Carta aberta a Pedro Santana Lopes
Nas eleições internas do PSD de Janeiro deste ano, sendo a escolha entre ti e Rui Rio, eu votei em ti. Hoje sinto-me defraudado.
Caro Pedro,
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Caro Pedro,
escrevo-te na praça pública. Soube, no passado dia 28 de Junho, que ias deixar a intervenção política no PSD, partido do qual foste presidente e pelo qual foste primeiro-ministro. E que não pões de parte a possibilidade de criação de um novo partido. Não foi completamente clara a tua posição a este respeito — podes clarificar? Evidentemente, ninguém é obrigado a vincular-se eternamente a uma opção partidária. Ao longo das décadas, todos os quadrantes políticos tiveram cisões, fraturas, fusões, etc. Do PCP surge a UDP, ainda nos anos 60. O PSR resulta de uma fusão, no fim dos anos 70, e, mais tarde, UDP e PSR confluem, com a Política XXI (que resulta de uma cisão), no Bloco de Esquerda, do qual, por sua vez resulta uma cisão que origina o Livre. Em 1979, um grupo importante de militantes sai do PSD para fundar a ASDI — Ação Social Democrata Independente. Francisco Salgado Zenha e Manuel Alegre representaram duas dissensões importantes no Partido Socialista — os dois candidataram-se contra Mário Soares às presidenciais. Manuel Monteiro sai do CDS e funda a Nova Democracia.
Caro Pedro, tu já tiveste, no passado, momentos em que anunciaste a possibilidade de fundação de um novo partido político. Mas agora, seis meses depois de eleições internas no PSD, no qual foste candidato à liderança e arrecadaste 46% dos votos, achas que é o momento para anunciares que sais do PSD e que não pões de lado a possibilidade de fundar um partido?
Nas eleições internas do PSD de Janeiro deste ano, sendo a escolha entre ti e o Rui Rio, eu votei em ti. E expliquei, num artigo no Observador sobre o PSD, porquê. Hoje, sinto-me defraudado. Nunca teria votado em ti se soubesse que agora tomarias esta atitude.
Não tem que ver com ganhar ou perder. Tem a ver com o que se pode contar. Saber com o que se conta não é coisa pouca na vida pública, para os cidadãos, para cada um dos Portugueses. Mário Soares, Francisco Sá Carneiro, Adelino Amaro da Costa, Álvaro Cunhal, Maria de Lourdes Pintasilgo, Aníbal Cavaco Silva, Isabel do Carmo, António Guterres, Pedro Passos Coelho, cada um à sua maneira, são exemplos de figuras políticas nas quais se sabe, ou sabia, com o que se podia/pode contar. Pode-se concordar mais ou menos com eles, com elas. Todavia, sabemos quais as suas convicções e conhecemos a linha do que fizeram.
Ora tu tens um percurso, e esse percurso foi sempre o PSD, ou, como tu preferes dizer, o PPD-PSD. Foi assim desde os tempos de Francisco Sá Carneiro. Quando foste crítico do PSD, nos anos 80, com Marcelo Rebelo de Sousa, José Manuel Durão Barroso, Nuno Morais Sarmento, entre outros, criaste, dentro do PSD, uma ala que ficou conhecida como “Nova Esperança”. Estavas a construir.
Porque, em Junho de 2018, te ocorre deixar a participação no PSD e colocar na agenda a possibilidade de criares um novo partido?
Dizes estar desiludido com o PSD. Mas tu és uma referência do PSD, a tua desilusão podia ajudar a gerar coisas positivas no PSD. Não é esse o caminho que escolheste.
Por coincidência, quando se soube, publicamente, da tua decisão, também se soube que a Polícia Judiciária avançou com uma mega-operação, que envolve o PSD e o PS, num conjunto de situações que poderão configurar corrupção e outros crimes.
Esta é uma má notícia para a democracia portuguesa — a democracia sai fragilizada aos olhos dos cidadãos, por mais um descrédito sobre os partidos políticos, agora, numa forma sistémica. Do PS, oficialmente, nada ouvi, à data destas palavras, e do PSD, ouvi o secretário-geral a dizer que os factos em investigação dizem respeito a um período anterior à atual direção do partido.
