Calvin é um gato lisboeta que gosta de pular a cerca — e isso deu um livro
A vida de Calvin Esparguete, o gato mais famoso da Colina de Santana, vai ser contada por escrito. O Diário de um Gato Citadino é a história das suas aventuras por Lisboa narradas, claro está, na primeira pessoa.
Levanta-se preguiçosamente e vai até ao jardim ver como está o tempo e verificar se hoje é mais um dia para pular a cerca. Literalmente. Depois de avaliar a situação, é hora de trepar a árvore que lhe dará acesso à vedação de três metros, à casa do vizinho e à sua garagem, antes de se escapulir e chegar ao largo. É aqui que encontra os amigos. A senhora da mercearia que lhe oferece uma latinha de comida, a peixeira que lhe dá uma guloseima ou os clientes do café que lhe fazem festinhas enquanto se entrelaça nas suas pernas. Por lá fica algum tempo, a dormitar. Por fim, agradece o repasto e vai dar os seus passeios antes de voltar para casa “quando lhe apetece”. Caso não consiga entrar, mia até que alguém lhe abra a porta.
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Levanta-se preguiçosamente e vai até ao jardim ver como está o tempo e verificar se hoje é mais um dia para pular a cerca. Literalmente. Depois de avaliar a situação, é hora de trepar a árvore que lhe dará acesso à vedação de três metros, à casa do vizinho e à sua garagem, antes de se escapulir e chegar ao largo. É aqui que encontra os amigos. A senhora da mercearia que lhe oferece uma latinha de comida, a peixeira que lhe dá uma guloseima ou os clientes do café que lhe fazem festinhas enquanto se entrelaça nas suas pernas. Por lá fica algum tempo, a dormitar. Por fim, agradece o repasto e vai dar os seus passeios antes de voltar para casa “quando lhe apetece”. Caso não consiga entrar, mia até que alguém lhe abra a porta.
Esta podia ser a rotina de qualquer gato, mas é a de Calvin Esparguete, o felino mais adorado da Colina de Santana que, depois da página no Facebook, vai ter as suas aventuras contadas num livro. Cinzento de olhos verdes, com 16 anos — 81 em anos de gente — e sempre de coleira ao pescoço onde se pode ler o seu nome e o número de telefone da dona, é de fugir de casa que mais gosta. E à mais pequena oportunidade “pira-se e vai para a rua”.
A dona e autora do livro, a jornalista Filomena Lança, descreve-o como um gato muito independente. “Alguns vizinhos costumam dizer que nós não somos donos do Calvin, o Calvin é que é o nosso dono porque é muito senhor do seu nariz e rabugento; se ele se deitar num sítio e o formos buscar refila logo.” Filomena ainda tenta que Calvin se sente no sofá ao seu lado, mas depois de alguns segundos a ponderar se fica, o gato volta para o cantinho do jardim para apanhar sol. “Se o for buscar outra vez ou o obrigar a ficar aqui, vai reclamar.”
Um gato com alma de aventureiro
Foi depois de a família se mudar para a zona do Marquês de Pombal que Calvin começou as suas aventuras. Toda a gente na vizinhança o conhece e Filomena conta que muitas vezes conhece os vizinhos por causa dele. “Estamos numa cidade e é normal não conhecermos toda a gente que vive perto de nós, mas connosco acaba por ser o contrário porque nos vêem a falar dele ou porque ele foi para casa deles. Descobrem que têm um gato em casa e telefonam-nos.”
Apesar de ser um gato citadino, tem alma de aventureiro e gosta de explorar mesmo as zonas ‘’não recomendadas para gatos”, como o trânsito da Avenida da Liberdade. “Uma vez telefonaram-nos a dizer que ele estava na rotunda no Marquês de Pombal. Passado um bocado liga outra pessoa a dizer que ele já estava na Rua Braamcamp, do lado de lá da Avenida da Liberdade. Nessa altura chegamos a ir buscá-lo ao Teatro Tivoli e o porteiro contou-nos que ele atravessava a avenida todos os dias, mas só quando o sinal estava verde e quando todas as pessoas atravessam com ele”, conta a dona do Calvin.
É normal a família receber chamadas a reportar o paradeiro de Calvin, mesmo à noite e de madrugada. “Uma vez telefonaram-nos e tivemos de o ir buscar à Rua da Palma que é ali entre o Intendente e o Martim Moniz. Então, lá foi o meu marido a meio da noite buscar o Calvin ao Intendente”, conta Filomena, entre risos. Quando os relatos de avistamentos chegam de locais próximos, basta esperar que o Calvin regresse e depois abrir-lhe a porta. Porque “ele sabe o caminho para casa”.
A brincar na morgue
O nome Calvin vem de uma das personagens da banda desenhada Calvin and Hobbes. Já quanto a Esparguete, ninguém conhece a origem. “Surgiu da necessidade de haver dois nomes para quando o Calvin é mais malandro e o podermos chamar: ‘Calvin Esparguete, vem já aqui'”, exemplifica Filomena. Certo é que o gato é de “modas” e antes de começar a explorar zonas mais longínquas, como o Intendente, começou pelo que havia nas proximidades, como a morgue do hospital. “Telefonam-me da morgue a dizer que tinham lá o Calvin, que estava lá a brincar mas que se calhar era melhor irmos buscá-lo. Agora já nem notamos, ele fica por lá, dão-lhe comida e ele volta para casa todo feliz”, conta a dona.
Foi para partilhar estas e outras histórias que a família criou a página de Facebook, em 2017. Só mais tarde surgiu a oportunidade de pegar em todas as suas andanças ao longo dos anos e torná-las num livro escrito na primeira pessoa — ou gato. A partir desta terça-feira, 10 de Julho, estará à venda em todo o país o Diário de um Gato Citadino, escrito pela jornalista Filomena Lança, uma edição Dom Quixote, que dará ao leitor a oportunidade de conhecer as aventuras de Calvin Esparguete pela cidade de Lisboa. Quem o quiser conhecer só tem de o procurar a dormir em cima de um carro, a cumprimentar os turistas ou a passear-se pela Colina de Santana.
Texto editado por Amanda Ribeiro