5 exposições a não perder no PHotoEspaña
Entre um mar de exposições (a maior parte das quais pode ser vista até final de Agosto) o PHotoEspaña, a comemorar o XX.º aniversário, guarda algumas pérolas.
O país dos sovietes longe de casa
Não há outra forma de o dizer: El siglo soviético: fotografía rusa del Achivo Lafuente (1917-1972) é uma das exposições mais imponentes do festival. Não estamos a falar de uma imponência de escala das imagens, mas de uma riqueza visual e documental espantosas, tendo em conta a quantidade (e tantas vezes a qualidade) de registos através dos quais é possível viajar desde a Revolução de 1917 até aos julgamentos de Nuremberga (1945/46), passando pela construção do regime soviético e pelo retrato dos artistas de vanguarda que haviam de fundar ou marcar boa parte das correntes artísticas mais influentes do século XX.
Os fotógrafos representados captaram um pouco de tudo no agitado século soviético, desde multidões, reuniões, manifestações, desfiles, fábricas, guerras, os sinais da política estalinista de industrialização e colectivização agrárias, a II Guerra Mundial e a vida quotidiana. Há também exemplos dos famosos apagamentos das fotografias de figuras incómodas ao regime, casos de controlo milimétrico da imagem que o poder queria transmitir. Comprada nos anos 70 a um galerista americano por um coleccionador espanhol focado na fotografia europeia de todo século passado, esta colecção surpreende também pela quantidade de provas vintage e objectos relacionados com os fotógrafos que as captaram. Para enriquecer ainda mais este espólio, quase todas as fotografias expostas têm no verso a assinatura dos autores bem como descrições precisas sobre local e circunstância do registo. Entre os nomes que mais surpreendem está o de Georgi Zelma.
Convite para entrar no quarto escuro
Ao entrarmos na sala com chão de ripas de madeira a ranger que habitualmente recebe as exposições do PhotoEspaña no Museu Cerralbo, temos a sensação de estar numa divisão da casa até então secreta, muito íntima. Os trabalhos de Carmen Calvo (Valência, 1950) que se estendem pelas paredes, retratos antigos encontrados em feiras da ladra ampliados a um ponto capaz de atemorizar, transformam aquele lugar num espaço habitado não pela memória daquelas figuras, mas pela presença da autora e de todos os seus fantasmas. Em Quietud e Vértigo a artista espanhola apropria-se de imagens para as descontextualizar, e tomá-las como suas, pintando-as, arranhando-as, cravando-lhes os mais variados objectos (cruxifixos, máscaras antigas, pregos…), num exercício que faz lembrar o de uma expiação. Escreve a comissária Oliva María Rubio: Carmen Calvo contruiu um mundo complexo e misterioso não isento de humor e de ironia, onde o feminismo e a crítica social, moral e religiosa se cruzam e onde é uma constante a interrogação sobre as formas de comportamento e de relação entre os seres humanos.” A acrescentar à força destas imagens que parecem ter existido sempre assim, Calvo inventa legendas que adensam ainda mais o ambiente: “A minha alma está cansada da vida”; “Não consigo distrair-me com a especulação metafísica”; “A mesma ambiguidade e o original”; “A pintura vai deixá-la louca”. Uma das melhores exposições do festival.
Horacio Fernández de regresso às lides do fotolivro
Para se chegar lá, é preciso percorrer vários corredores de uma cave labiríntica da Biblioteca Nacional de Espanha. O esforço de orientação e a sensação de estar perdido (apesar de todas as setas), é compensado assim que se chega à pequena exposição dedicada a um campo onde a fotografia e a poesia se encontram frequentemente: nas páginas de um livro. Um dos dinamizadores da mostra é Horacio Fernández, crítico, curador, professor e primeiro comissário-geral do PHotoEspaña, suspeito do costume em tudo quanto se relaciona com fotolivros. Depois de se ter dedicado à organização de publicações fotográficas que se focaram em Nova Iorque e de ter erguido uma exposição em Barcelona que problematiza o fenómeno desta área editorial (só para citar os seus mais recentes trabalhos na área), desta vez, com a ajuda do escritor Juan Bonilla, Fernández procurou e isolou alguns dos melhores exemplos de livros ibero-americanos que fundem “a mais poética das artes visuais com o mais fotogénico dos géneros literários”, desde o princípio do século XX até aos nosso dias. Neste labor foram incluídos títulos com diferentes graus de mestiçagem, casos de fotografias que convertem em fotonovela um poema; poemas que invadem as fotografias; fotógrafos que fazem antologias poéticas; poemários fotográficos; fotografias poéticas; conjuntos fotográficos em que os versos não passam de legendas.
