ONU denuncia canibalismo, violações em massa e decapitações na RD Congo

Conflito na região de Kasai intensifica-se. Investigadores acusam todas as partes envolvidas de crimes contra a humanidade.

Foto
As crianças estão entre as principais vítimas da violência na República Democrática do Congo Reuters/GORAN TOMASEVIC

Violações em grupo, episódios de canibalismo e civis desmembrados. O cenário de terror é denunciado por uma equipa de investigadores de direitos humanos das Nações Unidas num relatório citado pela Reuters em que responsabilizam duas milícias e também as forças armadas da República Democrática do Congo, presidido por Joseph Kabila.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Violações em grupo, episódios de canibalismo e civis desmembrados. O cenário de terror é denunciado por uma equipa de investigadores de direitos humanos das Nações Unidas num relatório citado pela Reuters em que responsabilizam duas milícias e também as forças armadas da República Democrática do Congo, presidido por Joseph Kabila.

A equipa de peritos das Nações Unidas que monitoriza o conflito na província congolesa de Kasai (no centro país, fazendo fronteira com Angola) diz todas as partes em confronto são responsáveis por crimes de guerra e contra a humanidade: a milícia Kamuina Nsapu, o grupo armado Bana Mura e as forças governamentais congolesas (FARDC).

O relatório apresentado ao Conselho de Direitos Humanos da ONU detalh,a ao longo de 126 páginas, uma sucessão de atrocidades cometidas desde 2016. Discutido nesta terça-feira em Genebra, o trabalho dos investigadores inclui testemunhos de rapazes obrigados a violar as próprias mães, em violação de raparigas para dar “poderes mágicos” anti-bala aos violadores. As mulheres que resistissem à violação eram executadas de formas particularmente cruéis.

“Uma vítima contou-nos em Maio de 2017 que viu milicianos de Kamuina Nsapu a usar genitais femininos como medalhas”, lê-se no relatório citado pela Reuters. “Algumas testemunhas contam ter visto pessoas a cortar, cozinhar e a comer carne humana, incluindo pénis cortados de homens ainda vivos e de cadáveres, e a beber sangue humano”, indica o documento, referindo que a autoria destes crimes em particular foi de membros das FARDC.

Segundo a Reuters, um dos investigadores, Bacre Waly Ndiaye, contou ao Conselho de Direitos Humanos que num só episódio de violência — e numa só aldeia — foram decapitados pelo menos 186 homens e rapazes num ataque conduzido pelos milicianos do grupo Kamuina Nsapu. As vítimas, muitas crianças, só tinham paus para se defenderem, acabando por ser mortas por armas de fogo. Posteriormente, os cadáveres foram deixados em valas comuns ou amontoados em camiões. Estimam-se que existam centenas de valas comuns em Kasai.

Esta terça-feira, numa reunião do Conselho dos Direitos Humanos, Zeid Ra'ad al-Hussein, Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, expressou preocupação com a deterioração das condições de segurança no país e sublinhou o “impacto dramático" da violência sobre a população.

“A situação na região de Kasai é muito preocupante”, disse, denunciando que o número de violações disparou e que poderá ser muito superior às estimativas feitas até ao momento.

“Estes crimes não ferem apenas as vítimas. Também destroem a credibilidade das autoridades responsáveis pela protecção das vítimas”, disse o alto-comissário. “Peço ao Governo que tome as medidas necessárias para garantir que os autores destas violações de direitos humanos vão pagar pelos seus crimes. Uma justiça eficiente pode prevenir mais violações por parte dos membros das milícias”.

Zeid Ra'ad al-Hussein levantou ainda dúvidas sobre a credibilidade e viabilidade do processo eleitoral marcado para 23 de Dezembro, falando em ameaças à liberdade de opinião e expressão na República Democrática do Congo, a detenção de opositores e as repetidas violações de direitos humanos.

Reagindo ao relatório em declarações à Reuters, um porta-voz do Governo de Kabila desvalorizou as denúncias e avisos feitos em Genebra, reduzindo os alertas a uma “campanha da imprensa com motivações políticas que nada tem que ver com justiça”.

O relatório retoma denúncias que já eram investigadas em 2017, ano em que dois investigadores das Nações Unidas, a sueca Zaida Catalán, de 36 anos, e o norte-americano Michael Sharp, de 34, foram assassinados por rebeldes. 

Dados da organização não-governamental Humans Rights Watch estimam que pelo menos cinco mil pessoas tenham sido mortas na província de Kasai desde 2016. O conflito, que não é o único em curso no país (soma-se a violência no Kivu Norte, no Leste do país), já fez pelo menos 1,4 milhões de refugiados.