Lista de espera cresce apesar de o número de cirurgias estar a aumentar

A capacidade de resposta do SNS não está a crescer ao ritmo da imparável procura. De 2014 para cá mais doentes não urgentes vêem desrespeitado o chamado “tempo máximo de resposta garantido”.

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O número de doentes operados em intervenções programadas não pára de crescer mas sempre a um ritmo insuficiente Enric Vives-Rubio (arquivo)

Quando se olha para os dados globais ao longo da última década, não há margem para dúvidas: o Serviço Nacional de Saúde (SNS) está a fazer cada vez mais consultas e cirurgias. Se se recuar ainda um pouco mais, a evolução é muito significativa. Ainda assim, a procura não pára de aumentar e, apesar de a produção estar a crescer, a dimensão da lista de espera avoluma-se. E quem está à espera por vezes desespera.

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Quando se olha para os dados globais ao longo da última década, não há margem para dúvidas: o Serviço Nacional de Saúde (SNS) está a fazer cada vez mais consultas e cirurgias. Se se recuar ainda um pouco mais, a evolução é muito significativa. Ainda assim, a procura não pára de aumentar e, apesar de a produção estar a crescer, a dimensão da lista de espera avoluma-se. E quem está à espera por vezes desespera.

A pressão da procura é grande. O número de doentes operados em intervenções programadas não pára de crescer ao longo dos anos (passou de 345 mil em 2006 para cerca de 588 mil no ano passado) mas sempre a um ritmo insuficiente. Em 2017, o total de entradas na lista de espera ficou perto dos 700 mil. Para se ter uma ideia da evolução, em 2010 tinham entrado 534 mil pessoas nesta lista. A diferença entre a procura e a resposta agravou-se, entretanto. Se em 2010 foi de cerca de 90 mil, no ano passado ascendeu já a 110 mil. Ou seja, a capacidade de resposta não está a aumentar ao ritmo da imparável procura.

Se recuarmos duas décadas, a situação já foi muito pior. Os primeiros programas de combate às listas de espera para cirurgia remontam ao século passado, com o primeiro, o Programa de Resolução de Listas de Espera, a arrancar em 1995. Mas foi o Sistema Integrado de Gestão de Inscritos para Cirurgia — SIGIC (lançado em 2004) — que veio marcar a diferença, ao permitir gerir a lista de inscritos para cirurgia de uma forma centralizada e possibilitar a utilização da capacidade instalada nos hospitais privados e no sector social (unidades das santas casas da misericórdia, sobretudo) para cirurgias acima do tempo máximo estipulado na lei.

Média de 3,6 meses para uma cirurgia

No início do SIGIC, a evolução foi evidente: a mediana do tempo de espera passou de 6,9 meses, em 2006, para menos de metade, 3,2 meses, em 2011. Depois, ainda baixou para um mínimo de 3 meses em 2012, mas nos anos seguintes voltou a aumentar e, em 2016, estava nos 3,3 meses. No ano passado, segundo o relatório do acesso do Serviço Nacional de Saúde que chegou há dias ao Parlamento, ascendia a 3,6 meses.

Optando por outro indicador, o da média do tempo de espera (que inclui os casos extremos, ao contrário do que acontece com a mediana), essa passou de 4,9 meses, em 2006, para uns impressionantes 2,6 meses, em 2010. Mas voltou a subir, entretanto, para 3,1 meses no ano passado (valor semelhante ao de 2016).

Ao mesmo tempo, a percentagem de inscritos que ultrapassam o chamado “tempo máximo de resposta garantido” (definido em função do que é considerado clinicamente aceitável para a condição de saúde do doente, nos casos não urgentes) baixou de 43,5%, em 2006, para 15,8%, em 2011. Desde então, ainda baixou para um mínimo de 12%, em 2014, mas nos últimos anos voltou a aumentar — era de 14,5% no ano passado.

