Pouca afluência na viagem inaugural do ferry Funchal-Portimão
Regresso da linha marítima entre a Madeira e o continente (ainda) não entusiasma. Expectativa do armador passa por um crescimento gradual nas próximas semanas.
Quando o Volcán de Tijarafe chegou esta segunda-feira de manhã ao Funchal, tinha à espera a música de uma banda filarmónica, os discursos entusiasmados das autoridades políticas regionais e a expectativa dos 140 passageiros que se preparavam para embarcar na viagem inaugural entre a Madeira e Portimão.
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Quando o Volcán de Tijarafe chegou esta segunda-feira de manhã ao Funchal, tinha à espera a música de uma banda filarmónica, os discursos entusiasmados das autoridades políticas regionais e a expectativa dos 140 passageiros que se preparavam para embarcar na viagem inaugural entre a Madeira e Portimão.
O ferry, fretado pela Empresa de Navegação Madeirense (ENM) ao armador espanhol Naviera Armas, chegou ao Funchal vindo do porto canário de Tenerife com sete passageiros a bordo e partiu pouco depois rumo ao continente. Além dos 140 passageiros, levou 40 automóveis ligeiros e 10 atrelados no porão. Pouco, para um navio que tem capacidade para mil passageiros, 300 viaturas e 35 atrelados de 45 pés.
A ENM, que integra o portefólio empresarial do grupo Sousa, não está surpreendida com os números. “O processo sofreu alguns atrasos e a operação acabou por ser montada em pouco tempo”, explicou ao PÚBLICO o administrador da empresa, Sérgio Gonçalves, dizendo que a principal preocupação da ENM foi resolver as questões logísticas de forma a cumprir os prazos definidos no concurso público. Por isso, a agilização da venda de bilhetes e a própria promoção da linha acabou por ser secundarizada. “Foi tudo montado a menos de quatro semanas do início da operação, e agora, com a operação estabelecida vamos trabalhar essas áreas.”
Os bilhetes podem ser adquiridos online (madeira-ferry.pt), em agências de viagem ou nos balcões da empresa na Madeira. “Vamos apostar na promoção, tanto no Funchal como em Portimão, cabendo à Naviera Armas gerar procura e notoriedade da linha nas Canárias”, adianta Sérgio Gonçalves, dizendo que o interesse pela carga não tem sido, para já, relevante.
“Os grandes operadores logísticos têm os esquemas já montados, e não compensa alterá-los por um período de três meses”, justifica, admitindo alguma procura da parte do sector automóvel. A expectativa, continua, é que a operação possa vir a crescer progressivamente nas próximas semanas, apesar da ENM estar convencida que neste primeiro ano – estão previstas 12 viagens semanais, até 20 de Setembro – a linha será sempre deficitária.
Até ao final da operação, contabilizou ao PÚBLICO o armador madeirense, estão vendidos 3.200 bilhetes dos 48 mil disponíveis. Uma taxa de ocupação a rondar os 15% na linha Funchal-Portimão-Funchal, que é mais reduzida nas ligações de e para Canárias. “Sabemos que é uma operação difícil, até pelo histórico dos concursos públicos que é elucidativo das dificuldades desta linha”, argumenta o administrador da ENM, referindo-se aos vários concursos abertos pelo governo madeirense para o restabelecimento da linha, que foi interrompida em 2012, pelo mesmo Naviera Armas.
O primeiro, em Janeiro de 2016, ficou deserto e serviu para o Funchal auscultar as sensibilidades dos armadores contactados. O segundo, já com a autorização da Comissão Europeia para que a linha fosse subsidiada, teve o atractivo de uma indemnização compensatória de três milhões de euros para o armador e a redução das taxas portuárias para os mínimos, mas fechou também sem interessados. Foi necessário mexer no caderno de encargos. A operação, que inicialmente seria de ligações semanais durante todo o ano, foi reduzida para três meses (12 viagens anuais), mantendo-se os mesmos três milhões de euros anuais por cada um dos três anos do contrato. Mesmo assim, a ENM foi o único armador a formalizar o interesse.
