Tab Hunter nunca saiu realmente do armário
Ídolo feminino dos anos 1950, o actor americano apenas revelou publicamente a sua homossexualidade em 2005, 20 anos depois de se retirar do cinema. Morreu no domingo, aos 86 anos.
Era normal, nos anos de ouro de Hollywood, que as estrelas de Hollywood assumissem um nome artístico. John Wayne nascera Marion Morrison; Natalie Wood tinha na certidão de nascimento Natalia Zakharenko; Rock Hudson fora baptizado Roy Scherer Jr. Tab Hunter, que morreu este domingo aos 86 anos, de paragem cardíaca, nasceu Arthur Kelm em Nova Iorque em 1931, e assumiu o apelido de solteira da mãe, Gelien, quando esta se divorciou. Mas foi o seu agente, Henry Willson, que lhe atribuiu o nome artístico. Tinha 17 anos e acabara de ser desmobilizado da Guarda Costeira, na qual se alistara mentindo sobre a idade.
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Era normal, nos anos de ouro de Hollywood, que as estrelas de Hollywood assumissem um nome artístico. John Wayne nascera Marion Morrison; Natalie Wood tinha na certidão de nascimento Natalia Zakharenko; Rock Hudson fora baptizado Roy Scherer Jr. Tab Hunter, que morreu este domingo aos 86 anos, de paragem cardíaca, nasceu Arthur Kelm em Nova Iorque em 1931, e assumiu o apelido de solteira da mãe, Gelien, quando esta se divorciou. Mas foi o seu agente, Henry Willson, que lhe atribuiu o nome artístico. Tinha 17 anos e acabara de ser desmobilizado da Guarda Costeira, na qual se alistara mentindo sobre a idade.
O que já não era tão normal, mas também não era único (Rock Hudson é o caso ainda hoje emblemático), é que essa “dupla identidade” se manifestasse noutras áreas da vida. Na autobiografia que publicou em 2005, Tab Hunter Confidential: The Making of a Movie Star, Hunter confessava que, durante a década em que se tornou no símbolo do “All-American Boy”, (em 1956, recebeu 62 mil cartões pelo dia de São Valentim), viveu uma vida dupla: “uma vida privada própria de que nunca falava com ninguém, e a minha vida de Hollywood”. Por outras palavras: louro e de olhos azuis, físico invejável, vizinho do lado com todas as virtudes do “bom rapaz” pelo qual todas as jovens suspiravam, Hunter era na verdade homossexual. Num meio no qual não se sentia confortável e num tempo em que abordar o assunto era um tabu inadmissível.
Os rumores sobre a sua sexualidade sempre o perseguiram, com as máquinas de relações públicas dos estúdios a “inventarem-lhe” romances – isto enquanto Hunter mantinha uma relação com o actor Anthony Perkins (Psico). Em entrevista de 2015 à revista New Yorker, Hunter contou que os estúdios lhes marcavam jantares a quatro com mulheres, e uma vez cumprida a obrigação ele e Perkins iam os dois juntos para casa. Apesar dos rumores, Hunter apenas “sairia do armário” em 2005, admitindo publicamente a sua orientação sexual na autobiografia (que deu origem, em 2015, a um documentário dirigido por Jeffrey Schwartz).
Sem nunca ter atingido o “primeiro escalão” da fama hollywoodiana – e tendo sido descartado por muitos como um mau actor cuja popularidade se devia apenas ao seu físico –, Hunter estreou-se no cinema em 1949 com um pequeno papel em Intolerância, sob a direcção de Joseph Losey, e assinou contrato com a Warner em 1955. Os seus papéis de atleta, soldado, cowboy, bom rapaz integravam-se numa idealização das virtudes masculinas e solidárias do jovem americano central à imagem da América do pós-guerra projectada por Hollywood. Contracenou com John Wayne e Lana Turner (A Raposa dos Mares, 1955), Robert Mitchum (Track of the Cat, 1954), Natalie Wood (O Monte do Desespero e Quero-te, mas Deixa-me, ambos de 1956), Clint Eastwood (Contigo nos Meus Braços, 1958) ou Sofia Loren (Uma Certa Mulher, 1959, de Sidney Lumet).
Foi o filme de guerra Antes do Furacão (1954), de Raoul Walsh, onde tinha um papel secundário, que o popularizou; um dos seus papéis mais recordados, foi o do jogador de beisebol que faz um pacto com o diabo do musical de George Abbott e Stanley Donen Brincadeiras do Diabo (1958). Foi ainda, no final dos anos 1950, cantor pop de sucesso com êxitos como Young love ou 99 ways.
Mas foi sol de pouca dura. Chegado ao início dos anos 1960 sem contrato – afastara-se da Warner por opção própria num momento em que o “prazo de validade” da sua fama começava a passar –, Hunter dedicar-se-ia à televisão e ao cinema de série Z, com filmes puramente alimentares rodados em grande parte na Europa. O convite do cineasta underground John Waters para contracenar com o lendário travesti Divine em Polyester (1981) marcou o início de um curto regresso, que durou até 1988 – ano em que se retirou definitivamente dos ecrãs, encontrando sossego no anonimato, na equitação que sempre fora a sua paixão, e na vida a dois com o produtor Allan Glaser, com quem vivia desde 1983.
Recentemente, anunciou-se o desenvolvimento de um filme sobre o romance entre Hunter e Perkins, a ser produzido por J. J. Abrams e Zachary Quinto (o novo Spock de Star Trek), um dos raros actores americanos contemporâneos que assumem publicamente a sua homossexualidade. Mas Tab Hunter disse em 2015 à New Yorker que, se fosse hoje um jovem actor a tentar a sorte em Hollywood, continuaria a ficar no armário sem se assumir como gay. E – restos de uma educação religiosa – continuava a não se sentir à vontade a falar do assunto.