Números sobre VIH são "positivos", mas há que continuar a trabalhar
Portugal já ultrapassou duas das três metas definidas pela OMS para o combate ao VIH/sida. Mas é preciso que a resposta à epidemia "não seja vítima dos sucessos" que já se alcançaram.
Portugal alcançou duas das três metas 90-90-90 propostas pela ONUSIDA. Nomeadamente, o diagnóstico de 91,7% dos infectados com VIH e a carga viral indetectável em 90% dos infectados em tratamento. Todos os dados se referem a 2016. O anúncio foi feito esta quinta-feira durante a apresentação do relatório do programa nacional para a infecção VIH/sida.
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Portugal alcançou duas das três metas 90-90-90 propostas pela ONUSIDA. Nomeadamente, o diagnóstico de 91,7% dos infectados com VIH e a carga viral indetectável em 90% dos infectados em tratamento. Todos os dados se referem a 2016. O anúncio foi feito esta quinta-feira durante a apresentação do relatório do programa nacional para a infecção VIH/sida.
Porém, é preciso "questionar se a resposta à sida não corre o risco de ser vítima dos sucessos que já alcançou". Quem o diz é Kamal Mansinho médico infecciologista no Hospital Egas Moniz e um dos primeiros a tratar doentes com VIH em Portugal quando ainda nem se sabia bem o que era a doença. Com os avanços, diz o médico, "desenvolve-se a percepção de que a epidemia já não é nem tão grave, nem tão importante, nem tão urgente".
O médico relembrou ainda os avanços conseguidos desde os primeiros casos, em 1983, quando reinava a "inquietação e a incerteza", passando pelos momentos de activismo político, até à "revolução" dos medicamentos anti-retrovirais que fizeram com que a doença passasse a um problema crónico.
Também Isabel Aldir, actual coordenadora do programa nacional para a infecção de VIH, sida e tuberculose, reconheceu que "tudo o que conquistámos até agora é facilmente hipotecado se houver um desaceleramento em algumas das estratégias, quer em termos de diagnóstico, quer em termos de luta contra o estigma, quer em termos de prevenção de novas infecções".
O coordenador do programa nacional para a infecção de VIH, sida e tuberculose até Junho de 2016, António Diniz, diz que os dados são "positivos" e que os números apresentados em relatórios anteriores já evidenciavam esta tendência. Mas lembra que "o mais difícil" vai ser passar dos 90% e chegar aos 95% em todos os indicadores propostos pela ONUSIDA.
"Não é para desvalorizar o que está feito", sublinha o infecciologista António Diniz. Porém, "a partir de agora, vai ser preciso mais investimento e mais conhecimento". "Não podemos adormecer à sombra destes resultados."
Já a proporção de diagnósticos tardios é uma preocupação para o médico. E para isto, diz, "não se encontra uma justificação linear".
Para Luís Mendão, presidente do GAT, o mais preocupante é a dimensão da epidemia em Portugal. E se atingir os 90% nestas metas é algo que também considera positivo, é aquilo que os outros 10% representam em termos absolutos que o deixa mais apreensivo. "A epidemia em Portugal é muito maior do que nos outros países." O activista dá como exemplo a Grécia, onde há 15 mil pessoas diagnosticadas. Em Portugal são 57 mil.
Há dois grupos que preocupam particularmente Luís Mendão: os mais jovens e os mais velhos. No caso das novas infecções entre os mais novos, "parte da explicação pode ter a ver com não terem visto morrer amigos e familiares próximos e por isso não terem a mesma urgência em proteger-se". Entre aqueles que têm mais de 50 anos, a explicação pode ter a ver com os números de novas infecções entre as mulheres, que "depois da menopausa ficam mais vulneráveis", mas também com a generalização de acesso a medicamentos como o Viagra, "que tornam a vida sexual mais longa e intensa".
Maria Eugénia Saraiva, presidente da Liga Portuguesa Contra a Sida, concorda que é "preciso levar mais informação aos mais novos e aos mais velhos". Há que apostar em maior "literacia" em saúde. Outro dos aspectos que a responsável considera crucial é "a luta contra o estigma" que por vezes impede que as pessoas procurem conhecer o seu estatuto serológico.
Quase um terço morreu
O relatório explica ainda o que aconteceu com os 12 mil casos de notificações às quais se tinha pedido o rasto. Quase um terço morreu, outros tantos estão a ser acompanhados mas não se sabia, 19% terão abandonado o acompanhamento depois do diagnóstico e 20% não foram identificados. O trabalho de actualização dos dados referentes ao período entre 1983 e 2016 começou no final do ano passado depois de se constatar "a existência de um número elevado de doentes, cujos casos de infecção por VIH haviam sido notificados no passado, sem registo de notificação de óbito nem evidência de se encontrarem em seguimento nas diferentes instituições hospitalares".
Nos últimos anos, registou-se uma "inquestionável tendência de diminuição dos novos casos de infecção por VIH". O decréscimo prende-se, diz Isabel Aldir, com a descriminalização do consumo de drogas, os programas de trocas de seringas, a distribuição de preservativos, o tratamento no momento do diagnóstico e, mais recentemente, a profiláxia pré-exposição (PrEP) — até 30 de Junho, existiam 50 pessoas a fazer o tratamento profiláctico e 74 pedidos reservados.
Mas nem tudo é perfeito. O número de casos diagnosticados em 2017 é superior aquele que foi reportado no mesmo relatório do ano passado. São 886 novos infectados quando em 2016 foram anunciados 841 (valores depois revistos em alta para 1030 casos pela Organização Mundial de Saúde).
O perfil dos novos infectados mantém-se mais ou menos estável. A maioria continuam a ser homens (71,4%) e heterossexuais (60,6%). As mulheres são cerca de um terço (28,6%) e os homens homossexuais são 36,9%. Os diagnósticos tardios ainda acontecem em 53,2% dos casos detectados. E 142 das novas infecções já são casos de sida.
Quanto às idades, há 23,5% dos diagnósticos feitos entre os 15 e os 29 anos. Em 47,1% dos novos diagnósticos os doentes têm entre 30 e 49 anos. Os restantes 28,9% dos casos foram detectados entre quem tem mais de 50 anos.