Acima dos 105 anos, o risco de morte por causa da idade abranda

Estudo publicado na revista Science junta mais uma acha na acesa discussão sobre a longevidade humana. Cientistas estudaram os dados de quase quatro mil italianos e concluíram que o limite máximo de vida para os humanos ainda não foi alcançado.

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A portuguesa Maria de Jesus ficou conhecida quando o Livro Guinness dos Recordes concluiu que ela era a pessoa mais idosa do planeta, em Novembro de 2008. Morreu a 2 de Janeiro de 2009 com 115 anos Sérgio Azenha

Parece um absurdo. O imediato senso comum poderá dizer-nos que quanto mais velhos formos, maior é o risco de morrer. De facto, o risco de morrer por causa da idade vai aumentando à medida que os anos passam, desenhando uma curva ascendente. Porém, segundo um estudo divulgado na revista Science, acima dos 105 anos essa curva abranda até ao ponto de exibir uma zona de planalto. E, concluíram ainda os cientistas que analisaram os dados de quatro mil italianos, no cume da longevidade da espécie humana ainda não existe um limite máximo à vista.

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Parece um absurdo. O imediato senso comum poderá dizer-nos que quanto mais velhos formos, maior é o risco de morrer. De facto, o risco de morrer por causa da idade vai aumentando à medida que os anos passam, desenhando uma curva ascendente. Porém, segundo um estudo divulgado na revista Science, acima dos 105 anos essa curva abranda até ao ponto de exibir uma zona de planalto. E, concluíram ainda os cientistas que analisaram os dados de quatro mil italianos, no cume da longevidade da espécie humana ainda não existe um limite máximo à vista.

O título do artigo é “O plateau da mortalidade humana: demografia dos pioneiros da longevidade”. E a conclusão parece, à primeira vista, bizarra. Os investigadores defendem que no topo da escada da vida, a partir dos 105 anos (se lá chegarmos), existe um patamar. Sabemos que cada degrau que subimos nesta escada, cada ano que passa, nos coloca perante um maior risco de queda, leia-se morte. Porém, o que agora a equipa de investigadores liderada pela demógrafa Elisabetta Barbi, da Universidade Sapienza, em Roma (Itália), e pelo especialista em estatística do Departamento de Ciências Políticas da Universidade de Roma III, nos vem dizer é que, a partir de determinada altura, para os mesmo muito velhos o aumento do risco de morrer por causa da idade acaba por abrandar. O risco continua alto (lá no topo onde a probabilidade de morrer é igual à probabilidade de continuar vivo) mas já não aumenta mais do que isso.

Porquê? Será que as pessoas que chegam até esta idade são as mais fortes e resistentes por uma diversidade de factores (físicos e psicológicos) e, por isso, “aguentam-se” melhor e mais tempo? No artigo, os investigadores não dão respostas claras e definitivas. Para uma conclusão firme era preciso uma amostra maior, estudar mais e melhor estes e outros centenários e supercentenários (acima dos 110 anos), sublinham os autores do estudo. Constatam, no entanto, que é possível observar padrões semelhantes de mortalidade em idade extrema noutras espécies e sugerem que as explicações estruturais e evolutivas podem ser comuns. E, se por um lado, referem que os cuidados melhorados que hoje dedicamos aos “extremamente velhos” podem ajudar a mitigar o aumento da mortalidade, por outro arriscam dizer também que este “plateau” pode ser o resultado de factores genéticos. “As teorias evolutivas da senescência, incluindo a teoria da acumulação de mutações e os efeitos da carga genética dependentes da idade, também oferecem ingredientes promissores para uma explicação conjunta para o aumento exponencial e plateaus de idade extrema”, referem no artigo que termina com a afirmação de que são necessários mais estudos para conseguir “uma clareza empírica que contribua para o progresso teórico em curso”.

Independentemente das razões que podem justificar o fenómeno, o artigo publicado na Science confirma que o planalto da mortalidade humana existe. “Neste estudo, apresentamos estimativas das taxas de risco a partir de dados de todos os habitantes de Itália com 105 anos ou mais entre 2009 e 2015 (nascidos de 1896 a 1910), totalizando 3836 casos documentados”, explicam no artigo, concluindo que “as curvas do nível de risco eram essencialmente constantes além da idade de 105 anos”. E garantem: “As nossas estimativas são livres de artefactos de agregação que limitam estudos anteriores e fornecem a melhor prova até o momento para a existência de planaltos de mortalidade em humanos.”

Para este complexo exercício de demografia e estatística, os investigadores usaram os dados recentemente recolhidos e validados pelo Instituto Nacional de Estatísticas Italiano. A partir daqui foi possível acompanhar as “trajectórias individuais de sobrevivência de todos os habitantes de Itália com idade igual ou superior a 105 anos no período de 1 de Janeiro de 2009 a 31 de Dezembro de 2015”. “Por várias razões, estes dados permitem estimar a mortalidade em idades extremas com uma exactidão e precisão que não eram possíveis antes”, asseguram.

O limite e o segredo da longevidade

Assim, os investigadores defendem, com base na análise dos dados, que as taxas de mortalidade aumentam exponencialmente com a idade, começam a desacelerar após 80 anos e depois atingem um patamar após os 105 anos. Ou seja, nesta altura da vida, as probabilidades de uma pessoa morrer entre um aniversário e o seguinte são na ordem dos 50/50. Apesar de desconcertante, podemos até admitir a existência deste planalto no cimo das escadas da vida encarando estes centenários como exemplares multirresistentes da espécie humana ou, numa versão mais simplista, como sendo ”rijos” o suficiente para chegar até esta idade de três dígitos e, por isso mesmo, serem capazes de se aguentar depois disso (numa versão adaptada da sobrevivência dos mais fortes). No entanto, o mais perturbador será o facto de os investigadores concluírem que não é possível ainda definir um limite da longevidade humana. O que não quer dizer que ele não exista.

