Aloysius é um activista ugandês que luta pelos direitos dos refugiados LGBTI
No Uganda, Aloysius Sali foi perseguido e torturado por ser homossexual. Agora, em Londres, dedica-se a apoiar a comunidade refugiada LGBTI através do Say It Loud Club.
Hoje, Aloysius Sali pode assumir publicamente a sua orientação sexual; no país onde nasceu, contudo, ser homossexual poder-lhe-ia valer uma vida atrás das grades. Isso não o impediu de se tornar activista pelos direitos LGBTI no Uganda, de onde fugiu há 18 anos. Estabeleceu-se em Londres e actualmente dedica-se a apoiar a comunidade refugiada LGBTI através do Say It Loud Club.
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Hoje, Aloysius Sali pode assumir publicamente a sua orientação sexual; no país onde nasceu, contudo, ser homossexual poder-lhe-ia valer uma vida atrás das grades. Isso não o impediu de se tornar activista pelos direitos LGBTI no Uganda, de onde fugiu há 18 anos. Estabeleceu-se em Londres e actualmente dedica-se a apoiar a comunidade refugiada LGBTI através do Say It Loud Club.
Aloysius acredita que escolher o amor pode salvar vidas e, por isso, juntou-se à Help Refugees para criar uma colecção de t-shirts baseada na hashtag #chooselove, com o objectivo de sensibilizar e angariar fundos para apoiar os refugiados LGBTI. “Devemos unir-nos e mostrar ao mundo que acreditamos que ninguém deve ter de desertar do seu país por causa da orientação sexual ou identidade de género”, afirma num testemunho, na primeira pessoa, publicado no Evening Standard.
Até 7 de Julho último, centenas de t-shirts foram adquiridas na loja pop-up do Say It Loud Club em Convent Garden, Londres, que — tal como o Porto e diversas cidades europeias — recebeu no fim-de-semana passado o Pride, uma marcha pela autodeterminação sexual.
Aloysius Sali criou o Say It Loud Club no Uganda em 1994, juntamente com seis colegas. A organização começou como um grupo secreto onde os jovens podiam falar abertamente sobre a sua orientação sexual, ao mesmo tempo que tentavam lutar pelos direitos LGBTI num país onde a homossexualidade é ilegal desde o século XIX.
“É uma solidão muito grande quando a tua sexualidade – o núcleo do teu ser – não é apenas rejeitada, mas criminalizada. Saber que se te apaixonares, tu ou a outra pessoa podem ser mortos, é destruidor”, revela Aloysius.
Em 2000, as autoridades descobriram o Say It Loud e Aloysius tornou-se um alvo a abater. O exílio era a única hipótese de sobreviver. Fugiu para o Reino Unido com um visto de estudante, mas sempre quis regressar ao seu país. Em 2005, voltou ao Uganda onde, durante três meses, se reuniu com os antigos membros do Say It Loud e o grupo voltou à vida.
Dez anos após a fundação, o Say It Loud Club tornara-se um movimento nacional com mais de 500 membros, o que atraiu a atenção das autoridades e Aloysius foi detido e torturado. Aí, teve a certeza de que tinha de voltar às ilhas britânicas e encontrar forma de ajudar a comunidade LGBTI no seu país. Perseguir e prender homossexuais é quase um negócio para a polícia, denuncia, que suborna e apreende dinheiro, bens e até propriedades de alguns membros da comunidade LGBTI ugandesa.
Aloysius voltou a encontrar refúgio no Reino Unido, mas já não era a mesma pessoa: sentia-se sem valor e sozinho e tinha desenvolvido stress pós-traumático devido à intensa perseguição de que fora vítima. Para piorar a situação, o visto de estudante já tinha expirado e, por isso, não tinha direito legal a estar no Reino Unido. Ainda procurou ajuda, mas percebeu que nenhuma das organizações de apoio aos refugiados estava preparada para lidar com os problemas que a comunidade LGBT refugiada enfrentava.
Após ter vivido clandestinamente durante cinco anos, Aloysius conseguiu finalmente pedir asilo em 2010, depois de o Supremo Tribunal britânico conceder direito de asilo a um iraniano e um camaronês perseguidos nos seus países por serem homossexuais. “Não consigo descrever como era andar pelas ruas de Londres como um homem livre, a euforia que senti quando me foi concedido asilo vai para além das palavras”, confessa Aloysius. Um ano depois, recomeçou o Say It Loud Club no país que o acolheu. Até 2016, quando ganhou um prémio da People’s Postcode Lottery de 500 libras (cerca de 564 euros) por mês e o aplicou no clube, o ugandês usava todos os cêntimos que sobravam do salário que recebia como enfermeiro para ajudar os refugiados LGBTI.
Criou uma página no Facebook e foi-se aproximando de outros refugiados que, tal como ele, fugiram de casa e viviam ilegalmente no Reino Unido. O objectivo era dar aos requerentes de asilo um espaço seguro onde pudessem discutir a sua sexualidade e partilhar os sentimentos. Para a maioria dos membros, foi a primeira vez que puderam vocalizar abertamente a sua orientação sexual.
“Tenho o dever de ajudar”
Se procurar asilo no estrangeiro já é difícil para qualquer pessoa, a comunidade LGBTI enfrenta ainda mais obstáculos devido à vergonha e ao estigma. A opressão e perseguição de que são vítimas nos seus países fazem com que muitos refugiados não se sintam à vontade para falar sobre identidade e orientação sexual. Nesse sentido, um dos focos mais importantes do trabalho do Say It Loud Club é o programa Coming Out, que ajuda os refugiados a aceitarem-se a si próprios.
Aloysius diz que a comunidade internacional “não pode olhar para os requerentes de asilo como um fardo ou como um número”, mas sim como pessoas em necessidade de auxílio. “Quando cresces numa comunidade onde ser gay ou lésbica é visto como um pecado, torna-se difícil falar abertamente sobre a tua sexualidade e este medo impede as pessoas de pedirem asilo”, refere. “Como um homem livre, tenho o dever de ajudar quem está a passar por este sofrimento”
Entretanto, a quase 7000 quilómetros de casa, Aloysius tenta apoiar a comunidade refugiada LGBTI. No Uganda, a perseguição a minorias sexuais tornou-se ainda mais severa nos últimos anos, com movimentos homofóbicos a saltarem para a esfera pública. Em 2009, o governo ugandês introduziu a lei anti-homossexualidade. Originalmente, o projecto de lei incluía prisão perpétua e pena de morte para quem praticasse “homossexualidade agravada”. Em 2014, após duras críticas e sansões da comunidade internacional, a pena de morte foi removida da legislação.
Actualmente, a homossexualidade é crime em 77 países — em sete dos quais é mesmo punida com pena de morte. Por este motivo, Aloysius considera o Pride um importante acto de aceitação, reconhecimento e celebração das conquistas alcançadas pela comunidade LGBTI. “É tão diferente daquilo que ocorre nos nossos países, promove o amor, a vida e a dignidade”, afirma o ugandês.
“Ter orgulho em ser gay era algo com que eu apenas podia sonhar, amar livremente era arriscar a minha vida e a vida da pessoa com quem eu queria estar”, conta. “Agora estou a viver esse sonho em Londres, como um homem assumidamente gay, e só desejo que mais pessoas em todo o mundo possam fazer o mesmo.”