Mais cirurgias no privado

A este nível, a situação piorou nos últimos anos, portanto. A Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), que gere estes dados, argumenta que, em 2017, a atenção se focou nos casos muito prioritários e prioritários, os dos doentes que têm que ser operados com rapidez, e a este nível os indicadores melhoraram, de facto, muito. No entanto, em 2017, aumentou bastante o número de cirurgias nos hospitais com convenções e protocolos com o Estado, que, em conjunto, fizeram mais de 54 mil operações, cerca de 9% do total, um reflexo da incapacidade de os hospitais públicos darem resposta atempada aos doentes — quando se atinge 75% do tempo máximo de resposta garantida, envia-se um vale-cirurgia para que a pessoa possa ser operada noutro local.

Mas a espera por uma cirurgia começa bem antes. O tempo até à primeira consulta de especialidade nos hospitais — o primeiro passo para a inscrição numa lista de espera para cirurgia — é fulcral para esta equação e chega a ser de muitos meses, mais de dois anos, em alguns casos. O problema é que há casos muito díspares no SNS, consoante as especialidades, as regiões e os hospitais. O PÚBLICO pediu dados ao Ministério da Saúde que, ao fim de duas semanas, não conseguiu responder, alegando “problemas informáticos” na ACSS. 

A média até nem parece má. Uma pessoa que fosse encaminhada para o hospital pelo seu médico de família no início deste ano — porque cabe ao médico assistente nos cuidados de saúde primários fazer esta referenciação — aguardaria cerca de quatro meses. O programa baptizado como “consulta a tempo e horas” (lançado em 2008) contribuiu para melhorar bastante a situação. Entre 2011 e 2015, foi possível reduzir em cerca de 16 dias o tempo de espera médio. No entanto, de 2015 para 2016, a situação voltou a piorar um pouco, com o tempo de espera médio a crescer seis dias

O relatório de acesso do SNS de 2017 revela que no ano passado a situação piorou em dermato-venerealogia, a especialidade com maior incumprimento (apenas 48% das primeiras consultas desta especialidade foram efectuadas dentro dos tempos máximos de resposta garantida), seguida da oftalmologia (53,5%) e da reumatologia (56,6%). Na ortopedia, apenas foi possível assegurar 62% das consultas no prazo máximo previsto na lei. Este crivo acaba por atrasar o percurso até à cirurgia de muitos doentes.

De acordo com uma síntese da situação que o Ministério da Saúde disponibilizou ao PÚBLICO recentemente, no ano passado cerca de 87% dos 49 hospitais e centros hospitalares do SNS tinham um tempo médio de resposta para primeiras consultas de especialidade que cumpria os tempos máximos em vigor para a prioridade normal (que era então de 150 dias mas a partir de Janeiro deste ano foi encurtado para 120 dias). Da meia centena de especialidades com maior expressão, em cerca de metade eram cumpridos os prazos máximos para mais de 90% dos episódios, sublinhava a tutela.

Estes tempos melhoraram em metade das especialidades de 2015 para 2017 – e o Ministério da Saúde dá os exemplos da psiquiatria, da cirurgia pediátrica, da cardiologia e da pneumologia. Não elenca, porém, o que correu mal, mas os dados permitem perceber que a situação piorou, de 2015 para 2017, na ortopedia, na reumatologia, na neurocirurgia, na anestesiologia e na oftalmologia, só para citar algumas especialidades, que são justamente algumas das que têm maior procura.

Numa auditoria divulgada no ano passado, o Tribunal de Contas contrariou os números da ACSS e pôs em causa a fiabilidade dos dados oficiais. O grupo então nomeado pelo Ministério da Saúde para avaliar a gestão das listas de espera ficou com a missão de percorrer todo o trajecto feito pelos doentes até chegarem a uma consulta hospitalar e cirurgia e detectar onde há erros ou fragilidades tem o trabalho na recta final e deverá entregá-lo ao ministro nos próximos dias.