LeBron James: o Rei e o seu legado

Não é apenas o melhor basquetebolista da actualidade. É alguém que vai ficar na história, provavelmente, como o melhor de sempre.

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Qualquer aspirante à imortalidade em qualquer desporto tem de se medir com os que são imortais. Aos 17 anos, LeBron James já tinha de se medir com Michael Jordan. Ele era o “Chosen One” como estava na capa da Sports Illustrated de 18 de Fevereiro de 2002. Repetimos, LeBron James tinha 17 anos. Andava no liceu e era, na terminologia norte-americana, um “junior” (equivalente ao 11.º ano) que já era considerado como o herdeiro de “Air” Jordan, ao ponto de haver equipas que o teriam escolhido logo ali (e até antes) no “draft”. Dizemos só mais uma vez, LeBron James tinha 17 anos quando já olhavam para ele como o “Escolhido”. Mas LeBron nunca se sentiu esmagado pelas expectativas, como tantos outros messias desportivos antes dele.

Em 2018, LeBron James tem 33 anos e as comparações com Jordan, ou com qualquer outro imortal do basquetebol são mais que legítimas. LeBron é o Rei e, durante as próximas quatro temporadas, será o Rei de Los Angeles, numa das mais emblemáticas equipas (de longe a mais glamorosa) da Liga Norte-Americana de Basquetebol profissional (NBA) e de todo o desporto americano. Não foi a opção mais fácil e não é o caminho mais directo para continuar a ganhar anéis de campeão (já lá iremos). Nesta altura, os Lakers nem sequer os melhores da cidade dos anjos e estão no lado mais forte da NBA (Conferência Oeste). Mas LeBron gosta de desafios. Sempre gostou, sempre a controlar o seu próprio destino e sem deixar que outros decidam por ele.

É discutível que LeBron possa já ser considerado o melhor jogador de todos os tempos, que tenha ultrapassado Michael Jordan, o seu alvo declarado. “A minha motivação”, dizia numa entrevista em 2016, “é perseguir um fantasma, o fantasma que jogou em Chicago”. E é altamente provável que LeBron não seja campeão tantas vezes como Jordan (seis títulos, todos nos Chicago Bulls), porque já tem 33 anos, porque ainda só ganhou três e porque a sua escolha lhe limita a possibilidade de ganhar mais a curto prazo.

Essas contas irão fazer-se quando LeBron acabar a carreira, e não é um dado adquirido que o faça quando passarem os quatro anos de contrato com os Lakers. Mas o que ele conseguiu em 15 anos de NBA é, de facto, impressionante. É impossível resumir a carreira de “King” James em números, porque são muitos e LeBron bateu muitos recordes e vai continuar a batê-los. O número mais importante são os três títulos de campeão que conquistou, dois nos Miami Heat (2012 e 2013) um nos Cleveland Cavaliers (2016), mais dois títulos de campeão olímpico com o “Team USA” (2008 e 2012).

É o sétimo marcador de sempre da NBA (31.038 pontos em 1143 jogos), o que dá uma média superior a dois mil pontos por temporada. Mais uma época a este ritmo e pode chegar ao quarto lugar, deixando Jordan (32.292) para trás. Mais quatro épocas assim e chegará ao topo da lista, ultrapassando Kareem Abdul-Jabbar (38.387).

Olhando para a evolução dos seus números com o passar dos anos, é difícil adivinhar quando irá começar a curva descendente. Depois da sua primeira época, nunca baixou dos 25 pontos de média na época regular durante os 14 anos seguintes, e tem o bom hábito de subir a parada quando chega aos “play-off”. Só nas últimas duas temporadas, em que chegou à final, esteve perto de um triplo-duplo e acima dos 30 pontos em ambas, para além de estar em campo o tempo quase todo – no primeiro jogo da final de 2018 com os Warriors, por exemplo, só esteve no banco 28 segundos em 48 minutos possíveis, e num jogo da final da Conferência Este com os Celtics chegou mesmo a estar em campo todos os segundos de todos os minutos.

LeBron James é um jogador difícil de catalogar. Não tem altura de poste (2,03m), mas ganha ressaltos nos dois lados do campo, não tem o corpo típico de um base, mas é sempre ele que lidera a equipa no ataque, e marca pontos de todo o lado, seja atrás da linha de três pontos, em penetrações para o cesto, lançamentos na área restritiva ou em transições rápidas. Será, provavelmente, o jogador mais completo da história do basquetebol e isso está provado com mais três números da sua quase infinita lista de recordes: é o único jogador da história da NBA com mais de 31 mil pontos, oito mil ressaltos e oito mil assistências.