Entre conhecidos e desconhecidos
Cumprindo a tradição de apresentar algumas das melhores exposições do festival voltadas para espaços mais pequenos, a Fundación Loewe — que nos faz passar primeiro pelo requinte das roupas desta marca espanhola — juntou este ano dois nomes essenciais para o conhecimento e entendimento da profunda transformação urbana e sociopolítica de Nova Iorque entre as décadas de 60 a 80: Peter Hujar (1934-1987) e David Wojnarowicz (1954-1992). Um espólio vindo de uma colecção privada juntou-se a obras depositadas no Hujar Archive para uma exposição de cerca de 60 trabalhos de dois nomes que abraçaram de forma apaixonada a vida cultural do seu tempo. Ainda que bem recheada de retratos de personalidades bem conhecidos da cena artística (Merce Cunningham e John Cage, Susan Sontag, naquela que uma das suas imagens para conhecidas em que aparece estendida de costas numa cama, Andy Warhol…), a dupla não ficou encandeada pelo brilho destas estrelas, afirmando-se noutros territórios como a da paisagem, o da ruína urbana ou o dos animais. Hujar, um técnico exímio que imprimiu de forma irrepreensível todo o seu trabalho, gostava de fotografar nus masculinos, imagens que fizeram dele um dos primeiros defensores da liberdade de expressão relacionada com a identidade sexual. Nas suas viagens e estadias em Nova Iorque, Wojnarowicz concentrou-se sobretudo nas franjas que viviam estigmatizadas pela sociedade. Para além de obra fotográfica deixou, filmes, pintura e escritos.
Juntar a iconografia e a iconoclastia
O panorama expositivo das dezenas de galerias que animam o Festival Off durante o PHotoEspaña não se mostrou este ano particularmente dinâmico, nem trouxe propostas especialmente estimulantes. Um panorama pobre, tirando um punhado de espaços, como a galeria da La Fábrica, com obras de Xavier Miserachs, a Galeria Juana de Aizpuru, com um novo trabalho de Cristina de Middel, ou a Galeria Silvestre, que conta com um grande leque de artistas portugueses e que, desta vez, mostrou o trabalho de Catarina Botelho, Tercer Paisaje, que aborda a transformação dos espaços urbanos num contexto de precariedade laboral e habitacional. Uma das propostas mais interessantes veio da Galeria Camera Obscura, através de Javier Viver, escultor, fotógrafo designer e editor de fotolivros, autor cujo trabalho propõe “um debate entre a iconografia e a iconoclastia como meio de aparição invisível” (Carlos Aguilera). Partindo do livro Révélations, com vários prémios em 2016, que analisava os usos dos registos visuais do hospital psiquiátrico La Salpêtrière, em Paris, Viver propõe agora uma versão expositiva desse sensível corpo de trabalho. Em Archivo de lo Inclassificable o artista relaciona diferentes imagens daquele espólio para construir dípticos e trípticos, que revelam como o corpo era escrutinado à procura de sinais que pudessem explicar a condição dos doentes. Para além das imagens, Viver reconstruiu alguns dos moldes tirados aos rostos e a outras partes do corpo de doentes. A “Iconografia de La Salpêtrière” (1875-1918) é um dos primeiros arquivos fotográficos conhecidos de psiquiatria clínica.