A magia das borras de café
Cientistas dinamarqueses transformam borras de café em proteína em pó com sabor umami (o quinto sabor), que pretende revolucionar a alimentação sustentável.
“O contentor azul é o ‘Verão’, o contentor amarelo é o ‘Outono’”, diz Tobias Lau, apontando para os dois contentores instalados no parque de estacionamento da empresa de biotecnologia dinamarquesa Novozymes, em Bagsværd, não muito longe da capital da Dinamarca, Copenhaga.
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“O contentor azul é o ‘Verão’, o contentor amarelo é o ‘Outono’”, diz Tobias Lau, apontando para os dois contentores instalados no parque de estacionamento da empresa de biotecnologia dinamarquesa Novozymes, em Bagsværd, não muito longe da capital da Dinamarca, Copenhaga.
Quando Tobias Lau abre a porta amarela, sai imediatamente um vapor frio, evocando memórias de um dia chuvoso de outono. É um contraste impressionante com o sol brilhante da Primavera que envolve o parque de estacionamento numa luz branca.
“Isto tudo é para criar as condições ideais de crescimento para os nossos cogumelos e, como pode ver, funciona muito bem”, diz Tobias Lau, ao entrar.
Ao longo das paredes, há sacos plásticos pretos cheios até à borda com borras de café. Aglomerados do cogumelo shimeji-preto prontos para o consumo crescem nas paredes laterais. Tobias Lau, que fez uma parceria com Thomas Harttung, co-fundador da empresa fornecedora de alimentos biológicos Aarstiderne, para criar a empresa Beyond Coffee (muito além do café) em 2016, parte um cogumelo. “Experimente uma amostra”, diz.
O cogumelo tem um sabor fantástico e uma consistência perfeita. No entanto, os entusiastas de gastronomia não são os únicos que se interessaram por esta forma não tradicional de cultivar cogumelos. O solo foi substituído por borras de café, que vêm de alguns dos melhores restaurantes de Copenhaga.
Uma equipa de cientistas liderada por Lene Lange, professora da Universidade Técnica da Dinamarca (DTU), estuda o projecto Beyond Coffee, que é financiado por uma bolsa do Fundo de Inovação da Dinamarca. Não são os fungos que os fascinam. Em vez disso, eles estão mais interessados no micélio – a grande rede de hifas brancas que crescem sob as borras do café.
O micélio é uma mina de ouro de proteínas e os cientistas estão ansiosos para recolher as proteínas e convertê-las num pó que pode enriquecer todos os tipos de rações e alimentos, tanto em conteúdo de sabor quanto em proteína.
Naquele, Tobias Lau preparava-se para visitar os seus novos associados na DTU. Para isso, pega numa bolsa repleta de cogumelos shimeji-preto com um gancho de talho para pendurar carne e prende-a ao tecto da pequena carrinha de entregas, estacionada perto do contentor. O destino é a universidade.
“Quando derrama água a ferver sobre os grãos de café esmagados e extrai o sabor, você usa apenas 0,2% de sua biomassa total. Nós usamos os restantes 99,8% para cultivar alimentos sob a forma de shimeji-preto. Mas os corpos frutíferos que emergem do saco são apenas a ponta do icebergue. O micélio é um recurso inexplorado, e gostaríamos de pôr as mãos nele antes que as borras de café enriquecidas pelos cogumelos acabem ou antes que sejam usadas como fertilizantes ou enviadas para uma instalação de biogás ou uma incineradora”, diz Tobias Lau.
No laboratório na DTU, Bo Pilgaard, estudante de doutoramento, é encarregado de abrir o saco. Uma vez expostas, as borras de café revelam uma miríade de hifas brancas. Pilgaard começa a esgravatar as borras de café, que parecem solo seco, e esfarela-as sobre uma bandeja de papel laminado. Humedece as borras de café com água da torneira e coloca a bandeja num saco plástico hermeticamente fechado.
“Agora a bandeja tem de ficar num ambiente de aquecimento, ajustado para 17 graus Celsius, e depois de uma semana teremos uma camada espessa e branca de micélio repleta de proteínas”, diz Bo Pilgaard.
Como nos programas de culinária, preparou o resultado final com antecedência. Ao seu lado, está uma bandeja semelhante, que parece conter um bolo. “Estamos muito perto da linha de chegada com nosso projecto-piloto. Se secássemos a camada branca de micélio na bandeja e a amassássemos, obteríamos um pó de proteína com sabor umami”, diz Lene Lange. O professor acredita que o pó de proteína poderia ser usado para melhorar o sabor da carne feita a partir de vegetais.
“A nossa ambição com o pó de proteínas sustentável é produzir produtos alimentícios, como sopas, bebidas saudáveis, molhos, pão, coberturas de pizza mais saborosos do que qualquer outra coisa que já comeu”, explica Lene Lange. Por essa razão, os cientistas já fizeram uma parceria com Matt Orlando, chef e proprietário do restaurante dinamarquês Amass, que vai fazer experiências para descobrir se o novo pó de proteínas pode ser mesmo usado para criar pratos deliciosos.
Geralmente, demora muito tempo para que novas descobertas científicas comecem a ser aplicadas no dia-a-dia mas Lene Lange é optimista. “Quando formos aprovados pelas autoridades alimentícias, gradualmente começaremos a distribuir o nosso produto aos consumidores. Graças à nossa colaboração com a Beyond Coffee, temos uma plataforma que nos permite alcançar os dinamarqueses motivados a experimentar coisas novas”, conta.
“Se quisermos ter alguma esperança de alimentar o crescente número de pessoas no nosso planeta, que passa por dificuldades, precisamos encontrar maneiras melhores de aproveitar ao máximo os nossos recursos. Nesta luta, os cogumelos são vitais.”
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