Fidelidade vende 2000 fracções à Apollo sem dar direito de preferência aos inquilinos
Na carta enviada, seguradora informa que podem exercer o direito de preferência, mas não sobre a fracção que arrendam, e sim sobre a totalidade do portfólio imobiliário e pelo valor de 425 milhões de euros
A Fidelidade, do grupo chinês Fosun, vendeu cerca de duas mil fracções de imóveis espalhados pelo país, continente e ilhas, sem ter dado aos inquilinos o direito de preferência sobre cada um dos fogos que ocupam. O comprador dos 277 imóveis foi o fundo Apollo, que se terá agora comprometido a dar aos arrendatários a hipótese de virem a adquirir as fracções ao valor negociado entre norte-americanos e a Fidelidade.
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A Fidelidade, do grupo chinês Fosun, vendeu cerca de duas mil fracções de imóveis espalhados pelo país, continente e ilhas, sem ter dado aos inquilinos o direito de preferência sobre cada um dos fogos que ocupam. O comprador dos 277 imóveis foi o fundo Apollo, que se terá agora comprometido a dar aos arrendatários a hipótese de virem a adquirir as fracções ao valor negociado entre norte-americanos e a Fidelidade.
Foi no final de 2017 que a Fidelidade colocou à venda o grosso do seu património imobiliário. Apareceram quatro consórcios interessados: a Oaktree Capital, mais a Estoril Capital Partners; a Orion Capital, com um parceiro local, a Finangeste (que ficou com o crédito mal-parado da crise dos anos 80, e que o Banco de Portugal vendeu em 2015 a um investidor holandês e a um fundo norte-americano); a Coporgest, associada à Storm Harbour (de Paulo Gray e de António Caçorino); e o fundo de investimento norte-americano Apollo. E foi o dono da Tranquilidade o vencedor.
O processo foi acompanhado de notificações enviadas pela Fidelidade a vários dos seus inquilinos. Só que quando estes se preparavam para equacionar se podiam exercer o direito de preferência sobre os fogos arrendados, já estes estavam fora do seu alcance.
Na carta que lhes dirigiu, com 10 pontos, a seguradora chefiada por Jorge Magalhães Correia, e onde a CGD ainda detém 15%, mas não manda, informa-os de que podem exercer o direito de preferência, mas não sobre a fracção que arrendam, e sim sobre a totalidade do portfólio imobiliário à venda e pelo valor de 425 milhões de euros. Na prática, os termos da carta enviada pela Fidelidade retiram aos inquilinos o direito de opção, pois está em causa um investimento que exige músculo financeiro que não têm condições de fazer.
Mas esta solução permite à Fidelidade desfazer-se do seu portfólio imobiliário rapidamente, num bloco único de 277 imóveis, pois a venda fracção a fracção, dando aos inquilinos o direito de preferência, demoraria muitos anos.
Todavia, um responsável conhecedor do dossiê garantiu ao PÚBLICO que a Fidelidade acordou com “o comprador do lote global a possibilidade de que quem tenha direito de preferência o possa exercer, podendo recomprar ao comprador [Apollo] as fracções a um valor equivalente ao da aquisição [o valor de venda de cada uma das unidades]”.
O encaixe de 425 milhões de euros ajudará a Fidelidade a reforçar o balanço e a reduzir o peso dos activos imobiliários nas contas. Estamos a falar de um portfólio imobiliário de 277 prédios, com 2085 fracções, espalhados pelo país, continente e ilhas, sobretudo em Lisboa e Porto - uns muito valorizados, outros de menor valor.
E foi, assim, que a 12 de Abril deste ano, a Fidelidade fechou negócio com a Apollo. Já esta semana, a 26 de Junho, a Autoridade da Concorrência (AdC) anunciou, através do seu portal, que já foi informada que a Fidelidade chegou a acordo com a Apollo para vender o seu portfolio imobiliário, utilizado para fins habitacionais e não residenciais. E que os interessados deverão pronunciar-se sobre ela até à próxima terça-feira, 3 de Julho.
A polémica é que já rebentou. Porque o tema é complexo, e abre a porta a análises distintas. Há juristas que consideram que os termos usados pela Fidelidade na aproximação aos arrendatários são os normais, visam aligeirar o processo de venda, até porque há prédios que nem estão em propriedade horizontal.
Mas outros juristas consultados pelo PÚBLICO sublinham que a regra é que “o senhorio contacte o inquilino”, desde que o arrendamento esteja em vigor há mais de três anos, para perguntar “se pretende exercer o direito de preferência sobre a fracção que ocupa”, substituindo-se, deste modo, “ao terceiro interessado na aquisição do imóvel arrendado”. O proprietário deve ainda participar ao inquilino, “e por carta registada” e “quais são as condições da venda, o prazo, o preço e a forma de pagamento”.
Para outro jurista ainda, e embora desconhecendo o caso concreto, “se o senhorio não respeitar o direito de preferência do inquilino, este pode sempre recorrer ao tribunal”, metendo “uma acção de preferência”.
Segundo a lei, as autarquias têm preferência na aquisição de certos imóveis, dependendo de critérios que considerem de interesse para a sua estratégia.
A par das divergências jurídicas, surgem as críticas dos inquilinos antigos da Fidelidade. Ao PÚBLICO, um deles, declarou-se insultado ao ler carta enviada pela companhia que condicionava a compra da fracção ao bloco inteiro de 425 milhões de euros. Lamenta, por isso, “que o senhorio depois de ter sido privatizado, se tenha tornado um predador, sem respeito por gente com quem mantém há dezenas de anos uma relação comercial imaculada.” Mas tem ainda esperança de que prevaleça o “bom senso”.
Os protestos rebentam também de outro lado, dos inquilinos com contratos de arrendamento curtos, ou à beira de terminarem, e que receberam cartas de não renovação.
Nos últimos meses, o PÚBLICO deu conta desta insatisfação e das queixas de arrendatários de prédios da Fidelidade em Lisboa, que se consideram “expulsos da cidade”, o que os levou a apresentar propostas de aquisição dos espaços que ocupam. Uns conseguiram comprar, pois anteciparam “o direito de preferência enquanto arrendatários”. Mas outros estão a receber missivas a não renovar os contratos de curto prazo ou os que estão perto de terminar.
Interpelada, a Fidelidade respondeu: “as promitentes compradoras são as entidades identificadas, como tal, na carta de preferência, integrando todas elas um único Grupo cujo nome já foi objecto de divulgação pública”. Adiantou que “o contrato promessa de compra e venda tem por objecto a carteira de imóveis identificada na notificação para preferência, notificação esta remetida a todos os arrendatários a quem a lei reconhece direito de preferência. A seguradora esclareceu ainda que como “referido na notificação de preferência, quem não exerça o seu direito de preferência, mas pretenda conhecer os termos de uma revenda subsequente, pela compradora, poderá contactá-la para o efeito”.