A NATO tem finalmente um quartel-general para o século XXI
A primeira vez que vislumbrou o novo edifício, há um ano, Trump perguntou se era mesmo necessário o investimento de 1,17 mil milhões de euros feito pelos países da Aliança Atlântica.
Como qualquer outro visitante que entre pela primeira vez no novo quartel-general da Nato em Bruxelas, também o Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ficará impressionado pelo contraste gritante entre o brilho e sofisticação do ultra-moderno complexo acabado de entrar ao serviço, e o aspecto cansado e brutal das instalações que albergaram a aliança atlântica nos últimos 50 anos, do outro lado do Boulevard Leopold III.
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Como qualquer outro visitante que entre pela primeira vez no novo quartel-general da Nato em Bruxelas, também o Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ficará impressionado pelo contraste gritante entre o brilho e sofisticação do ultra-moderno complexo acabado de entrar ao serviço, e o aspecto cansado e brutal das instalações que albergaram a aliança atlântica nos últimos 50 anos, do outro lado do Boulevard Leopold III.
Mas Donald Trump não é um visitante qualquer. É um homem que gosta de se gabar do seu passado como empresário de sucesso, magnata do imobiliário e mestre da arte do negócio. Mas principalmente, que gosta de se afirmar como o líder do mundo livre que nunca deixa de pôr a América em primeiro lugar — o que o leva a criticar amigos e aliados, ignorando os equilíbrios e tradições diplomáticas estabelecidas, e a rasgar qualquer tratado e destruir a ordem vigente, se entender que prejudica os interesses dos Estados Unidos.
Assim que tomou posse, Donald Trump declarou que a organização atlântica estava “obsoleta” e censurou os restantes aliados por não corresponderem às suas expectativas em termos de contribuições financeiras para o esforço militar conjunto. E claro que a primeira vez que vislumbrou o novo quartel-general, há um ano, não deixou de perguntar se era mesmo necessário o investimento de 1,17 mil milhões de euros feito pelos países da NATO.
Ninguém sabe se, esta quinta-feira, vai repetir as mesmas criticas: as chefias da aliança confiam que agora que vai finalmente utilizar o novo complexo, o líder norte-americano fique convencido que a decisão de mudar do outro lado da rua foi a mais correcta.
“Esperamos que tanto os líderes como as opiniões públicas de todos os países membros compreendam que a mudança de instalações era absolutamente necessária para aumentar a operacionalidade e a eficiência desta aliança, que nos últimos anos viveu alguns momentos marcantes e cujo perfil é agora mais importante do que nunca”, ensaia a vice secretária-geral, Rose Gottemoeller, que dias antes da cimeira recebeu um grupo de jornalistas numa visita guiada pela NATO (e antecipou as respostas aos eventuais apartes do Presidente do seu país).
“O novo edifício é muito simbólico do perfil e do propósito da aliança”, considera Gottemoeller, assinalando a “versatilidade”, “flexibilidade” e “adaptabilidade” do espaço, que foi pensado como uma unidade auto-sustentável e que pode a qualquer momento ser reconfigurado consoante as necessidades dos seus utilizadores. O velho complexo, garante, já não servia, do ponto de vista operacional, tecnológico, ambiental, de segurança e de conforto. “Quando o vento estava forte, eu trabalhava com o ping-ping-ping da chuva a cair no meu gabinete, cheia de medo de ser electrocutada”, confessa.
A comparação entre o novo e velho quartel-general é ainda mais impressionante porque se pode fazer ao vivo, em tempo real. Em vez de blocos geométricos de cimento, dispostos em alas perpendiculares e unidos por quilómetros de corredores que foram sendo esticados para tocar as unidades pré-fabricadas adicionadas ao longo dos anos, o novo edifício é um monumento à funcionalidade e sustentabilidade da engenharia moderna, uma elegante estrutura em aço e vidro, desenhada para representar os dedos interligados de duas mãos, e cuidadosamente implantada sobre um tapete verde.
Apesar de o prazo da construção ter resvalado mais de um ano face às previsões originais, o orçamento — suportado por todos os membros segundo uma fórmula de distribuição de custos calculada com base no valor do Produto Interno Bruto — foi rigorosamente cumprido. O terreno de 42 hectares (com um perímetro de cerca de 3,5 quilómetros), uma antiga base aérea que foi o primeiro aeroporto internacional de Bruxelas, foi disponibilizado pelo Governo da Bélgica por uma renda simbólica.
À entrada, ainda no exterior, encontra-se a estrela que serve de emblema da aliança, uma rosa-dos-ventos esculpida em aço oxidado, bem como as 29 bandeiras dos países que integram a NATO. Cruzando-se a porta, pode ler-se na íntegra o texto do Tratado do Atlântico Norte, a a declaração fundadora assinada em 1949 em Washington por doze países, dois da América do Norte e dez da Europa.
Avançando pelo edifício, impressiona a dimensão da nave central — baptizada como Ágora —, uma praça pública por onde circulam cerca de 4000 pessoas por dia: os dois mil membros das delegações nacionais, mais de mil funcionários da NATO e cerca de mil visitantes. É, nitidamente, um motivo de orgulho para a pessoal da NATO: “São 245 metros de comprimento, 45 metros de largura e 32 metros de profundidade, sensivelmente 2,5 campos de futebol. É maior do que a Place de la Concorde, em Paris, ou a Piazza Navone de Roma”, debita Bogdan Lazaroae, que dirigiu a equipa interna responsável pelo projecto do novo quartel-general.