O Escolhido

LeBron Raymone James nasceu a 30 de Dezembro de 1984, em Akron, cidade do estado do Ohio, filho de Gloria, uma adolescente de 16 anos, e de um pai que iria ficar sem nome durante parte da sua vida e que, depois, LeBron iria fazer questão de nunca conhecer. Os seus primeiros cinco anos de vida foram numa casa velha com a família alargada, mas esta casa acabaria por ser demolida porque a família não tinha condições para a manter.

Nos quatro anos seguintes, Gloria e LeBron mudaram 12 vezes de casa, uma existência nómada limitada às zonas pobres de Akron. “Vi drogas, armas e mortes. Foi uma loucura. Mas a minha mãe garantiu sempre roupa e comida”, disse mais tarde LeBron sobre a sua infância. O homem a quem chamava pai, Eddie Jackson (namorado de Gloria), também não era uma presença constante na vida dele – esteve preso várias vezes por diversos crimes, uma delas por tráfico de cocaína.

Na instabilidade que marcou estes primeiros anos, duas coisas foram uma constante para LeBron: a mãe, por quem tem uma devoção incondicional, e o desporto. Depois de mais uma mudança, LeBron estava a brincar à apanhada na rua com outros miúdos quando um treinador de futebol americano juvenil se aproximou do grupo e perguntou às crianças se queriam jogar numa equipa. Os East Dragons, de Akron, seriam a primeira equipa de LeBron, este seria o seu primeiro contacto com a competição, mesmo que entre miúdos de oito anos. E ele era bom. Forte, rápido, competitivo e um gosto especial por marcar touchdowns.

O desporto acabou por ser conduzir LeBron a uma estabilidade que nunca conhecera. Habituado a tantas mudanças, ser atleticamente dotado fixou-o num sítio e numa escola. Quando acabou a época do futebol, começou a do basquetebol e os treinadores e colegas ficaram de boca aberta pela sua habilidade natural para este desporto cujo objectivo final é meter uma bola num cesto mais vezes que o adversário. Foi viver com a família do treinador da escola, por sugestão do próprio, enquanto a mãe fazia o que podia para sobreviver, com empregos ocasionais e a dormir em casa de amigos. Este, admitiu depois, foi o momento da viragem total.

A sua progressão no basquetebol era exponencial. Não era apenas por ser maior que os outros miúdos, mas também pela sua inteligência, capacidade de aprendizagem e, sobretudo, pela capacidade que tinha em saber quais eram os momentos em que podia ser altruísta e os momentos em que ficava com a bola para si, alternar entre ser líder e jogador de equipa. Tudo isto vimos de LeBron nos últimos 15 anos na NBA, mas ele já era assim nos primeiros anos e continuou a ser assim quando passou para o liceu, o St. Vincent-St. Mary, uma escola católica privada em Akron.

A celebridade desportiva de LeBron James começou com a equipa de basquetebol do liceu, os “Fighting Irish”. Rapidamente, o pavilhão da escola tornou-se pequeno para receber os milhares de pessoas que queriam ver o fenómeno e a escola mudou os jogos do basquetebol para o recinto da Universidade de Akron com capacidade para cinco mil espectadores. Vendiam-se bilhetes de época a 200 dólares e os jogos eram transmitidos em directo pela ESPN. Toda a gente queria ver aquele miúdo imparável, já com corpo de NBA, que fazia jogos de 30 e 40 pontos.

Antes de jogar um minuto que fosse como basquetebolista profissional, LeBron James já tinha tudo e já lhe chamavam “King”. Quando fez 18 anos, a mãe pediu um empréstimo de 80 mil dólares para lhe comprar um carro, mas não era um carro qualquer, era um Hummer H2, o monstruoso todo-o-terreno que começou por ser um veículo militar. Gloria tinha dado como garantia para o empréstimo a fortuna que LeBron iria ganhar quando entrasse na NBA. Não iria demorar muito para que este empréstimo fosse pago.

