A China e os países de língua portuguesa à volta da arte em Macau

Nasceu um festival que pretende actualizar uma relação histórica. O Encontro em Macau está aí para pôr em diálogo as práticas artísticas contemporâneas de territórios com um passado cultural comum e muita vontade de o tornar presente.

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Desde meados do século XVI que a cultura chinesa e a cultura portuguesa se cruzam neste território, e por estes dias o Encontro em Macau – Festival de Artes e Cultura entre a China e os Países de Língua Portuguesa tem tentado reafirmar essa ideia. Acabado de lançar, este novo acontecimento a realizar anualmente em Macau, e cuja primeira edição decorre até ao próximo domingo, dia 15 (as exposições ficam até Setembro), pretende reforçar laços históricos e ao mesmo tempo funcionar como uma plataforma que permita aprofundar o conhecimento mútuo do que de mais contemporâneo se vai fazendo a nível artístico na China e nos diferentes países de língua portuguesa.

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Desde meados do século XVI que a cultura chinesa e a cultura portuguesa se cruzam neste território, e por estes dias o Encontro em Macau – Festival de Artes e Cultura entre a China e os Países de Língua Portuguesa tem tentado reafirmar essa ideia. Acabado de lançar, este novo acontecimento a realizar anualmente em Macau, e cuja primeira edição decorre até ao próximo domingo, dia 15 (as exposições ficam até Setembro), pretende reforçar laços históricos e ao mesmo tempo funcionar como uma plataforma que permita aprofundar o conhecimento mútuo do que de mais contemporâneo se vai fazendo a nível artístico na China e nos diferentes países de língua portuguesa.

Para já, neste primeiro ano, o evento inclui um festival de cinema que dará a ver 24 filmes, entre ficção e documentário, e um conjunto de exposições. Mas a abertura da passada sexta-feira, que juntou o ministro da Cultura chinês, Luo Shugang, e o seu homólogo português, Luís Filipe Castro Mendes, fez-se com um serão musical que serviu essencialmente para revelar uma série de formações que trabalham as tradições, o património e as raízes musicais e performativas dos diferentes países, como os angolanos Nguami Maka, os Netos de Bandim da Guiné-Bissau ou os portugueses Galandum Galundaina. Já o festival de cinema, assim como o ciclo de exposições, tenta lançar um olhar sobre o presente: começou com Ira de Silêncio (2017), do emergente realizador chinês Xin Yukun, e incluirá, entre outros filmes, o premiado A Fábrica de Nada (2017), de Pedro PinhoDjon África (2018), de João Miller Guerra e Filipa Reis, ou A Última Vez que Vi Macau (2012), de João Pedro Rodrigues e Guerra da Mata.

Mas são sem dúvida as exposições que dominam as atenções. Entre elas está Chapas Sínicas – Histórias de Macau na Torre do Tombo, patente no Museu das Ofertas, que inventaria com documentos e imagens as comunicações oficiais mantidas entre Portugal e a China da dinastia Qing ao longo de cerca de dois séculos, reflectindo as circunstâncias da sociedade de então e dando a ver Macau como um centro de intercâmbio comercial e cultural com o Ocidente. Mas se se trata aqui de mostrar e contextualizar um acervo histórico já classificado pela UNESCO como Património da Humanidade, as outras exposições incluídas no programa deste primeiro Encontro em Macau pretendem mapear o estado da arte contemporânea nos territórios abrangidos pelo festival: China continental, Macau, Hong Kong, Portugal, Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor Leste.

Quem quiser tomar contacto com trabalhos de artistas chineses como Liu Jianhua, um dos nomes mais conhecidos daquele país nas áreas da escultura e da instalação, com o emergente Yang Mushi, ou ainda com Yin Xiuzhen, representante chinesa na Bienal de Veneza de 2007, tem de experienciar Universo, a colectiva no Armazém do Boi onde se exploram as fronteiras, inversões e transformações entre o mundo virtual e a vida real. O artista plástico José Drummond, a viver há muito em Macau, é por sua vez o curador de Aya, que junta na Fundação Oriente obras de artistas estabelecidos no território, com percursos distintos, como João Miguel Barros, Joaquim Franco, Fortes Pakeong Sequeira ou Rui Rasquinho.

Para se tomar contacto com as novas gerações de artistas a residir em Macau, a exposição a visitar é Aprofundar, na galeria Tak Chun Macau Art Garden. O curador, James Chu, diz-nos que os seis participantes têm diferentes proveniências (Taiwan ou China interior), “acabando por canalizar as suas experiências dos territórios de origem e sendo influenciados ao mesmo tempo pela vivência singular de Macau". É o caso de Nick Tai, que numa pintura (Coexistência) reflecte os dilemas da aprendizagem difícil da língua, com várias frases num português não totalmente correcto a pontuarem situações do quotidiano. De uma geração muito nova, Wong Weng Lo mostra-nos as suas 30 caixas de luz que, segundo ela, “contêm inscrições e frases recolhidas em livros, na Internet ou motivadas por pensamentos pessoais, traduzindo a relação entre um certo caos interior e exterior”.

Criar conexões

Dada a assiduidade com que nos últimos anos têm visitado o Oriente, e em especial Hong Kong, não surpreende que a francesa Pauline Foessel e o português Alexandre Farto, ou seja Vhils, fundadores da galeria lisboeta Underdogs, tenham sido escolhidos para a curadoria de uma outra exposição, que na verdade são seis, decorrendo em vários espaços, e na qual participam 27 artistas. A inauguração foi este domingo, no Museu de Arte Moderna de Macau. Alter Ego, assim se chama a mostra, é segundo Pauline Foessel “uma forma de criar pontes entre artistas, culturas e países de língua portuguesa e não só". A estratégia foi criar conexões entre as seis exposições.

As esculturas em papel desdobrável do chinês Li Hongbo, as fotos em que Wing Shya retrata as novas gerações de Hong Kong ou em que o moçambicano Mauro Pinto documenta o bairro da Mafalala, em Maputo, a instalação labiríntica em bambu dos arquitectos João Ó & Rita Machado, novas peças de Vhils, Pedrita Studio ou Wasted Rita, as esculturas do moçambicano Gonçalo Mabunda ou do chinês Zhang Dali, as instalações do brasileiro Marcelo Cidade ou do angolano Yonamine, as pinturas do luso-angolano Francisco Vidal ou as intervenções de Miguel Januário (MaisMenos) são apenas alguns dos destaques de uma mostra ambiciosa que aponta para essa ideia de Macau como um possível ponto de convergência artística. Mas que também propõe a reflexão e o questionamento sobre as tangentes e os limites do que significa hoje um verdadeiro encontro entre culturas.

Nos encontros oficiais, Luís Filipe Castro Mendes manifestou a disponibilidade do Governo português para aprofundar as relações culturais com a China, sublinhando que no início de Dezembro o presidente chinês Xi Jinping vai estar em Lisboa para antecipar o Ano da China em Portugal em 2019, naquela que poderá constituir uma grande oportunidade para aprofundar algumas das ideias postas em prática a partir do novo festival de Macau.

O PÚBLICO viajou a convite da organização da exposição Alter Ego