A escolaridade das mulheres é inimiga da natalidade? Os números mostram que não

Pordata compilou indicadores que espelham um Portugal em perda no contexto europeu, apesar do regresso a um saldo migratório positivo, e que mostram, por exemplo, que 68% dos nascidos têm mães com o ensino secundário ou superior.

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Nuno Ferreira Santos

Os percursos escolares mais longos - e a subsequente aposta na carreira profissional – são frequentemente apontados como um dos motivos pelos quais as mulheres portuguesas têm menos filhos. E em idades mais tardias. Mas o facto de 68% das crianças nascidas no ano passado em Portugal serem de mães com o ensino secundário ou superior desmentem esta ideia, segundo Maria João Valente Rosa, directora do Pordata: “Estudar não é inimigo da natalidade. É notória a prevalência de mulheres escolarizadas quando olhamos para os nascimentos na óptica da escolaridade das mães”.

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Os percursos escolares mais longos - e a subsequente aposta na carreira profissional – são frequentemente apontados como um dos motivos pelos quais as mulheres portuguesas têm menos filhos. E em idades mais tardias. Mas o facto de 68% das crianças nascidas no ano passado em Portugal serem de mães com o ensino secundário ou superior desmentem esta ideia, segundo Maria João Valente Rosa, directora do Pordata: “Estudar não é inimigo da natalidade. É notória a prevalência de mulheres escolarizadas quando olhamos para os nascimentos na óptica da escolaridade das mães”.

O retrato estatístico de Portugal divulgado esta quarta-feira, Dia da População, pelo portal estatístico da Fundação Francisco Manuel dos Santos precisa que, dos 86.154 bebés nascidos em 2017, 26.750 tinham mães com o secundário (31%) e 31.749 (36,9%) com diploma universitário. Dá o total arredondado de 68%, o que, para Valente Rosa, legitima a conclusão de que “a escolaridade não inibe os nascimentos”. Se recuarmos a 1997, a percentagem era de 18,2% para os filhos de mães com o secundário e de 13% com o superior, o que perfaz 31,2% de bebés nascidos de mães com aqueles níveis de escolaridade. De resto, como reforça a directora do Pordata, “é nos países mais escolarizados, com a França e a Suécia, por exemplo, que os níveis de fecundidade são superiores”.

Do mesmo modo, “a família tradicional já não é a melhor aliada da natalidade”, acrescenta a demógrafa, numa conclusão assente no facto de 55% dos nascimentos registados no ano passado serem referentes a crianças cujos pais não estavam casados. E refira-se, a propósito, que daquela percentagem, 18,1%, reportavam-se a bebés cujos pais não só não eram casados como não coabitavam.

“O casamento deixou de ser um pressuposto para ter filhos”, reforça a demógrafa, para recordar que, se recuarmos a 1960, as crianças nascidas fora do casamento eram uns residuais 9%.

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E porque o conceito de família tradicional assente no casamento, “não é tão aliado da fecundidade quanto nós pensamos”, mais valia, segundo Valente Rosa, que as medidas de apoio à natalidade se despissem das componentes mais "familiaristas" – o PSD apresentou em Junho a sua “política para a infância” que prevê, entre outras medidas, creches gratuitas para as crianças a partir dos seis meses de vida e o pagamento de 10 mil euros por cada filho. O PCP, por seu turno, também tem em discussão na especialidade na Assembleia da República uma proposta de reforço das licenças de parentalidade. São medidas que procuram responder a um cenário em que são mais as mortes do que os nascimentos (-23,4 mil habitantes, em 2017), o que torna Portugal no 3º país com índice de envelhecimento mais elevado.

A generalidade dos indicadores sobre os comportamentos dos portugueses mostra, de resto, que o país comportou mudanças bruscas a uma velocidade de corrida que o faz aproximar-se dos países do Norte da Europa mais do que dos da Europa do Sul. Na Grécia, por exemplo, apenas 9,4% dos bebés nasceram fora do casamento em 2016 – último ano disponível. E em Itália eram 28%.