De um lado e do outro da praça, levantam-se as torres envidraçadas que são ocupadas pelas agências e serviços da aliança e também pelas 29 representações nacionais — a maior das quais a dos Estados Unidos da América, que se divide por quatro pisos da torre da ala sete.
A delegação portuguesa, que fica no 5.º piso da ala cinco, será oficialmente inaugurada pelo primeiro-ministro, António Costa, esta quarta-feira de manhã, antes do arranque da cimeira. Pela primeira vez, o país terá concentrados no mesmo espaço físico os serviços diplomáticos e militares. “Este é um edifício extraordinário e um salto qualitativo muito grande para quem aqui trabalha”, considera o embaixador de Portugal na NATO, Luís de Almeida Sampaio.
Como os restantes utilizadores do edifício, o diplomata salienta a maior facilidade de movimentos, que promove a comunicação entre as delegações e os serviços, e minimiza as críticas ao valor da obra, notando que se trata de “um investimento de muito longa duração, que foi feito ao longo de muitos anos”. Além disso, acrescenta, “vai permitir grandes poupanças a médio e longo prazo”.
A transferência para as novas instalações foi feita por fases em menos de três meses. Nos seus últimos dias de trabalho no complexo antigo, Mark Spicer, o responsável pela gestão e logística da mudança para o outro lado da estrada, não se sente afectado pela nostalgia de deixar um lugar onde passou 30 anos e que conhece melhor do que ninguém. “Este edifício há muito que ultrapassou o seu tempo útil. Há uma imagem que se projecta, quando as coisas se tornam obsoletas. Não é uma imagem positiva. Nem é o que é a NATO, no presente e no futuro”, diz.
Esse é também o argumento de Lazaraoe. “O novo quartel-general é um edifício do futuro, que olha para a frente e que representa e projecta a força da aliança.”
Já não há gabinetes instalados em pré-fabricados ou mesmo contentores empilhados uns em cima dos outros, nem armazéns integralmente ocupados por geradores gigantescos e caldeiras ensurdecedoras. O abastecimento eléctrico não é controlado numa sala cujos painéis parecem ter sido resgatados dos cenários dos filmes do 007 nos anos 70 — no novo quartel-general da NATO, basta uma consola. O edifício é aquecido e arrefecido através de um sistema enterrado de energia geo-térmica (há 120 poços geotérmicos distribuídos pelo complexo).
No que diz respeito à tecnologia, as diferenças são ainda mais gritantes: aqui tudo é “high-tech” e “state of the art”. E a segurança é garantida por mais de 60 mil sensores instalados ao longo do complexo.
Algumas funcionalidades mantém-se ainda do outro lado da estrada: o chamado “Batiment Z” será objecto de uma intervenção para tornar mais confortável a vida dos parceiros da NATO que tinham sido remetidos para contentores, por já não haver mais espaço disponível para os acolher. Mas o complexo, que Spicer descreve como um “museu vivo de instalações temporárias”, já está praticamente vazio. Planeadas para albergar um hospital militar, as instalações acabaram por ser erguidas em apenas oito meses e disponibilizadas para receber a NATO, de forma provisória, quando a aliança teve de deixar a sua sede em Paris, em 1967 (quando o Governo francês abandonou a estrutura militar integrada). A NATO deixará tudo intacto até ao final de 2019, quando o complexo for devolvido à Bélgica.
O Governo belga e a cidade de Bruxelas ainda não anunciaram os seus planos para a terceira encarnação daquele espaço. Se em vez da Bélgica, a sede da NATO fosse na América, Spicer não tem dúvidas de que o mítico Room One, o espaço onde nos últimos 50 anos reuniram os chefes (militares e civis) da aliança, seria transladado ou integralmente reconstituído numa sala de museu do Smithsonian: foi aqui que veio comunicar o compromisso da Alemanha reunificada após a queda do muro de Berlim; foi aqui que os aliados invocaram o artigo 5º pela primeira e única vez na História, após os ataques terroristas de 11 de Setembro de 2001 nos Estados Unidos
“Se estas paredes falassem, diriam que por vezes houve gritaria, discussões muito acaloradas e grandes divergências. Mas também dariam conta da surpreendente colegialidade da comunidade que se agrega aqui, e que permite que os consensos se formem e que as decisões se tomem sem que um dos aliados domine os outros”, considera a norte-americana Rose Gottemoeller, que da sua experiência destaca a importância do “momento sempre solene e sempre feliz” em que um novo aliado ocupa, pela primeira vez, o seu lugar na mesa oval.
No novo Room One, uma sala elíptica para uma melhor distribuição acústica, a mesa tem 51 lugares, atrás dos quais se distribuem assentos adicionais em forma de anfiteatro. Nas cabines de tradução, podem ser interpretadas até 70 línguas. O sistema audiovisual está montado de maneira a que seja possível estabelecer uma videoconferência com qualquer lugar do planeta. Mas como dantes, quando os líderes se sentam, só têm à sua frente um bloco de papel e um lápis. Os smartphones, tablets, e todos os outros equipamentos electrónicos, ficam à porta: todos os encontros no Room One são “top secret”.
A divisa da NATO, “Animus In Consulendo Liber” continua gravada na parede: é uma linha da obra do romano Salusto, “A Conspiração de Catilina”, que exorta a reflexão e ponderação como virtudes maiores dos grandes homens. “A frase lembra-nos que devemos estar sempre concentrados em obter resultados das nossas deliberações”, observa o embaixador português na NATO, Luís de Almeida Sampaio.