Olá vida nova
Olhamos com admiração para as pessoas que mudaram de vida, que foram à procura de ser felizes, mas “sentimos medo de voar”. Até ao dia em que paramos para pensar.
É sempre um exercício divertido ouvir o que as crianças têm para dizer. Na escola do meu filho mais velho, a educadora desafiou-os a fazer um desenho sobre o dia da criança, com cada um dos miúdos (de quatro a seis anos) a inventar uma frase sobre os direitos das crianças. Havia desenhos e desejos para todos os gostos. “Todas as crianças têm direito a viver num país com paz”, “a ser felizes”, “a brincar”, a ter “uma casa”, a “água”, “a uma boa alimentação” ou “a comida” ou “a dinheiro” foram os clássicos. Havia também outras frases mais específicas, como todas as crianças terem direito a “tocar flauta”, a “ouvir música”, “a uma festa de anos”, “a uma boa natureza”, “a ir a casa dos avós”, “a ir ao médico” ou “a ir ao parque”. E, claro, havia também algumas de chorar a rir, como “todas as crianças têm direito a um tablet” ou — a minha preferida — “todas as crianças têm direito a comer uma bola-de-berlim na praia”. O meu filho também escolheu uma clássica (“todas as crianças têm direito a um pai e a uma mãe”), ao que eu acrescentaria uma mãe e um pai presentes, que façam parte da vida deles e que não sejam escravos do trabalho.
A verdade faz-nos mais fortes
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É sempre um exercício divertido ouvir o que as crianças têm para dizer. Na escola do meu filho mais velho, a educadora desafiou-os a fazer um desenho sobre o dia da criança, com cada um dos miúdos (de quatro a seis anos) a inventar uma frase sobre os direitos das crianças. Havia desenhos e desejos para todos os gostos. “Todas as crianças têm direito a viver num país com paz”, “a ser felizes”, “a brincar”, a ter “uma casa”, a “água”, “a uma boa alimentação” ou “a comida” ou “a dinheiro” foram os clássicos. Havia também outras frases mais específicas, como todas as crianças terem direito a “tocar flauta”, a “ouvir música”, “a uma festa de anos”, “a uma boa natureza”, “a ir a casa dos avós”, “a ir ao médico” ou “a ir ao parque”. E, claro, havia também algumas de chorar a rir, como “todas as crianças têm direito a um tablet” ou — a minha preferida — “todas as crianças têm direito a comer uma bola-de-berlim na praia”. O meu filho também escolheu uma clássica (“todas as crianças têm direito a um pai e a uma mãe”), ao que eu acrescentaria uma mãe e um pai presentes, que façam parte da vida deles e que não sejam escravos do trabalho.
Vem isto a propósito de algo que até começa a ser debatido na sociedade portuguesa, mas pelo qual há muito ainda a fazer: o equilíbrio entre a vida profissional e a vida pessoal e familiar. É certo que ser jornalista é meio caminho andado para um desequilíbrio entre estas duas facetas, mas não deixa de custar ouvir os pequenos perguntar: “Pai, por que tens de ir trabalhar? Hoje é fim-de-semana.”
Estou muito longe de querer ser um “pai-helicóptero”, a pairar como uma sombra em todos os momentos do crescimento dos meus filhos. Mas estou ainda mais longe de querer acordar um dia destes e perceber que, enquanto eu trabalhava entre turnos e mais turnos, o tempo passou depressa, eles são adultos e já saíram de casa.
O brasileiro Marcos Pianger, um jornalista que passou a dedicar mais tempo às filhas e se lançou nas palestras sobre a importância de os pais estarem presentes na vida dos filhos, escrevia há tempos que “todo o mundo quer mudar de vida”: “Fugir do trânsito, da poluição, da violência, da cobrança do chefe, da crise. Todo mundo quer viver uma vida com significado, mais tempo para os filhos, mais tempo para os amigos, mais lazer. Todo mundo está querendo mudar de vida. Talvez não seja pra gente. Talvez seja.”
Como escrevia também Marcos Pianger, olhamos com admiração para essas pessoas que mudaram de vida, que foram à procura de ser felizes, mas “sentimos medo de voar”. Até ao dia em que paramos para pensar. Aquele domingo em que chegamos a casa e as crianças estão todas de pijama, porque o pai esteve a trabalhar e foi impossível a mãe passear com elas. Aquele concerto ou peça de teatro a que não fomos, porque a mãe estava a trabalhar. As aulas de natação impossíveis, porque os horários dos pais não dão. Ou, ou, ou...
Sou jornalista há quase 19 anos. Fui o que quis ser e aproveitei tudo o que de bom há no jornalismo. Viajei, aprendi todos os dias, conheci pessoas fantásticas, dei notícias, contei histórias, senti-me útil. Fiz e ajudei a fazer ou a pensar trabalhos de que muito me orgulho. Também errei, como toda a gente, o que muito lamento. E claro que ficou muito por fazer.
Aos jovens jornalistas, só posso dizer que se dediquem de corpo e alma a este trabalho intenso, apaixonante, desafiador e enriquecedor. O jornalismo tem ferramentas como nunca teve para contar histórias. Façam a vossa parte e esperemos que quem dirige e gere faça a parte deles, que é perceber que os jornalistas precisam de boas condições de trabalho, que a qualidade implica investimento e que não se faz mais (nem melhor) com menos. E esperemos que, à medida que a crise no jornalismo se adensa, os portugueses percebam também quão importante é ter jornalismo de qualidade.
Para mim, chegou a hora de mudar. Além de ser apaixonante, o jornalismo é também uma profissão muito desgastante, que nos obriga a estar permanentemente alerta, que nos suga tempo e ideias. Cheguei ao ponto do “esgotamento jornalístico”. Quando assim é, a conclusão é fácil: chegou a hora de mudar de vida. E vamos sempre a tempo de mudar, de fazer coisas diferentes, de experimentar outras vidas, como aquelas que um destes dias fizeram partes das nossas notícias ou reportagens. Torno-me agora um entre muitos leitores. São eles a razão de ser do jornalismo e são eles que também podem ajudar a salvar o jornalismo. Eu continuarei a ler, porque continuo a acreditar que precisamos tanto de jornalismo como de oxigénio.