Mais tarde, veio corrigir o tiro, dizendo que a investigação pode implicar pessoas concretas e não o partido, pois não se pode confundir uma batata podre com todo o cabaz. Mas o que fica é a ideia de que as instituições (e grandes partidos da democracia portuguesa, como o PS e o PSD, são instituições) não existem, o que existe são vagas de poder — cada um defende “os seus”. Na minha perspetiva, caro Pedro, este tipo de maneira de falar das coisas por parte do secretário-geral do PSD, pode equivaler à atitude que tomaste.
Eu explico: o secretário-geral do PSD “esquece” que, a cada momento, a direção de uma instituição é responsável, politicamente, não só pelo momento da sua gestão mas pela história da instituição. E se coisas no passado correram mal, independentemente de se apurar as responsabilidades concretas de pessoas concretas, que, a existirem, merecem o mais veemente repúdio e as consequências legais inerentes, os responsáveis institucionais devem proteger as instituições a que pertencem. Neste caso em concreto, seria recomendável a atual direção do PSD refletir sobre o que correu mal e que ilações se podem tirar. Sem procurar enunciar “banhos de ética”, com uma falsa superioridade moral — o historial de situações recentes relativas à atual direção do PSD (Feliciano Barreiras Duarte, Irina Fraga, Salvador Malheiros, entre outros) não o permite.
Não terás tu “esquecido” tal como o secretário-geral do PSD, que és responsável pelas tuas escolhas, mas também pela tua história institucional? Será que a tua recente perda das eleições internas no PSD tem como ilação evidente a saída do PSD e a eventual fundação de um novo partido?
Todos sabemos que há uma grande movimentação na Europa em torno da criação de partidos, mudanças de atitudes do eleitorado, desaparecimento de partidos históricos e aparecimento de novas propostas políticas. Nada disso é mau, excepto quando configura radicalismos sectários, xenófobos, totalitários. Não é mau, porque a vida é composta de estabilidade e de mudança e há momentos em que uma é maior do que a outra e isso não é nem bom nem mau — é assim.
No quadro do centro, centro-direita em Portugal, há disputa do espaço político: o CDS quer crescer, apareceram algumas novas propostas políticas, o PSD, com a nova liderança, está num momento em que não definiu ainda uma estratégia que os Portugueses possam perceber como alternativa ao PS, ou, pelo menos, Caro Pedro, posso dizer-te que eu ainda não percebi qual é essa estratégia.
O atual quadro europeu e português são os adequados para produzir a tua decisão?
Não seria mais produtivo que tu, dentro do partido, falasses das propostas que a tua candidatura defendeu, que procurasses estabelecer laços com a atual direção, como parecia que tinha acontecido, numa perspetiva coesa de posicionamento? Porque, ao teres sido candidato à liderança há seis meses com uma votação expressiva, tens uma “posição institucional”.
Optaste por outro caminho. E não te critico por achar que não tens liberdade para isso. Ou seja, não te digo, Caro Pedro, que não podes mudar de vida — só faltava. Mas digo-te que considero uma frustração de expetativas o que estás a fazer. Não porque não tenhas o direito de exercer a tua liberdade, mas porque tu próprio escolheste ser candidato a líder do PSD há seis meses. Ora, passar em seis meses de candidato à liderança do PSD a opositor do PSD parece-me um salto enorme.
Por isso, Caro Pedro, apesar de ter aprendido a estimar-te, pessoalmente, não posso deixar de te dizer que lamento esta atitude. Quando te candidataste à liderança do PSD, outra vez, assumiste uma responsabilidade e um vínculo junto dos militantes. Podias, nessa altura, não te ter candidatado. Estar arredado ou ter dito que o partido já não te interessava ou que consideravas que se tinha descaracterizado — e avançado, agora ou mais tarde, para a opção que anuncias. Mas fazê-lo seis meses depois de teres recebido o crédito de tão grande número de militantes?
Num momento em que o PSD está sob fogo cruzado? Não consigo acreditar que a tua atitude, neste momento, te valorize, e seja valorizadora para a democracia portuguesa, que precisa de um governo forte e de uma oposição forte. Por isso, Caro Pedro, escrevo-te estas palavras. Na vida, ocupaste alguns dos lugares mais honrosos que um cidadão em democracia pode ocupar. Lugares que reconhecem o teu papel na sociedade portuguesa. Independentemente de se gostar mais ou menos de ti, fazes parte, por direito próprio, da história política das quatro últimas décadas. No que respeita à política que vivemos, mais que não seja, por uma questão de oportunidade, tenho dúvidas que a tua anunciada opção corresponda a um exemplo de confiança nas pessoas e nas instituições políticas.
Aceita um abraço,
Jorge