Regulador diz que pôr empresas a pagar taxa do subsolo é litigância “quase certa”
Estudo confirma que a medida do OE 2017 que prevê que deixem de ser os consumidores a pagar a taxa de ocupação do subsolo aos municípios vai afectar o equilíbrio económico-financeiro das concessionárias de gás natural.
Não há soluções fáceis para resolver o problema da taxa de ocupação de subsolo (TOS). A avaliar pelo estudo da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) sobre o impacto para as distribuidoras de gás natural de passarem a ser estas empresas, e não os consumidores, a suportar esta taxa que é cobrada por alguns municípios, a escolha, no quadro actual, será entre manter um “custo incomportável” para alguns clientes ou arriscar a litigância com empresas como a Galp e a REN.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Não há soluções fáceis para resolver o problema da taxa de ocupação de subsolo (TOS). A avaliar pelo estudo da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) sobre o impacto para as distribuidoras de gás natural de passarem a ser estas empresas, e não os consumidores, a suportar esta taxa que é cobrada por alguns municípios, a escolha, no quadro actual, será entre manter um “custo incomportável” para alguns clientes ou arriscar a litigância com empresas como a Galp e a REN.
O Orçamento do Estado para 2017 veio determinar que a taxa de ocupação do subsolo (conhecida por TOS) é paga “pelas empresas de infra-estruturas”, não podendo ser reflectida “na factura dos consumidores”. Esta disposição orçamental ainda não saiu do papel e também não é certo em que moldes o fará.
O estudo que o Governo pediu à ERSE para determinar o impacto desta medida no equilíbrio económico-financeiro das concessionárias de gás natural (essencialmente empresas do universo Galp, mas também a REN, que recentemente comprou os activos à EDP) conclui que, “caso as TOS passem a não ser repercutidas [pelas empresas nas facturas dos consumidores], o equilíbrio económico-financeiro de vários operadores de rede de distribuição será posto em causa a médio prazo”. Isso inviabilizará novos investimentos e “porá em risco” a segurança do sistema nacional de gás natural, “tanto técnica, como económica”, avisa a entidade reguladora na análise divulgada recentemente.
Além disso, como as empresas viram garantidos nos seus contratos de concessão – aprovados em 2008, no primeiro Governo de José Sócrates, com Manuel Pinho com a pasta da energia – o direito a recuperarem estes custos através das facturas dos consumidores de gás natural, a ERSE alerta ainda que “estando a possibilidade de repercutir [nas tarifas] expressamente prevista” nos contratos de concessão e licenças, “o risco de litigância contra o Estado concedente é elevadíssimo e a demanda para o reequilíbrio económico-financeiro dos contratos afigura-se quase certa”.
Se os conflitos com as empresas à luz das alterações previstas no OE 2017 prometem ser uma dor de cabeça, o actual quadro regulamentar da TOS também “é um factor desestabilizador do sector do gás natural”, que cria “fortes distorções económicas”. Por isso a entidade reguladora considera “oportuno rever o actual quadro legislativo de cálculo e aplicação da TOS”, para “garantir a sustentabilidade económica do sistema” e “não pôr em causa a estabilidade e a uniformidade tarifária”.
Segundo a ERSE, no quadro actual, em que são 47 os municípios que cobram a TOS, “os impactes maiores” da medida “verificar-se-iam na Lisboagás, na Dianagás e na Setgás”, empresas do grupo Galp. Num cenário em que todos os municípios passassem a fazê-lo (um cenário que a ERSE considera provável, visto que deixariam de ser os munícipes a suportar o encargo), “os maiores impactes verificar-se-iam na REN Portgás Distribuição [antiga EDP Gás] e na Lusitâniagás”, esta última também do grupo Galp.
Além de considerar expectável que a generalidade dos municípios passe a cobrar a taxa do subsolo se esta sair da factura, a ERSE também nota que o mais certo é que o valor da taxa aumente.
Valores a subir desde 2011
Se nem todos os municípios cobram a TOS, entre os 47 que o fazem há uma grande divergência de valores que se prende essencialmente com necessidades de receita definidas por cada um (a lei não impõe às autarquias nem limites, nem uma metodologia única para a definição da taxa e cabe depois à ERSE definir a forma como se reflecte na tarifas).
Notando que os valores têm estado em crescimento desde 2011 (quando apenas 17 autarquias cobravam a taxa), a ERSE diz que estão em causa, em termos médios, montantes de 8,6 euros para clientes domésticos com consumos típicos (cerca de 10,8% do valor da factura). No caso dos clientes empresariais (que são o grosso dos afectados, visto que o consumo doméstico representa apenas 7% do total), o encargo pode chegar aos 734 euros mensais (4,7% da factura final).
Segundo cálculos efectuados pelo PÚBLICO em 2017, tendo como base os clientes domésticos, a TOS podia variar entre os oito euros cobrados em Cascais e os três cêntimos cobrados na Figueira da Foz.
O OE 2017 não só pretende passar estes custos anuais para as empresas, como também os valores que resultam de litígios antigos entre as concessionárias e vários municípios (as empresas contestaram as taxas em tribunal e foram condenadas a pagá-las, mas depois as alterações legislativas permitiram-lhes passar o custo para os consumidores).
De acordo com o estudo da ERSE, em 2016 os operadores de rede pagaram aos municípios cerca de 19,5 milhões. É este valor que a reguladora está obrigada a considerar nas tarifas de gás natural do ano seguinte para que as empresas o recuperem, sendo que os preços finais pagos pelos clientes também devem incluir parcelas dos pagamentos já feitos pelas empresas às autarquias relativos a dívidas de anos anteriores, resultantes de decisões dos tribunais (a proporção são pelo menos quatro anos para cada ano de TOS em dívida). Em 2016, este saldo era de 52 milhões de euros para o conjunto das empresas.