Obama vê nas alterações climáticas um “gatilho” para novos conflitos no mundo
O ex-presidente dos Estados Unidos passou pelo Porto para deixar um retrato sombrio sobre as mudanças do clima e os seus impactes nas democracias e na paz. Mas deixou também um leque de soluções que toleram a esperança
A falta de água nas zonas mais áridas da Síria forçou o êxodo das populações rurais e contribuiu para a interminável guerra civil; anos sucessivos de “seca extrema” na América Central forçam milhões de pessoas “desesperadas, sem comida para os filhos, a tentar a sua sorte” nos Estados Unidos; na África subsaariana, as mudanças do clima estão a forçar a migração de milhões de pessoas para cidades sobrepovoadas ou para a fronteira sul do Mediterrâneo que lhes permite sonhar com uma passagem para a Europa. O ex-presidente Barack Obama citou estes exemplos esta sexta-feira no Climate Change Leadership, que decorreu no Porto, não apenas para descrever um presente perturbador, mas como um aviso para um futuro ameaçador. “As alterações climáticas são o gatilho cada vez mais frequente para os conflitos no mundo”, disse.
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A falta de água nas zonas mais áridas da Síria forçou o êxodo das populações rurais e contribuiu para a interminável guerra civil; anos sucessivos de “seca extrema” na América Central forçam milhões de pessoas “desesperadas, sem comida para os filhos, a tentar a sua sorte” nos Estados Unidos; na África subsaariana, as mudanças do clima estão a forçar a migração de milhões de pessoas para cidades sobrepovoadas ou para a fronteira sul do Mediterrâneo que lhes permite sonhar com uma passagem para a Europa. O ex-presidente Barack Obama citou estes exemplos esta sexta-feira no Climate Change Leadership, que decorreu no Porto, não apenas para descrever um presente perturbador, mas como um aviso para um futuro ameaçador. “As alterações climáticas são o gatilho cada vez mais frequente para os conflitos no mundo”, disse.
Recebido como uma estrela pop na sua entrada no Coliseu do Porto, Barack Obama não desiludiu as expectativas das muitas centenas de pessoas que o aguardavam. Entrevistado por Juan Verde, que foi seu consultor para as alterações climáticas, Obama produziu uma leitura dos impactes do aquecimento global na política e na geopolítica mundial que, não tendo grandes novidades, acabou por ser eficaz. E foi-o pela densidade da sua leitura do problema e pela lógica com que enquadrou as mudanças do clima na geração de uma nova ordem política que dispensa o multilateralismo, despreza os factos e a ciência e promove o retorno dos vírus do proteccionismo e do nacionalismo. E também porque deixou à plateia caminhos que podem, ao menos, mitigar as consequências do problema.
Se no diagnóstico Obama é pessimista, a terapia que propõe é esperançosa. “Tecnicamente há respostas para aumentar a produtividade da agricultura em África em 35%”, a ciência consegue respostas ao nível da energia que reduzem as emissões e, em última instância, o ex-presidente deposita uma confiança optimista na natureza humana. “Eu viajo muito pelo mundo e vejo que a maior parte das pessoas são decentes e justas”, disse, notando logo a seguir uma especial confiança nos jovens: “Os jovens têm uma visão para o mundo”, são “mais tolerantes”, sensíveis às questões do ambiente, “sofisticados”, habituados a experimentar “diferentes culturas”, seja pela comida ou pela música. Para os mobilizar, há apenas que lhes dizer: “vão em frente”. Obama ficou com essa certeza na sua primeira eleição, quando uma campanha de voluntários jovens lhe garantiu a presidência, mostrando que “eram melhores do que o establishment político”.
Para accionar todas estas energias a favor de um combate mais efectivo às condições climáticas, o mundo actual tem de superar dramas políticos. “Há duas visões do mundo que competem entre si”, notou Obama. Uma que acredita na abertura da globalização e no poder das organizações multilaterais, como a ONU, para dar respostas globais a problemas globais como os das alterações climáticas; outra que olha para os desafios como sendo criações externas e encara a política multilateral “com suspeição”. Entre estas duas visões, ergueu-se um muro que não separa apenas países, mas as próprias sociedades das democracias liberais, como a dos Estados Unidos. Obama, como se sabe, é um fervoroso defensor do Acordo de Paris (“Infelizmente o meu sucessor não concorda comigo”, ironizou) porque considera que o drama das alterações climáticas “transcende as fronteiras nacionais”.
Se há divergências sobre as formas de travar o aquecimento do planeta (e até sobre a sua factualidade) é porque nas democracias começou a escassear “um espaço para o compromisso”. Entre os que reclamam medidas políticas para reduzir as emissões de CO2 e os que afirmam estar em curso “uma conspiração dos ambientalistas” que acusam os “cientistas de estar errados”, há cada vez menos pontes de diálogo. Procurar esse espaço de tolerância para obter compromissos básicos “tem sido uma das matérias sobre as quais mais tenho pensado”, disse Obama. Mas, para já, não encontra resposta para as atitudes que levam muitas pessoas a “procurar apenas informação que confirme as suas ideias”, criando espaço não apenas para o preconceito mas para a construção de realidades paralelas e hostis entre si. “Se vires a FOX [uma estação televisiva do grupo Murdoch próxima de Donald Trump] vives numa realidade diferente da que te dá a leitura do New York Times”, lamentou para depois dizer: “Temos de suportar o jornalismo de qualidade para podermos ficar mais perto da verdade”.
Também aqui a resposta à crescente “polarização” que mina o espaço de compromisso indispensável à democracia tem de partir da política. "A política não é só poder, mas é também uma visão moral", afirmou Obama, dando como exemplos Nelson Mandela, Martin Luther King e Gandhi. O drama do clima implica a mobilização de valores. “É preciso convencer as pessoas” que as respostas aos problemas do aquecimento global não passam pela “recusa da ciência, pela recusa dos factos”, disse. O que exige “liderança” e uma estratégia construída “de baixo para cima”. “Temos de educar as pessoas para que percebam que estas soluções [as que preconizam medidas de combate às mudanças no clima] são as melhores para elas”, de modo a que, num segundo momento, “possam pressionar os governos” a agir.
Ainda que o aquecimento global seja inexorável, é possível mitigar os seus efeitos (Obama usou a imagem de um carro que corre a grande velocidade para um precipício e que pode ser abrandado). “Vamos ter de fazer adaptações”, disse. E manter um espírito global em favor de soluções colectivas, como as que prescreve o Acordo de Paris. “Devemos manter a arquitectura do Acordo de Paris”, até porque, com a passagem do tempo, “haverá cada vez mais países a acreditar que é isso que querem fazer” em seu favor e não como “algo que são forçados a fazer”. Com os contributos da ciência e da iniciativa privada a mostrar resultados positivos, provando até que a aposta nas energias limpas e na sustentabilidade “pode ser um bom negócio”, Obama despediu-se do encontro do Porto, promovido pela Fladgate Partnership (grupo de empresas do vinho do Porto) para lançar o Porto Protocol, como tinha entrado: com uma enorme salva de palmas de uma plateia em pé.