A vida com filtros e o sucesso do Instagram
De uma ideia vaga com um nome inspirado num uísque, a uma rede social gigante que é uma peça crucial no império do Facebook — a ascensão meteórica da aplicação em que a imagem é tudo.
A primeira fotografia no Instagram foi publicada a 16 de Julho de 2010, quando a aplicação só estava disponível para um grupo muito seleccionado de pessoas. O protagonista é um cão, deitado. Mas também se vê um pé, enfiado num chinelo. A imagem tem um filtro, claro, e o pé é da então namorada do mais conhecido fundador da empresa, Kevin Systrom. Ainda hoje aquela publicação recebe comentários. Algumas pessoas limitam-se a escrever a data e a hora, registando assim o momento em que interagiram com aquele marco na história do Instagram. É o equivalente digital a gravar o nome num centenário banco de jardim.
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A primeira fotografia no Instagram foi publicada a 16 de Julho de 2010, quando a aplicação só estava disponível para um grupo muito seleccionado de pessoas. O protagonista é um cão, deitado. Mas também se vê um pé, enfiado num chinelo. A imagem tem um filtro, claro, e o pé é da então namorada do mais conhecido fundador da empresa, Kevin Systrom. Ainda hoje aquela publicação recebe comentários. Algumas pessoas limitam-se a escrever a data e a hora, registando assim o momento em que interagiram com aquele marco na história do Instagram. É o equivalente digital a gravar o nome num centenário banco de jardim.
Nos primeiros tempos, o Instagram era uma aplicação simples, desenvolvida por uma equipa pequena e em que todas as fotografias eram, obrigatoriamente, quadradas. Hoje, é uma enorme rede social, que deu origem a novos hábitos de partilha. Glorificou a disseminação de imagens aperfeiçoadas com filtros, transformou uma horda de utilizadores em fotógrafos assíduos (às vezes, obsessivos), empenhados em captar cenas do quotidiano, de viagens e da natureza, recantos da arquitectura urbana ou os momentos em que nos põem a comida à frente. Aumentou o estrelato de algumas celebridades e fez nascer do zero novos “influenciadores”. Atraiu a atenção de marcas desejosas de chegar a milhões de consumidores, especialmente aos mais jovens. Recentemente, parece estar a emergir como uma alternativa mais privada à partilha frenética que o Facebook encorajou durante anos. Este mês, o Instagram anunciou a marca de mil milhões de utilizadores — é muito mais do que redes sociais como Twitter (330 milhões) e o Snapchat, um rival directo que permite a partilha efémera de imagens e que tem 166 milhões. O Facebook tem 2,2 mil milhões.
“É uma questão de apelo visual versus o apelo do texto. O Instagram é para fotos e vídeos, e os millenials e a geração Z cresceram a ser fotografados e filmados”, explica ao PÚBLICO a académica Pavica Sheldon, professora na Universidade do Alabama, nos EUA, e autora do livro Social Media: Principles and Applications (“Media sociais: princípios e usos”). Sheldon refere-se a duas gerações que já cresceram com acesso a tecnologias de informação modernas, as que nasceram sensivelmente entre 1980 e 2000. “Outra razão é que os pais e os avós estão no Facebook. De acordo com os adolescentes, esta é uma rede para pessoas velhas”, acrescenta, repetindo uma observação frequente ao longo dos últimos anos.
Comprado pelo Facebook em 2012, o Instagram tornou-se também um componente importante do negócio e da estratégia da maior rede social do mundo. Tem sido uma arma do Facebook para combater rivais, especialmente o Snapchat, que viu algumas das suas funcionalidades serem replicadas no Instagram (e também no Facebook e no WhatsApp, outra das aplicações compradas por Zuckerberg). E está ainda a ser usado para testar novas abordagens: este mês, anunciou a IGTV, uma espécie de televisão online, com a qual espera rivalizar com o YouTube (os vídeos publicados na IGTV também podem ser partilhados no Facebook).
O Instagram representa cerca de 16% das receitas publicitárias do império online de Mark Zuckerberg, de acordo com uma estimativa da analista eMarketer. Já um relatório da agência Bloomberg, publicado na última semana, indica que o Instagram valeria 100 mil milhões de dólares (86 mil milhões de euros) se fosse uma empresa autónoma — é 100 vezes mais do que o preço que o Facebook pagou por ela. A aplicação, acrescenta o relatório, está a atrair utilizadores a um ritmo muito mais rápido do que o Facebook. Também chega a uma demografia mais jovem e, ao contrário do Facebook, ainda está a crescer nos EUA, um mercado onde normalmente cada utilizador vale mais dinheiro quando se trata de vender audiências a anunciantes.
Há muitos motivos para o Instagram ser a rede social do momento. E não foi preciso um caminho muito longo para chegar até aqui.
História curta
Poucos meses antes daquela primeira fotografia com um cão e um chinelo, Systrom, então com 26 anos, tinha conseguido meio milhão de dólares em capital de risco para desenvolver um projecto chamado Burbn. Em 2010, as grandes redes sociais ainda não estavam consolidadas e havia mais espaço para novas ideias e empresas nesta área. Com um nome inspirado no tipo de uísque preferido de Systrom, o Burbn era um serviço para os utilizadores partilharem a respectiva localização, bem como fotografias. Aconselhado pelos investidores, procurou um sócio e acabou por recrutar Mike Krieger, um engenheiro de origem brasileira. Ambos tinham estudado na prestigiada Universidade Stanford.
