Emmett Till foi assassinado por brancos em 1955 e o caso foi agora reaberto
Quando a segregação racial era uma realidade nos Estados Unidos, a morte chocante do jovem de 14 anos marcou personalidades como Martin Luther King e Rosa Parks, e ajudou a desencadear o movimento dos direitos civis dos negros.
Um jovem negro de 14 anos, chamado Emmett Till, foi brutalmente assassinado em 1955, no Mississípi, por supostamente ter assobiado a uma mulher branca. Tornou-se um símbolo do movimento dos direitos civis. Agora, passados 63 anos, o Governo norte-americano vai reabrir a investigação da sua morte.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Um jovem negro de 14 anos, chamado Emmett Till, foi brutalmente assassinado em 1955, no Mississípi, por supostamente ter assobiado a uma mulher branca. Tornou-se um símbolo do movimento dos direitos civis. Agora, passados 63 anos, o Governo norte-americano vai reabrir a investigação da sua morte.
Num relatório do Departamento de Justiça dos Estados Unidos, é revelada a existência de "nova informação" que levou à reabertura do processo. O anúncio foi feito em Março ao Congresso mas só veio a público esta quinta-feira, depois de a agência Associated Press (AP) ter avançado a notícia. Apesar de a "nova informação" não estar detalhada no relatório, especula-se que poderá estar relacionada com o livro intitulado O Sangue de Emmett Till, publicado em 2017 pelo autor Timothy B. Tyson.
O livro revela que Carolyn Donham, a mulher que Till teria alegadamente assediado, admitiu numa entrevista em 2008 que mentiu em tribunal. "Nada do que aquele rapaz fez poderia alguma vez justificar o que lhe aconteceu", terá dito Donham, citada pelo autor do livro. De acordo com a mesma agência, nem Donham nem o Departamento de Justiça quiseram comentar a reabertura do caso. Os familiares vivos de Emmett Till, por sua vez, mostraram-se satisfeitos. Deborah Watts, prima do jovem, afirma não ter tido conhecimento da reabertura do processo até ter sido contactada pela AP. Porém, disse ser uma notícia "maravilhosa", não querendo fazer mais declarações para "não pôr em risco a investigação".
Na mente de Luther King e Rosa Parks
Foi em Agosto de 1955 que Emmett Till, natural de Chicago, foi raptado e brutalmente assassinado no Mississípi, onde estava a passar férias. A razão: porque teria assobiado a uma mulher branca, Carolyn Donham (na altura, Carolyn Bryant), esposa de um dos agressores, numa loja local. O corpo foi encontrado três dias depois no rio Tallahatchie, totalmente desfigurado, com uma peça de engrenagem de fiação de algodão presa ao pescoço com arame farpado. A sua mãe, Mamie Till, prometeu que o caso não iria passar despercebido. Proibiu os agentes funerários de retocarem o corpo e, no funeral, exigiu que o caixão ficasse aberto para que "todo o mundo" visse o estado do seu filho. As imagens correram o mundo, mas nem isso levou a que fosse feita justiça.
Os suspeitos, Roy Bryant e J. W. Milam (seu meio-irmão), foram acusados de homicídio e chegaram a confessar terem raptado "o rapaz de Chicago" mas, depois de uma deliberação de uma hora, chegou a absolvição "que podia ter chegado mais cedo não fosse terem parado para tomar um refrigerante", ironizou um membro do júri composto totalmente por homens brancos citado pela estação norte-americana CNN. Em 1956, os suspeitos terão confessado o crime durante uma entrevista à revista americana Look. Mas não voltaram a ser julgados devido a uma cláusula da Quinta Emenda à Constituição dos EUA chamada "double jeopardy" (dupla penalização, numa tradução livre), que proíbe uma pessoa de ser julgada duas vezes por um mesmo crime.
Numa altura em que a segregação racial era uma realidade nos Estados Unidos e o racismo era evidente nos estados mais conservadores do Sul do país (como o Mississípi), o caso de Emmett Till foi um dos catalisadores do movimento dos direitos civis. Till inspirou algumas das figuras mais marcantes da história, diz a estação BBC News, como um jovem e desconhecido Martin Luther King ou Rosa Parks - que admitiu estar a pensar nele quando, meses depois, decidiu não ceder o lugar no autocarro a um homem branco em Montgomery.
Cold cases
Certo é que, tal como o nome indica, este caso esteve na origem do Emmett Till Unsolved Civil Rights Crime Act, criado em 2007, que obriga o Ministério Público a rever anualmente crimes de direitos civis por resolver anteriores a 1970 (e que já prescreveram), os chamados "cold cases". Desde então, foram investigados 115 casos, alguns de sucesso: em 2007, James Ford Seale, antigo membro dos Ku Klux Klan, foi condenado pelo rapto de dois jovens negros mortos no Mississípi no Verão de 1964. Mas apesar dos "esforços para fazer justiça" do Governo norte-americano, a maioria das investigações acaba sem resultados.
Esta não é a primeira vez que o caso de Emmett Till é retomado. Em 2004, foi reaberta uma investigação pelo FBI e o corpo chegou a ser exumado de um cemitério em Ilinóis. Mas em 2007 foi encerrado depois de as autoridades alegarem que os suspeitos já tinham morrido (Roy Bryant em 1994 e J. W. Milam em 1981) e que o caso tinha prescrito, pelo que não poderiam prosseguir com uma acção penal.
Agora com 83 anos, Carolyn Donham é a única interveniente ainda viva e há quem acredite que deve ser julgada como cúmplice de homicídio. É a opinião de Joyce Chiles, ex-procuradora do Mississípi, que reuniu esforços neste sentido em meados de 2000 que se revelaram inconclusivos. Chiles chega a sugerir que, mesmo que Donham não tivesse mentido durante o testemunho em tribunal, "não teria resultado num veredicto diferente" dado o racismo da época, cita o jornal norte-americano New York Times. Dewayne Richardson, actual procurador do Mississípi, afirmou à AP que "provavelmente será sempre um caso aberto até que todas as partes [envolvidas] tenham morrido".
Embora o próprio Departamento de Justiça admita que "as investigações sobre casos históricos são excepcionalmente difíceis e raramente a justiça poderá ser alcançada em tribunal", há quem considere que este é "finalmente" um passo para que a justiça se faça. Outros acreditam que este é um mero gesto simbólico, enquanto a comunidade afro-americana continua, no século XXI, a ser alvo de abusos raciais por parte das autoridades. Mas tal como afirma Joyce Chiles, a morte brutal de Emmett Till permanece, passado mais de meio século, na memória e "não é algo que o Sul vai esquecer facilmente".
Texto editado por Nicolau Ferreira