Quando a Sports Illustrated fez a capa do “Escolhido”, muitas universidades andavam de olho nele, mas já estava praticamente definido que ele iria saltar directamente do liceu para a NBA, o que não deixava de ser um risco, tanto para o jogador, como para quem apostasse nele. Kevin Garnett ou Kobe Bryant, ambos entre os melhores de sempre da NBA, eram bom exemplos de prep to pro (do liceal a profissional), mas também aconteciam casos de inadaptação, como o de Kwame Brown, escolhido por Michael Jordan como o futuro dos Washington Wizards, que nunca passou de um jogador medíocre. A partir de 2005, a NBA introduziu uma idade mínima e a obrigatoriedade de passar um ano fora do liceu antes de entrar na NBA com a justificação de “nem todos são LeBron James”.

Pode dizer-se que LeBron James entrou na NBA praticamente sem sair de casa. Por terem sido a pior equipa da NBA no ano anterior (17 vitórias e 65 derrotas), os Cleveland Cavaliers, a única equipa de basquetebol do Ohio, tinha uma boa hipótese de ser a primeira a eleger no “draft” de 2003. Ganhou o sorteio e, a 26 de Junho desse ano, escolheu LeBron, oferecendo-lhe um contrato de 13 milhões de dólares para quatro temporadas, o máximo que se podia oferecer a um rookie. E o que a equipa lhe pagava era apenas uma pequena parte do bolo. As maiores fatias vinham dos patrocínios com a Coca-Cola e com a Nike – dizia-se, na altura, que a marca de equipamento desportivo pagou a este LeBron inexperiente 90 milhões de dólares, tanto quanto pagou a Michael Jordan nos seus melhores anos.

LeBron só teve de viajar cerca de 60 quilómetros para norte, para uma cidade que olhava para ele como um messias desportivo. Cleveland já não ganhava nada desde 1964 em nenhuma das grandes ligas profissionais do desporto norte-americano. E os Cavaliers, apesar de algumas boas equipas do passado (sobretudo uma de 1992, que foi afastada da final pelos Bulls de Jordan), estava na sua pior fase de sempre, vários anos seguidos sem ir ao play-off e com as suas piores assistências de sempre.

Jordan tinha deixado (de vez a NBA) poucos meses antes, depois de cumprir duas épocas como jogador presidente dos Washington Wizards, e a NBA também precisava do seu messias. Já tinha Kobe em afirmação desportiva plena, mas aquele que viria a ser conhecido como o “Black Mamba” enfrentava acusações de assédio sexual e não preenchia todos os quesitos exigidos pela NBA para a liderar na era pós-Jordan. LeBron teve um impacto imediato, tanto nos Cavaliers, como no basquetebol norte-americano.

Mas com tudo o que deu à NBA, LeBron James levou bastante tempo até receber aquilo que mais queria, um título. Até Darko Milicic, o sérvio que foi escolhido no draft de 2003 na segunda posição e considerado como um dos grandes falhanços da NBA, conseguiu ser campeão antes dele. Nos sete primeiros anos em Cleveland, só por uma vez (2007) conseguiu chegar à final, mas seria arrasado pelos San Antonio Spurs em quatro jogos.

Por melhor que fosse, LeBron não conseguia ter uma equipa à altura e, em 2010, mudou de estratégia. Mudou-se para a Flórida e para os Miami Heat (a “decision” foi anunciada na televisão), juntando-se a mais duas “estrelas” no auge das suas capacidades, Chris Bosh e Dwyane Wade. Os adeptos dos Cavs levaram a mal, queimando camisolas de LeBron, e a sua imagem sofreu alguns danos com esta traição, mas o plano deu frutos. Nas quatro temporadas em Miami, chegou sempre à final e conquistou dois títulos, mas ele confessou várias vezes que não gostava de ser o vilão. Preferia ser o herói.

Com dois anéis de campeão nos dedos, LeBron sentiu que já tinha margem de manobra para voltar a casa e foi o que fez em 2015, regressando aos Cavaliers, anunciando de forma bastante emocional que queria ganhar títulos em casa e, provavelmente, terminar a carreira na equipa que fora a sua porta de entrada na NBA. Continuou a ir às finais nos quatro anos seguintes, mas bateu de frente com os Golden State Warriors e, nas quatro decisões contra Steph Curry e companhia, só ganhou mais uma vez (2016). Com a sensação de dever cumprido e com a frustração dos títulos perdidos (perdeu a última final por 4-0), LeBron estava mais que legitimado na sua vontade em voltar a mudar de cidade e, quando se soube que ia para os Lakers, já não houve camisolas 23 a serem queimadas nas ruas de Cleveland.