Em 2016, uma equipa de investigadores liderados pelo geneticista Jan Vijg, do Departamento de Genética da Faculdade de Medicina Albert Einstein, em Nova Iorque (EUA), usou bases de dados demográficos para concluir que o limite máximo da longevidade da nossa espécie foi atingido e fixa-se à volta dos 115 anos. Segundo esse artigo publicado na revista Nature, a probabilidade de ultrapassar os 125 anos é menos de uma em 10 mil, ou seja, menor do que 0,01%.

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Adriano Miranda

A curva ascendente que mostra o aumento da esperança média de vida começa no século XIX. A espécie humana ganhou mais cerca de 30 anos de vida durante o último século. O debate é sobre onde esta linha irá parar. Até que ponto, com o avanço das tecnologias e das respostas a problemas de saúde pública, conseguimos diminuir a mortalidade nos primeiros anos e ao longo da vida e aumentar a longevidade? O trabalho de análise estatística da equipa de investigadores dos EUA sugeriu uma resposta, os 115 anos. No artigo agora publicado na Science, os especialistas defendem que não há um fim à vista, não há um limite estabelecido para a longevidade da espécie humana.

“O número crescente de pessoas com uma longevidade excepcional e o facto da sua mortalidade além dos 105 parecer estar a diminuir nos vários grupos etários – diminuindo o patamar de mortalidade ou adiando a idade em que aparece – sugerem fortemente que a longevidade continua a aumentar ao longo do tempo e que um limite, se houver, não foi atingido”, referem os autores, concluindo que os resultados deste estudo “contribuem para um debate recentemente reactivado sobre a existência de um máximo fixo da longevidade para os seres humanos, subscrevendo a dúvida quanto a esse limite já estar à vista”.

Sem certezas, resta a garantia de que o tal debate sobre a longevidade não vai ficar por aqui. Numa notícia da Nature sobre o estudo publicado agora, há vários especialistas que já discutem os resultados deste artigo. Há quem considere a inexistência de um limite da longevidade humana é simplesmente algo de “biologicamente implausível”. “Temos limitações básicas impostas pelo nosso organismo”, argumenta Jay Olshansky, biodemógrafo da Universidade de Illinois, em Chicago (EUA), referindo como exemplo que há células que não se multiplicam (como os neurónios) e que continuam a morrer à medida que se envelhece, o que, necessariamente, nos impõe um limite.

E nem mesmo a questão do patamar no cimo das escadas da vida parece consensual. Enquanto alguns especialistas consideram que este estudo apresenta as provas mais sólidas até à data sobre os planaltos na mortalidade dos humanos muito velhos, há outros que reclamam que é necessário uma análise mais global para tirar conclusões definitivas. Será que as conclusões retiradas da análise de dados de quatro mil italianos reflectem uma característica universal do envelhecimento humano?

Apesar das muitas interrogações e da discussão que o tema do envelhecimento pode suscitar há alguns dados claros. Actualmente, o mundo terá algo como 500 mil pessoas com 100 anos ou mais (e as previsões apontam para uma duplicação deste número a cada década que passa). Por outro lado, é inquestionável também o facto de que as mulheres vivem mais tempo do que os homens. As explicações (e também as piadas que se fazem a este propósito) são as mais diversas e vão desde factores ambientais até hormonais ou outros. Neste estudo, para que não restem dúvidas quanto a este desequilíbrio de género, entre os 3836 italianos com idade igual ou superior a 105 anos, 3373 eram mulheres e 463 homens. Assim, para quem quer viver mesmo muito, muito tempo, ser mulher será claramente uma vantagem.

Sobre isto, mais um exemplo marcante: na lista das 15 pessoas que ultrapassaram os 115 anos desde 1990, publicada no trabalho Supercentenários divulgado na Base de Dados Internacional da Longevidade, constavam apenas dois homens. Uma das mulheres nesta lista era a portuguesa Maria de Jesus (1893-2009) que ficou conhecida quando o Livro Guinness dos Recordes concluiu que ela era a pessoa mais idosa do planeta, em Novembro de 2008. Morreu a 2 de Janeiro de 2009 com 115 anos. De acordo com as estatísticas mais recentes do Instituto Nacional de Estatística, em 2017 existiam em Portugal 4268 pessoas com cem ou mais anos, destas 2600 eram mulheres. A francesa Jeanne Louise Calment ficou conhecida por ter sido a pessoa que mais tempo viveu no nosso planeta, mais precisamente 122 anos e 164 dias. Morreu em 1997.

No trabalho Supercentenários encontravam-se as histórias de vida daqueles exemplos de longevidade extrema, sobressaindo alguns pontos comuns. Coincidência ou não, a maioria dos supercentenários não tinha filhos ou tinha apenas um, muitos gostavam de comer doces (notando-se uma preferência pelo chocolate), a maioria não fumava, alguns bebiam pequenas quantidades diárias de álcool (um copo de vinho do Porto, por exemplo) e quase todos eram considerados pessoas activas e bem-dispostas. Ficava a dúvida no ar: será que o segredo da longevidade está numa receita que, entre outras coisas, inclui chocolate, uma pequena dose de álcool e bom humor? É pouco provável. Ao que tudo indica, as vidas humanas mais longas do planeta serão o resultado de uma misteriosa combinação entre sorte e genética. Não sendo o motivo, que o chocolate, o álcool e o bom humor sejam pelo menos a recompensa depois de subir tantos degraus.