Os dois sócios queriam fazer algo especificamente para ser usado em telemóveis (o Facebook, que nasceu em 2004, ainda teve de se esforçar para fazer a transição dos computadores para as plataformas móveis). Porém, rapidamente chegaram à conclusão de que o Burbn estava a ficar demasiado parecido com a concorrência, especialmente com um serviço chamado Foursquare. Por isso, contariam mais tarde, decidiram concentrar-se nas ferramentas de fotografia, algo de que os utilizadores do serviço pareciam gostar particularmente. O iPhone 4 acabara de sair e dava o mote para esta ideia: tinha uma câmara poderosa e foi o primeiro modelo com um ecrã retina, o nome da Apple para os seus ecrãs de alta resolução e no qual as fotografias e os filtros podiam ser apreciados em toda a sua glória. Apressaram-se a criar uma nova aplicação, na qual os utilizadores podiam tirar uma fotografia, modificá-la rapidamente e partilhá-la com o mundo. Chamaram-lhe Instagram, por ser “uma espécie de telegrama instantâneo”, explicou uma vez Systrom no Quora, um site de perguntas e respostas.
O Instagram captou a atenção dos utilizadores. Em parte, era uma aplicação simples, cujos filtros permitiam abrilhantar as cores ou dar-lhes um toque vintage. Por outro lado, os dois fundadores tinham posto em prática um inteligente plano de promoção, que incluiu dar a aplicação a algumas pessoas antes de a lançarem – entre elas, estava Jack Dorsey, um dos fundadores do Twitter, com quem Systrom tinha trabalhado brevemente e que já antes do lançamento partilhava fotografias do Instagram com os seus seguidores no Twitter. Este tipo de utilizadores-estrela com grande capacidade de influência, hoje uma das características do Instagram e um activo cobiçado por marcas, estão enraizados na aplicação desde os primórdios.
Nas primeiras 24 horas após o lançamento, em Outubro de 2010, a aplicação conseguiu 25 mil utilizadores. Ao fim de três semanas, tinha 300 mil. A popularidade foi crescendo. A versão para Android só surgiu muito mais tarde, em Abril de 2012. Conseguiu um milhão de utilizadores no primeiro dia. Por essa altura, o Instagram já era cobiçado por investidores e angariara capital de risco que dava à empresa uma valorização de 500 milhões de euros. Systrom estava decidido a não vender a empresa e a manter-se independente. E foi então que surgiu uma proposta irrecusável.
Negócio rápido
Mark Zuckerberg contactou o presidente do Instagram com uma oferta: mil milhões de dólares, cerca de dois terços dos quais em acções do Facebook e o resto em dinheiro. Era um valor enorme para uma empresa com apenas 13 pessoas e que tinha menos de dois anos. Muitos dos primeiros investidores iriam multiplicar os seus investimentos milhares de vezes. Em suma, era uma oferta demasiado boa para a deixar escapar (anos antes, porém, Zuckerberg recusara vender o Facebook ao Yahoo exactamente pelo mesmo preço).
O acordo foi selado no fim-de-semana da Páscoa de 2012: o Instagram passaria para o universo do Facebook, mas seria gerido por Systrom como uma operação independente. Logo depois do negócio, o fundador do Instagram decidiu gozar em directo com a televisão pública holandesa, que o estava a entrevistar por telefone durante um noticiário: “Bom, para dizer a verdade, estamos um pouco desapontados. Nós queríamos dois mil milhões, eles só nos deram mil. Mas, enfim, às vezes dá merda”, disse, antes de desatar às gargalhadas.
Nos anos que se seguiram, o Instagram conseguiu manter-se à margem de muitas das polémicas que assaltaram as outras redes sociais. Não teve disputas com a imprensa pelas receitas associadas à partilha dos conteúdos, não teve desinformação a circular em doses maciças, não foi chamado a nenhuma discussão eleitoral. Teve, contudo, a sua quota parte dos problemas típicos das plataformas online, incluindo dificuldades em lidar com o comportamento tóxico de utilizadores e com múltiplos episódios de cyberbullying. Um estudo feito no ano passado no Reino Unido, que questionou jovens entre os 14 e os 24 anos, indicou o Instagram como a rede social com impacto mais negativo na saúde mental.
Com a suas fotografias meticulosamente enquadradas e os filtros cuidadosamente seleccionados, o Instagram consegue o efeito de fazer parecer a vida dos outros melhor, e mais bonita, do que na verdade é. Uma vez, numa entrevista ao jornal The Guardian, Systrom descreveu o Instagram como “uma máquina do tempo ao contrário”, por ser capaz de fazer chegar até às pessoas momentos que se passaram noutros locais e noutras alturas. É uma definição que se pode aplicar a qualquer fotografia. A diferença é que as do Instragram são instantâneas, difundidas por algoritmos e potencialmente globais. E — é parte do sucesso — mostram a vida com filtros.