O Funchal tentou, sem sucesso, que Lisboa assumisse os custos da operação com base continuidade territorial, a exemplo do que acontece com as ligações aéreas, mas o governo de António Costa rejeitou. A Madeira acabou por avançar sozinha num dossier que tem marcado a agenda política madeirense, desde as eleições regionais de 2015.
Miguel Albuquerque, o chefe do executivo madeirense, não esqueceu esse histórico, na cerimónia que assinalou o regresso do ferry ao Funchal. “Estamos a dar cumprimento a um dos compromissos do programa de Governo”, disse o social-democrata, lamentando que, ao contrário de Espanha, o país não assuma a dimensão arquipelágica e a projecção atlântica que o torna maior.
“O Estado espanhol subsidia a ligação marítima de carga e passageiros em mais de 70% e nós aqui, para além de termos neste momento um problema de mobilidade aérea através da companhia nacional, que está a tratar os madeirenses e a Madeira de uma forma vergonhosa ainda temos que arcar com os encargos inerentes ao transporte marítimo de passageiros”, protestou Albuquerque aos jornalistas, insistindo: “É lamentável que tenham que ser os contribuintes da Região Autónoma da Madeira a financiar aquilo que devia ser assumido pelo Estado: as ligações marítimas às suas ilhas”.
Considerando a ligação marítima um dos “vectores estratégicos” do país, o presidente madeirense desvalorizou a fraca adesão da viagem inaugural. “A generalidade dos madeirenses fala da necessidade de repor esta ligação. Neste momento isso está feito. Agora é aproveitar para viajar”, explicou, acrescentando que os preços são “exactamente” os mesmos de há seis anos, quando a anterior concessão abandonou a linhar.
As viagens mais baratas na ligação Funchal-Portimão custam, ida e volta, a partir de 170 euros para não residentes no arquipélago, 58 euros para residentes e 51 para estudantes. Crianças até aos três anos não pagam, e dos quatro aos 12 têm um desconto de 50% na tarifa. Isto para quem quiser fazer as cerca de 23 horas de viagem em poltrona. Se a opção for um camarote, os preços sobem para valores partir de 119,70 euros (residentes) e 299,30 euros (não residentes). Viajar com um automóvel acresce 125 euros (por trajecto) e transportar uma viatura ligeira sem passageiro custa 315 euros.
Para Canárias, desde Portimão a tarifa mais baixa custa 170 euros (ida e volta), mais 370 euros para quiser viajar com o automóvel. A partir do Funchal as viagens custam 120 euros e 250 para veículos ligeiros.
O calendário das 12 viagens deste ano já está definido. O Volcán de Tijarafe parte do porto de Tenerife aos 20h15 de domingo e chega ao Funchal no dia seguinte às 8h15. Duas horas depois, zarpa para Portimão onde chega na manhã de terça-feira (9h30). Três horas depois, regressa à Madeira, chegando à região autónoma às 12h30 de quarta-feira. Às 18 horas parte Las Palmas, entrando no porto espanhol às seis da manhã de quinta-feira. Aí, o navio faz a rotação entre a Gran Canária e Santa Cruz de Tenerife, viajando para o Funchal no domingo seguinte.
O restabelecimento da linha marítima de carga e passageiros não resume consensos no Funchal. Os detractores argumentam que o custo-benefício (os tais três milhões de euros de indemnizações compensatórias) não justifica o investimento do executivo, e desconfiam da ENM, pois integra o grupo que controla as operações portuárias na região, operando também nas áreas da logística e transporte. Por outro lado, contrapõem os defensores do ferry, o serviço, mesmo deficitário, tem de existir, como existem, mesmo com prejuízos, as empresas de metro e de transporte rodoviário.