Renovada em 2012, a farmácia fez, no ano passado, a preparação de mais de 37 mil tratamentos de quimioterapia. Os tratamentos passam por todo um processo de verificação em cadeia até chegar ao doente. “Um tratamento de quimio demora uma hora a sair”, explica o director do serviço, Melo Gouveia, afirmando que a segurança nunca pode ser comprometida. Se perderem recursos humanos e o efeito do novo horário das 35 horas, que está a ser aplicado desde 1 de Junho, for grande, o impacto far-se-á sentir precisamente no tempo que o tratamento demorará a sair.
É também aqui que é tratada toda a medicação que vai para o internamento e separada por doente. Se faltarem técnicos de farmácia este é um dos trabalhos que pode ficar comprometido, sobrecarregando os enfermeiros que estão nos pisos, prossegue.
Sem falar da parte do ambulatório. Elsa, outra doente do IPO, vai levantar os seus medicamentos. Teve cancro de mama há três anos. A farmacêutica Joana Russo pergunta-lhe como está e Elsa fala das dores nas articulações. Diz que são todos atenciosos, que não esperou muito tempo para ser operada nem pelos tratamentos. Mas que chegou a esperar algumas horas pela consulta e cruzou-se, durante o seu percurso, com a máquina de radioterapia avariada. “Dentro do quadro todo e comparando com outras experiências que tive com outros hospitais, não está mau.”
Com esta entrega personalizada no ambulatório, explica Melo Gouveia, é possível alertar os doentes para efeitos secundários, perceber se tomam outra medicação que tenha de ser ajustada, explicar a importância e o valor do que levam para casa. Melo Gouveia estima que este ano o gasto com medicamentos possa chegar aos 53 milhões de euros. “Em 2002, um medicamento caro custava quatro euros por dia. Em 2006 o padrão eram 70 euros por dia. Hoje ninguém lança um medicamento abaixo dos 140 euros por dia. Não há razão para isto.”
Para lá dos medicamentos
João Oliveira, director clínico, destaca, por seu lado, os ganhos “imensos vindos de técnicas cirúrgicas”. “O cancro cura-se com cirurgia e valia a pena procurar perceber em que condições é feita em todo o país, de forma a dar as mesmas probabilidades de cura e remissão prolongada. É mais determinante que a grande maioria dos medicamentos novos.”
Em 2017 o IPO fez perto de sete mil cirurgias, menos do que no ano anterior. As greves e os problemas estruturais explicam as dificuldades. Para este ano prevê-se que sejam menos ainda, por causa das obras no bloco operatório. “Temos conseguido manter o ritmo mas, com as obras a decorrer, o mais provável é que chegue o dia em que tenha consequências”, diz Francisco Ramos. “Tentamos encaminhar os doentes para outros hospitais, mas admito que vai haver durante este ano alguns casos em que as pessoas terão de esperar um pouco mais do que seria desejável.”
A 31 de Março, o IPO tinha 1282 doentes inscritos na lista para cirurgia. O tempo médio de espera era de 103 dias (nem todas as operações são oncológicas) e 60 doentes esperavam havia mais de um ano pela operação.
Radioterapia com 90 profissionais
Há cinco anos o IPO tinha um acelerador linear para a radioterapia, no final deste ano terá o 7.º e gostaria de ter um 8.º. O serviço funciona das 8h às 21h. “No ano passado tratamos 2971 doentes. É mais do que bom”, diz a directora de radioterapia, Filomena Santos. Ainda assim, 1300 foram encaminhados para fora. “Tratamos não apenas os doentes do IPO, mas também doentes de outros hospitais do sul do país."
São 90 profissionais num serviço "que não pode funcionar se não tiver o número certo de pessoas”. O dia começa pelo controlo diário de qualidade das máquinas e de todos os tratamentos, que têm de acertar sempre no mesmo sítio de forma a garantir a eficácia desejada. Por isso a posição do doente é verificada ao milímetro com a ajuda de peças feitas à medida. “As células quando são irradiadas vão perdendo a sua capacidade de se dividirem até perderem essa capacidade”, explica a médica, referindo que cada vez mais esta técnica é usada na fase curativa e paliativa.
“A injecção [de verbas] inicial nos aceleradores é grande mas facilmente há um retorno desse dinheiro”, garante.