Esta caminhada em direcção ao Norte também se traduziu numa quebra abrupta dos casamentos católicos. Em 2017, os casamentos não-católicos representavam 66% do total dos casamentos, o que compara com os 32,4% de há 20 anos atrás, em 1997, isto num cenário em que o número total de casamentos – civis e religiosos – sofre quebras consecutivas desde há várias décadas: foram 33.111 em 2017 (523 entre pessoas do mesmo sexo) e eram 78.864 há meio século, em 1960.

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Imigrantes são a vitamina D 

Esta crescente secularização na conjugalidade e na natalidade não colam muito bem com um país que se declara maioritariamente católico (um estudo sobre identidades religiosas feito em 2011 pela Universidade Católica – e o mais recente, até agora - mostrou que 79,5% dos portugueses se identificavam como católicos). “Há uma ambivalência muito grande entre os que dizemos que somos e o modo como nos comportamos”, nota Maria João Valente Rosa, para quem estes ziguezagues entre comportamentos tradicionais e outros mais modernos resultam da brusquidão com que se operaram muitas destas mudanças: “Os saltos deram-se quase todos em passo de corrida”.

Sem surpresas, as estatísticas confirmam que Portugal está a perder população desde 2001 – 10.325.452 habitantes em 2016 -, num cenário em que a União Europeia a 28 registou um aumento de cerca de 23 milhões de residentes, entre 2000 e 2016. O que os números mostram assim é que Portugal tem vindo a perder protagonismo no contexto de uma União Europeia que, por seu turno, vem perdendo peso num contexto mundial cuja população continua a aumentar: “Em 1960, a população mundial andava à volta dos três milhares de milhão e actualmente são 7,5 milhares de milhão”, precisa Valente Rosa, para acrescentar que as estimativas para 2050 mostram uma União Europeia com um peso de apenas 5% da população mundial. “Estamos muito preocupados em crescer demograficamente mas crescer para quê se o mundo como um todo está a crescer? O que está implícito é que precisamos de crescer para não perdermos protagonismo no mundo”, raciocina, para concluir que o remédio para esta sangria populacional à escala europeia está nas migrações que são “a vitamina D da demografia actual”.

Idade mediana é de 44 anos

E é no tocante às migrações que Portugal apresenta uma novidade. Em 2017, o saldo migratório voltou aos valores positivos, o que não acontecia desde 2010. Depois de um decréscimo acentuado que perdurava desde o virar da década, 2016 e 2017 voltaram a registar um aumento da população estrangeira com estatuto legal de residente em Portugal: 421.711. Ainda assim, são menos cerca de 35 mil estrangeiros em relação ao valor de 2009 (451.742). Por outro lado, em 2017, emigraram cerca de 81 mil portugueses, dos quais 39% saíram por um período igual ou superior a um ano, num fenómeno que foi a grande válvula de escape durante a crise mas que o Governo se propõe agora inverter com incentivos no Orçamento de Estado para 2019. 

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Tudo conjugado, o saldo migratório que em 2016 estava nos 8,3 mil negativos (-24,3 em 2011) escalou para os 4,9 mil positivos do ano passado. E se considerarmos que 55% dos imigrantes entrados em 2017 tinham entre 20 e 44 anos de idade poder-se-á concluir que se trata “de uma imigração laboral”, mais do que reformados a beneficiar da abertura de portas ao abrigo dos vistos gold.

Este regresso ao saldo migratório positivo (e note-se que Portugal é o 8º país da UE28 com mais baixas percentagens de estrangeiros residentes) não bastou, porém, para inverter o progressivo envelhecimento da população. Em 2017, a idade mediana era de 44 anos. O que significa que metade da população tem abaixo dessa idade e outra metade acima. Isto faz com que Portugal seja o 3º país com a idade mediana mais alta, só ultrapassado pela Alemanha e Itália (45,9 anos). Se recuarmos a 1990, a idade mediana dos portugueses era de 34 anos. Em 1960, era de 28 anos. O lado positivo disto é que um português nascido hoje tem uma esperança média de vida de 81 anos, contra os 68 anos de 1964.

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