A cimeira que só acaba depois do último tweet de Trump
A NATO preparou uma narrativa positiva, de reafirmação da união transatlântica, para a cimeira de líderes que arranca em Bruxelas. Antes de deixar os EUA, Trump voltou a atirar-se aos aliados e deitou tudo a perder.
Começou no Twitter, antes dos líderes sequer terem chegado a Bruxelas, e só vai terminar quando o Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, publicar a sua última mensagem nesta rede social, depois de todos já terem partido. Escaldados pelo que aconteceu no fim da cimeira do G7, no Canadá, os líderes da NATO sabem que terão de suster o fôlego e refrear as expectativas, até poderem decretar o sucesso ou fracasso da cimeira da Aliança Atlântica.
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Começou no Twitter, antes dos líderes sequer terem chegado a Bruxelas, e só vai terminar quando o Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, publicar a sua última mensagem nesta rede social, depois de todos já terem partido. Escaldados pelo que aconteceu no fim da cimeira do G7, no Canadá, os líderes da NATO sabem que terão de suster o fôlego e refrear as expectativas, até poderem decretar o sucesso ou fracasso da cimeira da Aliança Atlântica.
Os trabalhos, que arrancam nesta quarta-feira às 14h30, foram cuidadosamente planeados para que a reunião possa ser um momento chave de afirmação da força e união transatlântica, depois da sucessão de episódios e acontecimentos que cavaram um fosso entre os Estados Unidos e a Europa. Só que antes de embarcar, Trump atirou-se aos parceiros europeus no Twitter, dando cabo da narrativa positiva que tinha sido ensaiada pelo secretário-geral da organização, na sua conferência de imprensa de antecipação da cimeira, nesta terça-feira.
“Temos uma boa história para contar”, prometera Jens Stoltenbeg, antes de ser confrontado pelos jornalistas que queriam saber quais seriam as consequências, para os trabalhos e para o relacionamento entre os dois blocos, da mensagem publicada por Trump a ligar o comércio e a defesa como matérias em que os europeus procuram “aproveitar-se” dos americanos.
Numa primeira mensagem, e a caminho da cimeira, o Presidente americano lamentou que os Estados Unidos estejam a “gastar muitas vezes mais do que qualquer outro país para proteger [os europeus]." "Não é justo para o contribuinte americano”, criticou. “Para além disso, perdemos 151 mil milhões de dólares nas trocas com a União Europeia [que] nos impõe taxas elevadas (e barreiras)!”
Assim que assinou uma declaração conjunta para a cooperação UE-NATO — a poucos metros de local onde na noite desta quarta-feira vai jantar com Trump—, o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, respondeu ao tweet provocatório do norte-americano, aproveitando o embalo para contrariar também as críticas lançadas contra a Europa “quase diariamente”. “Caro Presidente Trump, a América não tem e nem terá melhor aliado do que a Europa. Hoje, os europeus gastam em defesa muito mais do que a Rússia e tanto quanto a China”, comparou Tusk, que há muito se tornou o porta-voz da paciência esgotada dos europeus. A resposta veio acompanhada de um conselho, de que o inquilino da Casa Branca devia dar valor e tratar melhor os seus aliados, “até porque não tem assim tantos”.
Horas mais tarde, já em pleno voo, Trump voltou à carga, escrevendo em maiúsculas que “os países da NATO têm de pagar MAIS e os Estados Unidos pagar MENOS”. “Muitos países da NATO, que é suposto nós defendermos, não só não cumprem o seu compromisso de 2% (que é baixo), como se mantêm há muitos anos delinquentes dos pagamentos que nunca fizeram. Vão reembolsar os EUA?”, questionou.
Donald Trump referia-se ao seu cavalo de batalha — e compromisso assumido por todos os membros da Aliança Atlântica, na cimeira de 2014 no País de Gales — de elevar as despesas militares de cada país para o patamar de 2% do Produto Interno Bruto, até 2024. Segundo os números apresentados por Stoltenberg horas antes, em 2018, só oito dos 29 membros da NATO terão cumprido o objectivo.
“Sim, o nível actual de partilha de custos e responsabilidades não é justo, e é por isso que todos os aliados estão a aumentar as suas contribuições”, disse o secretário-geral da NATO, acrescentando que segundo as estimativas, o orçamento da Aliança terá um reforço de 266 mil milhões de euros até 2024 por essa via. “Mas os aliados europeus e o Canadá não estão a aumentar a sua despesa militar para agradar aos Estados Unidos”, advertiu. “Fazem-no porque compreendem que vivemos num mundo mais imprevisível, e porque esse é um investimento vital para a sua defesa e segurança”, sublinhou.
A questão da partilha de custos e responsabilidades é o ponto mais controverso da agenda de trabalho e deverá ocupar boa parte da discussão entre os chefes de Estado e governo no Conselho Atlântico desta quarta-feira. “Sabemos que há desentendimentos, e esperamos que as diferentes opiniões sejam expressas”, admitiu Stoltenberg, para quem as diferenças não comprometem nem melindram o estatuto de “pedra de toque da relação transatlântica” da NATO.
Na mesma senda, diplomatas da Aliança lembravam que ao longo da sua história a NATO já experimentou vários altos e baixos, e que a relação entre os blocos América-Europa já superou muitas “crises graves”, a última das quais motivada pela intervenção militar norte-americana no Iraque, em 2003. “Mas não podemos ignorar que há vozes preocupadas com a saúde da relação transatlântica”, disse um diplomata, reconhecendo que a entrada em cena de Donald Trump veio introduzir um elemento de “instabilidade” que não agrada aos restantes líderes. “A previsibilidade é menor”, disse.