Máquinas arrasam árvores e vegetação em zona protegida em Cacela Velha

O Parque Natural da Ria Formosa (PNRF) mandou fazer um levantamento dos danos ambientais. A prevenção contra os incêndios poderá ter sido o pretexto para esta intervenção, à revelia das autoridades.

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A paisagem mediterrânica algarvia continua a desaparecer. Em Cacela Velha, num terreno de cerca de 28 hectares junto a um campo arqueológico, alfarrobeiras, oliveiras e outras espécies autóctones foram arrasadas. A intervenção, efectuada parcialmente em zona do Parque Natural da Ria Formosa (PNRF), sem autorização do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), terá sido realizada a coberto das medidas preventivas contra os incêndios.

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A paisagem mediterrânica algarvia continua a desaparecer. Em Cacela Velha, num terreno de cerca de 28 hectares junto a um campo arqueológico, alfarrobeiras, oliveiras e outras espécies autóctones foram arrasadas. A intervenção, efectuada parcialmente em zona do Parque Natural da Ria Formosa (PNRF), sem autorização do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), terá sido realizada a coberto das medidas preventivas contra os incêndios.

Uma máquina pesada limpou toda a vegetação da crista das arribas, situadas no lado nascente do campo arqueológico de Cacela. Agora, o solo está careca e a terra revoltada prolonga-se numa extensão superior a um quilómetro.

A direcção do Parque Natural da Ria Formosa (PNRF) mandou fazer um levantamento da destruição efectuada em zona do Reserva Ecológica (REN) e do Domínio Público Hídrico com vista a aplicar eventuais coimas. A intervenção, apurou o PÚBLICO, não foi comunicada nem autorizada pelo PNRF.

Na passada segunda-feira, a GNR também esteve no local a tomar conta da ocorrência a pedido da Inspecção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (IGAMAOT). Uma queixa registada no site deste serviço esteve na origem do procedimento da autoridade policial.

A preservação dos valores naturais e do pomar de sequeiro poderão estar comprometidos pelo conflito de interesses relacionados com outros usos do solo. Uma parte da propriedade é abrangida pelo perímetro de rega do sotavento algarvio e nessa área o regulamento do PNRF não exige qualquer parecer por parte das autoridades ligadas ao ambiente.

A situação encontra algum paralelismo com o que se passou ali bem perto, na Torre d’Aires (concelho de Tavira), no final de 2015. Numa propriedade com 43 hectares — onde se situa a antiga cidade romana de Balsa —, uma empresa espanhola obteve do ICNF, do qual depende o Parque Natural da Ria Formosa, autorização para instalar ali uma exploração intensiva de frutos vermelhos (framboesas) porque uma parte da parcela situa-se em zona agrícola. O impacto visual do “mar de plástico” que estava a ser instalado gerou uma onda de contestação pública. Mais tarde, a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR), reagindo aos protestos, mandou embargar os trabalhos numa área de 14,8 hectares abrangida pela REN.

Durante décadas, o sotavento algarvio esteve fora da rota do turismo de massas. A agricultura, predominantemente de sequeiro, e a pesca (associada à industria conserveira de Olhão e Vila Real de Stº António) dominavam a economia. Os tempos mudaram e esta faixa litoral está sofrer as pressões urbanísticas que se fazem sentir há muito mais tempo na outra zona do Algarve (barlavento).

A ancestral paisagem mediterrânica, com a entrada em funcionamento do perímetro de regra do sotavento algarvio (alimentado pelas barragens de Odeleite e Beliche) transformou-se em campos experimentais de agricultura intensiva. Primeiro foram os citrinos, depois as framboesas e mais recentemente os abacates.

Sobre esta última intervenção em Cacela Velha, no terreno mesmo colado ao local onde os arqueólogos estão desde o dia 18 de Junho a fazer escavações numa necrópole medieval, não são ainda conhecidas as motivações do proprietário. A agricultura é uma possibilidade já que ali perto foram plantadas vinhas e pomares de citrinos, mas o que ficou evidente (depois do derrube das árvores) foi uma parede grossa de uma antiga casa, envolta por uns muros em ruínas. Mais um projecto turístico na calha?

Desde 2013, Tavira é a comunidade representativa da Dieta Mediterrânica, exigindo o galardão de Património Cultural Imaterial da Unesco, com todos os valores que lhe estão associados. Mas, pelos campos em seu redor, as árvores autóctones vão tombando aos poucos.