O Rei

De cada vez que LeBron James decidiu mudar de equipa, montou-se um circo mediático à volta dele. Quando se mudou de Cleveland para Miami, a decisão foi anunciada num programa de televisão, o regresso a Cleveland foi revelado num texto publicado na Sports Illustrated. Mas a ida para a Califórnia foi revelada de uma forma bem mais discreta, um comunicado do seu agente divulgado nas redes sociais durante as primeiras horas após a reabertura do mercado dos free agents e numa altura em que ainda se especulava sobre o seu possível destino – Los Angeles era apenas um entre muitos e a internet explodia com cada rumor a citar “fontes próximas” que o colocavam em Filadélfia, ou que já tinha apanhado um avião para o Texas, com destino a Houston ou San Antonio.

LeBron James vai ficar mais perto de Hollywood e nem vai passar o Verão à procura de casa – já lá tem duas e era onde morava na offseason da NBA. E, pela primeira vez desde que chegou à NBA, vai jogar numa equipa da Conferência Oeste, que é o lado mais competitivo da liga, onde moram os Warriors, os Rockets ou os Spurs. Se tivesse ficado em Cleveland, ou tivesse optado por uma das equipas em ascensão do Este, como os Celtics ou os Sixers, era quase garantido que LeBron iria às finais pelo nono ano consecutivo. Mas vai para os Lakers, a segunda equipa com mais títulos de campeão (16, sendo que os primeiros cinco foram obtidos em Minneapolis), mas que falhou os play-off nas últimas cinco temporadas (e com o miserável registo na época regular de 126 vitórias e 284 derrotas), condenada à irrelevância desde que Kobe Bryant se retirou.

Se fosse só para ganhar, LeBron teria escolhido outro destino, mas escolheu LA com a plena consciência de que terá todo o poder para construir uma equipa à sua medida, como fez duas vezes em Cleveland ou uma em Miami. É provável que não seja já, e é provável que nem sequer consiga chegar à final lá para Abril de 2019, algo que, com Heat e Cavs, conseguiu nas últimas oito temporadas consecutivas.

Os Lakers são uma equipa habituada a ter “estrelas” e ao showtime, Wilt Chamberlain, Kareem Abdul-Jabbar, Magic Johnson, Shaquille O’Neal, Kobe. Todos marcaram uma era nos Lakers e todos têm o seu número retirado – Kobe tem dois, o 8 e o 24. Se acontecer o mesmo ao número 23 de LeBron, saberemos que a experiência californiana correu bem. Muito dependerá do star power de LeBron e da sua capacidade para convencer outras “estrelas” a juntarem-se a ele no sol na Califórnia, e dos Lakers, que têm “Magic” Johnson (um dos melhores basquetebolistas de sempre) como director-executivo, e da sua habilidade de construírem uma equipa à volta da sua nova “estrela” sem ultrapassarem o tecto salarial imposto pela NBA.

LeBron é mais que um dos desportistas mais conhecidos e bem pagos do mundo. Mas também um homem com coisas para dizer e, neste aspecto, já foi mais longe que Michael Jordan, que raramente (nunca?) subiu a voz em questões sociais e muito menos assumiu publicamente posições políticas, e, neste sentido. LeBron é uma das excepções entre as “estrelas” do desporto a assumir que não gosta de Donald Trump (votou em Hillary Clinton, tal como já tinha votado em Barack Obama), tendo apoiado a decisão dos campeões Warriors e do seu amigo Steph Curry (que também é um rapaz de Akron) de não fazerem a tradicional visita ao Presidente norte-americano da Casa Branca. E, de caminho, chamou “bum” (vadio) a Trump.

Isto também é parte do legado de LeBron James, o miúdo a quem chamaram Rei a partir do momento em que começou a jogar basquetebol. Ele é uma voz importante pela igualdade na América. “Por mais dinheiro que se tenha, ou por mais famoso que se seja, ou por mais admiradores que se tenha, é difícil ser negro na América. Como sociedade, ainda nos falta muito caminho a percorrer para que os afro-americanos sintam que há igualdade na América”, dizia LeBron após terem pintado insultos racistas na parede da sua casa.

Com todo o dinheiro que tem e com todos os seus múltiplos investimentos - que vão da produção de filmes e de séries de televisão a uma participação no Liverpool, um dos clubes históricos da Premier League inglesa -, LeBron não se esquece de onde veio e dos seus primeiros anos de nómada a viver no limiar da pobreza. Tem uma fundação que atribuiu bolsas de estudo a jovens de Akron e contribuiu regularmente para ONG que ajudam crianças de famílias desfavorecidas. Também por isto, ele é o Rei.