Genoma do coala pode ajudar a salvar a espécie

Uma equipa internacional de cientistas analisou o genoma do coala e identificou mais de 26 mil dos seus genes. O esforço poderá ajudar a salvar esta espécie vulnerável que é um dos símbolos da Austrália.

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Os coalas passam mais de 14 horas a dormir por dia Rebecca Johnson

Uma equipa de mais de 50 cientistas em sete países identificou mais de 26 mil genes do coala que podem transformar-se em pistas preciosas para o desenvolvimento de vacinas e outras soluções que ajudem a salvar esta espécie ameaçada. De acordo com os autores do trabalho publicado na revista Nature Genetics, uma das aplicações mais imediatas poderá estar numa vacina para a clamídia, uma doença sexualmente transmissível que está a afectar, nalguns casos de forma fatal, muitos destes animais.

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Uma equipa de mais de 50 cientistas em sete países identificou mais de 26 mil genes do coala que podem transformar-se em pistas preciosas para o desenvolvimento de vacinas e outras soluções que ajudem a salvar esta espécie ameaçada. De acordo com os autores do trabalho publicado na revista Nature Genetics, uma das aplicações mais imediatas poderá estar numa vacina para a clamídia, uma doença sexualmente transmissível que está a afectar, nalguns casos de forma fatal, muitos destes animais.

Os investigadores que participaram neste projecto fazem parte do Koala Genome Consortium e sequenciaram mais de 3400 milhões de pares de bases do ADN e mais de 26 mil genes no genoma do coala, que é um pouco maior que o humano. Este trabalho poderá ajudar a melhorar as perspectivas desta espécie que o Governo australiano classificou como “vulnerável” em 2012 em várias regiões da Austrália onde a sua sobrevivência era ameaçada pela urbanização, atropelamentos ou doenças. As populações de coalas (Phascolarctos cinereus) das províncias de Nova Gales do Sul, Queensland e da região em redor da capital, Camberra, foram classificadas entre as espécies “vulneráveis, a categoria inferior à categoria “em perigo”, segundo a lista da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN). Nessa altura, os dados disponíveis indicavam que as populações de coalas das duas primeiras regiões registaram reduções de 40% nos últimos 20 anos.

Espera-se que o trabalho agora divulgado ajude os cientistas a evitar procedimentos invasivos na investigação da biologia dos marsupiais, sobre os quais os números exactos não são conhecidos, mas as estimativas sobre os grupos selvagens que existem actualmente variam entre 80 mil e 180 mil. “Estamos agora numa óptima posição para desenvolver melhores vacinas para tratar estes animais”, disse à agência Reuters Katherine Belov, professora na Universidade de Sydney, na Austrália, e uma das autoras do artigo publicado na Nature Genetics esta segunda-feira.

Especificamente sobre o problema da clamídia, os especialistas esclarecem que, quando estas infecções não são tratadas, os coalas podem ficar cegos, desenvolver inflamações graves da bexiga, ficar inférteis e mesmo morrer. Por outro lado, o tratamento com antibióticos também torna muitas vezes difícil para os coalas a digestão das folhas de eucalipto que são essenciais na sua dieta. “Com o tempo, poderemos realmente compreender por que é que alguns animais recuperam da clamídia e outros não, e isso ajudar-nos-á a desenvolver terapias para tratar os coalas”, disse Katherine Belov. O trabalho realizado permitiu identificar com detalhe os genes do sistema imunitário dos animais, reunindo uma informação que será útil para atacar este problema com novas estratégias de vacinas.

“Além da clamídia, a outra infecção importante que está a ameaçar o coala é o retrovírus do coala (KoRV), no entanto, actualmente sabe-se muito pouco sobre isso. O genoma completo do coala tem sido fundamental para mostrar que um só coala pode ter muitas (mais de uma centena) inserções do KoRV no seu genoma, incluindo muitas versões do KoRV”, adianta ainda Peter Timms, da Universidade de Sunshine Coast (em Queensland), num comunicado de imprensa do consórcio que coordenou este trabalho. “As informações que temos agora permitirão determinar quais as estirpes do KoRV que são mais perigosas e ajudar no desenvolvimento de uma vacina.”

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Rebecca Johnson

A sequência do genoma do coala representa, segundo um resumo da revista, o genoma marsupial mais completo até o momento e fornece dados sobre a biologia única do coala que podem ajudar no tratamento de doenças e melhorar os esforços de conservação. No trabalho, os cientistas encontraram famílias de genes relacionados com enzimas desintoxicantes, que permitem que os coalas vivam de folhas de eucalipto ricas em compostos fenólicos. Depois, foram ainda catalogados os genes receptores do olfacto e paladar que ajudam os coalas a seleccionar as folhas mais nutritivas e ricas em humidade. Na verdade, esta informação poderá ser útil quando sabemos que o regime alimentar quase exclusivamente baseado nas folhas de eucalipto dos coalas é extremamente vulnerável, como eles, por causa do desmatamento e crescimento urbanístico que destroem as florestas.

Os coalas estão ameaçados pela crescente perda de habitat, fragmentação de sua população e susceptibilidade a doenças. As descobertas sobre os seus genes “permitem a reconstrução das histórias demográficas do coala e a avaliação da diversidade populacional actual – tornando o seu genoma um recurso muito útil para moldar futuras iniciativas de conservação”, refere o resumo da revista.

Além das possibilidades já referidas, o conhecimento mais aprofundado do genoma dos coalas pode também ser útil para programas de reprodução. Em declarações à agência AFP, Rebecca Johnson, investigadora do Instituto de Investigação do Museu Australiano que é uma das co-autoras deste trabalho, adiantou que se percebeu, por exemplo, que a consanguinidade era maior entre os coalas dos estados de Vitória e da Austrália Meridional do que entre os seus primos de Queensland e Nova Gales do Sul.

De 15 e 20 espécies que existiam há cerca de 40 milhões de anos, uma única espécie de coala sobrevive hoje na Austrália, com cerca de 330.000 indivíduos no total, a maioria a viver em áreas protegidas. “Da mesma forma que o genoma humano revolucionou a medicina para os seres humanos, ao ponto de podermos ter o nosso genoma sequenciado e desenvolvermos um fármaco personalizado para nós, a ideia é que isso também seja possível para os coalas”, disse Rebecca Johnson ao jornal The Guardian.

No comunicado de imprensa do consórcio, Graham Etherington, do grupo de investigação de Federica Di Palma, do Instituto Earlham (no Reino Unido), acrescenta: “Com sua aparência de cachorro, o coala é uma espécie internacionalmente reconhecida. Mas este icónico marsupial australiano não é apenas uma carinha bonita. A montagem do genoma do coala é de longe o recurso genómico marsupial mais abrangente até hoje, o que nos permite ter uma ideia de como esse animal único surgiu e nos fornece informações sobre possíveis ameaças à sua sobrevivência.” O especialista defende ainda que este projecto de sequenciação “fornece uma excelente plataforma para lançar outros projectos de genoma marsupial que poderiam investigar potenciais reservatórios genéticos de genes antimicrobianos previamente desconhecidos que poderiam ser aproveitados para a saúde humana”.