Merkel sob fogo da esquerda e da direita por causa do asilo

Não é claro como funcionará o plano que evitou a demissão do ministro do Interior.

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Merkel: "Tem de haver ordem em todos os tipos de imigração" CLEMENS BILAN/EPA

A chanceler alemã, Angela Merkel, defendeu esta quarta-feira no Bundestag (Parlamento) o acordo para a imigração e asilo a que chegou com o seu ministro do Interior, Horst Seehofer. “É preciso que haja ordem em todos os tipos de migração”, disse.

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A chanceler alemã, Angela Merkel, defendeu esta quarta-feira no Bundestag (Parlamento) o acordo para a imigração e asilo a que chegou com o seu ministro do Interior, Horst Seehofer. “É preciso que haja ordem em todos os tipos de migração”, disse.

Na sessão dedicada ao orçamento, o debate foi dominado pela imigração, com Merkel sob fogo da esquerda e da direita por causa do acordo CDU-CSU (os dois partidos conservadores "gémeos"; a CSU só existe na Baviera, onde a CDU não se apresenta a votos) que ainda enfrenta duas dificuldades imediatas: a concordância dos sociais-democratas (SPD) e um acordo bilateral com a Áustria.

Do SPD, a líder do partido, Andrea Nahles, declarou que não aceitaria qualquer campo fechado para requerentes de asilo como os que estão previstos no acordo. Estes são chamados “centros de trânsito”, mas implicariam que os requerentes de asilo não pudessem sair – ainda não é claro como. A polícia, diz também a revista Der Spiegel, não está entusiasmada com a possibilidade de vir a ter de garantir que as pessoas não saem do local.

Merkel garantiu que ninguém ficará mais do que 48 horas em qualquer centro – o limite é imposto pela própria Constituição, sublinhou. Não era claro se este limite poderia ser a maneira de convencer o SPD.

A causa imediata do desacordo entre Seehofer e Merkel foram os chamados movimentos secundários de requerentes de asilo: pessoas que pedem asilo num país da UE e depois seguem para um outro (muitas vezes o destino é a Alemanha). Seehofer queria que neste caso as pessoas fossem rejeitadas de imediato na fronteira alemã. Merkel recusava qualquer solução não coordenada com os outros Estados-membros.

Na cimeira europeia da semana passada, Merkel assinou 16 acordos com outros Estados-membros (incluindo Portugal) para que estes recebam as pessoas que lá se registaram e estão actualmente na Alemanha. Estes acordos, defendeu Merkel, teriam o mesmo efeito que a medida proposta por Seehofer. No domingo, o ministro veio dizer que não tinham.

Por se manter em desacordo, Seehofer apresentou a demissão à restante liderança da CSU, mas afinal não saiu, dando “mais uma hipótese” a Merkel para um acordo – levando a equipa de política da revista Der Spiegel a tweetar: “Serão os homens demasiado emocionais para a política?”

No dia seguinte, Seehofer e Merkel reuniram-se e anunciaram um plano que ambos podem apresentar como vitória. Para a chanceler, poder dizer que não haverá acção unilateral da Alemanha foi suficiente. Para o líder bávaro, poder dizer que não haverá entradas irregulares nas fronteiras foi suficiente.

Mas parte do plano (os centros de trânsito na fronteira com a Áustria) está dependente de um acordo com Viena – Seehofer vai reunir-se esta quinta-feira com o chanceler austríaco, Sebastian Kurz. Se não houver acordo bilateral, o plano falhará.

Mais que o que cada um cedeu, o mais revelador foi ter mesmo havido acordo após uma tão grande revolta na CSU. Seehofer usou linguagem muito dura em relação a Merkel – fez saber que não se deixaria demitir “por uma chanceler que só o é por minha causa”. Após o acordo, declarou que “vale sempre a pena batermo-nos pelos nossos princípios”. A aparência é de que Merkel perdeu.

Mas pode não ser bem assim. Seehofer quer evitar que a CSU perca votos para a direita radical e anti-imigração da AfD nas eleições na Baviera em Outubro. Mas para já os sinais são que a sua aposta não está a resultar: a CSU tem descido nas sondagens desde que Seehofer começou este desafio a Merkel, com muitos a apontar a ironia de o partido a “lei e ordem” estar a ser responsável pela instabilidade no Governo. Ainda não houve sondagens após o anúncio do acordo.

De qualquer modo, se a crise imediata foi evitada, nota a revista Der Spiegel, “só à primeira vista” é que está tudo bem no Governo alemão.