A loja que transformou os telemóveis e o software
Há uma década, a Apple lançou uma loja de aplicações para o iPhone. Começava uma nova era para programadores e consumidores.
Em Janeiro de 2007, momentos antes de mostrar o primeiro iPhone, Steve Jobs repetiu e voltou a repetir em palco: a Apple ia lançar um iPod, um “telemóvel revolucionário” e um “inovador dispositivo de comunicação na Internet”. A surpresa ensaiada para uma plateia que já começava a rir e a aplaudir as frases repetidas de Jobs era que, afinal, tudo aquilo era um só aparelho. O iPhone era aquelas três coisas e até um pouco mais: dos SMS à bolsa, passando pelos mapas, pela meteorologia e pelo YouTube, tinha 16 aplicações. E nem mais uma.
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Em Janeiro de 2007, momentos antes de mostrar o primeiro iPhone, Steve Jobs repetiu e voltou a repetir em palco: a Apple ia lançar um iPod, um “telemóvel revolucionário” e um “inovador dispositivo de comunicação na Internet”. A surpresa ensaiada para uma plateia que já começava a rir e a aplaudir as frases repetidas de Jobs era que, afinal, tudo aquilo era um só aparelho. O iPhone era aquelas três coisas e até um pouco mais: dos SMS à bolsa, passando pelos mapas, pela meteorologia e pelo YouTube, tinha 16 aplicações. E nem mais uma.
Em retrospectiva, o iPhone foi revolucionário. Com o seu grande ecrã sensível ao toque, conseguiu ser bem-sucedido onde muitos falharam: trouxe uma interface fácil de usar, capaz de aliciar consumidores e de transformar o telemóvel num computador de bolso. Empresas como a Nokia, a BlackBerry e a Microsoft tinham tentado o mesmo, mas o sucesso dos seus produtos foi mais limitado. Naquela altura, o impacto do iPhone não era óbvio: as críticas foram cautelosas e tornou-se famoso o desprezo do então presidente da Microsoft, Steve Ballmer, por um telemóvel sem teclas. Poucos anos depois, os telemóveis com teclados físicos eram objectos do passado.
O primeiro iPhone foi, porém, apenas uma das peças da engrenagem que transformou o telemóvel no mais pessoal e versátil dos dispositivos electrónicos. Uma segunda peça surgiu no ano seguinte. Foi em Março de 2008 que Steve Jobs subiu novamente ao palco, numa apresentação seguida pela imprensa com uma atenção devota. Anunciou uma nova loja virtual, que permitia aos clientes “descarregar aplicações móveis, sem fios, directamente para o telemóvel e usá-las imediatamente”. Alguns anos antes, a Apple começara a transformar o sector discográfico ao criar a loja de música no iTunes, que permitia comprar canções individuais. Agora, preparava-se para fazer algo semelhante ao sector do software.
A ideia de Jobs era quebrar as barreiras entre programador e consumidor. “O vosso sonho”, disse Jobs aos criadores de software naquela apresentação há dez anos, “é mostrarem-se a cada utilizador de iPhone, e com sorte eles vão gostar e comprar, certo?” Certo.
O conceito não era novo, mas foi a Apple que o executou com melhores resultados. A App Store foi lançada a 10 de Julho de 2008. Simplificou e popularizou o conceito de procurar, instalar e experimentar um pequeno programa quase instantaneamente. A loja, com as aplicações divididas por categorias e com listas das mais populares, era uma montra eficaz para programadores irem ao encontro de potenciais consumidores.
O processo de compra era simples: bastavam uns toques no ecrã e a aplicação começava a ser descarregada. O custo era debitado no cartão de crédito. As aplicações eram inspeccionadas antes de serem postas à venda, garantindo assim que não havia conteúdos impróprios (de acordo com os padrões da Apple) ou software malicioso. No geral, era mais simples, mais seguro e mais barato do que a experiência de comprar software algures na Internet.
O que hoje parece banal era uma novidade que levava muitos consumidores a percorrerem a loja em busca do que queriam descarregar: uma lanterna, um jogo, um livro de um autor clássico, um nível de bolha de ar. Por essa altura, uma aplicação que era um copo de cerveja que se podia esvaziar inclinando o telemóvel – a brincadeira terminava com o copo vazio e um arroto – custava 79 cêntimos. Não faltou quem a comprasse.
Impulsionadas pelas orientações da Apple, as aplicações eram criadas com uma estética própria, que marcou aqueles tempos e se espalhou pelo resto da Internet, adoptada por inúmeros sites: efeitos tridimensionais, sombras, costuras e texturas a simular couro, madeira ou tecido. Um botão numa aplicação de lanterna tinha um aspecto metálico. Um bloco de notas simulava folhas de papel.
O sucesso levou empresas como o Google e a Amazon a criarem as suas próprias lojas de aplicações. Logo em 2008, surge o Android Market, a loja do Google para aparelhos Android e que deu origem ao actual Google Play. Os telemóveis com Android, no entanto, eram então muito menos sofisticados e menos populares que o iPhone. Durante os primeiros anos, o Android Market era caótico comparado com a loja rival. Muitas das aplicações mais populares eram desenvolvidas primeiro – ou exclusivamente – para o iOS, da Apple.
Líder nas receitas
Com os anos, e com o aumento de popularidade dos aparelhos Android, a realidade mudou. Em 2018, quando se fala em quantidade de aplicações, a loja do Google é a vencedora. Há 3,8 milhões de aplicações disponíveis para estes aparelhos, quase o dobro da loja da Apple. No total, 30% das aplicações descarregadas em 2018 vêm da App Store (os telemóveis com o sistema operativo do Google dominam o mercado dos smartphones, com uma fatia de 85%, segundo dados da analista IDC).
Mesmo com menos utilizadores e menos aplicações, é a loja de aplicações da Apple que mais receitas consegue: 66% do total de dinheiro que é gasto em aplicações em todo o mundo é gasto na App Store. Os números são da analista especializada App Annie, que nota que a fatia da Apple na facturação com aplicações tem diminuído nos últimos anos (em 2012, era 84%), mas nunca caiu abaixo dos 60%.
Parte do sucesso, vem do modelo de subscrição que a App Store introduziu em 2011 e que permite fazer pagamentos recorrentes para usar um serviço. Há mais de 28 mil aplicações com este modelo, incluindo o Tinder, o Linkedin e o Netflix. A última é a que gera mais dinheiro para a App Store.
A variedade no pódio é pouca: as dez aplicações mais descarregadas de todos os tempos são quase todas serviços de mensagens ou redes sociais (a excepção é a aplicação de mapas do Google). Destas, quatro pertencem ao Facebook: a aplicação oficial da rede social, o Instagram, o Messenger e o WhatsApp.
Nos últimos dez anos, os utilizadores deixaram mais de 130 mil milhões de dólares (perto de 110 mil milhões de euros) em aplicações pagas. Só em 2017, foram gastos 42 mil milhões de dólares, e isto não inclui aplicações pagas por subscrição. Durante esta década, a loja cresceu de 500 aplicações, para um enorme mercado virtual com dois milhões de aplicações e mais de 500 milhões de visitantes a cada semana.