Tutti Frutti ou Tutti Corrupti?
Haja polícias e magistrados para tudo isto. E tudo, sublinhe-se, em quatro anos. É um autêntico terramoto político, financeiro e judicial.
A operação chama-se Tutti Frutti. Mas Tutti Corrupti talvez definisse melhor aquilo que está em causa: uma mega-operação envolvendo mais de 200 pessoas e três juízes de instrução, justificada por um inquérito a “crimes de corrupção passiva, tráfico de influência, participação económica em negócio e financiamento proibido”, que se traduziu – estou a citar o comunicado da PGR – em “cerca de 70 buscas domiciliárias e não domiciliárias, incluindo buscas a escritórios de advogados, autarquias, sociedades e instalações partidárias, em diversas zonas geográficas de Portugal Continental e Açores”. Parece que vamos ter bom entretenimento judicial para os próximos meses.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
A operação chama-se Tutti Frutti. Mas Tutti Corrupti talvez definisse melhor aquilo que está em causa: uma mega-operação envolvendo mais de 200 pessoas e três juízes de instrução, justificada por um inquérito a “crimes de corrupção passiva, tráfico de influência, participação económica em negócio e financiamento proibido”, que se traduziu – estou a citar o comunicado da PGR – em “cerca de 70 buscas domiciliárias e não domiciliárias, incluindo buscas a escritórios de advogados, autarquias, sociedades e instalações partidárias, em diversas zonas geográficas de Portugal Continental e Açores”. Parece que vamos ter bom entretenimento judicial para os próximos meses.
Não sei se as pessoas têm propriamente consciência disto, mas a pátria tem vindo a desenvolver, desde a Operação Marquês, uma espécie de variação portuguesa da Operação Mãos Limpas, só que em câmara lenta e com a sonolência típica dos lusitanos. As consequências desse enorme conjunto de processos e/ou falências criminosas ainda não foram bem digeridas pela psique nacional, mas quando fazemos contas àquilo que aconteceu neste país desde meados de 2014, a listagem é impressionante: queda do BES, queda da PT, queda da Ongoing, queda do Banif, prisão e posterior acusação de um ex-primeiro-ministro, investigações à EDP, investigações ao saco azul do GES, vistos gold, investigações ao Benfica e ao mundo do futebol, incluindo a Operação e-Toupeira, investigações à própria magistratura (Operação Fizz e Operação Lex), e poderíamos acrescentar todas as suspeitas em torno da concessão de créditos da CGD e do antigo BCP, o estado comatoso do Montepio, já para não falar das absurdas PPP.
Haja polícias e magistrados para tudo isto. E tudo, sublinhe-se, em quatro anos. É um autêntico terramoto político, financeiro e judicial, e só mesmo neste soalheiro e extraordinariamente pacato país é que as consequências deste abalo poderiam ser quase nulas para o regime. Sim, foi chato, e tal, a troika andou por aí a comer salários (note-se: foi a malvada troika e, no máximo, o horrível Passos Coelho, não os responsáveis pela falência do país), houve manifestações contra a senhora Merkel, mas a coisa mereceu alguma reflexão profunda? Os partidos afundaram? Alguém bateu no peito? Há gente presa? Claro que não. Ou, pelo menos – sejamos optimistas –, ainda não.
E agora surge mais esta cereja para pôr em cima do bolo: Operação Tutti Frutti, cujos contornos ainda não são inteiramente conhecidos, mas que pelos vistos envolvem juntas de freguesias a abarrotar de boys e assessores, autarquias que privilegiam negócios com militantes, e o velho financiamento partidário. Será desta que o pessoal acorda? O Tutti Corrupti justifica-se por isto: não estamos a falar de acontecimentos singulares, de indivíduos corruptos que existem em todos os países (até na Suécia), mas de uma característica genética do regime que Portugal construiu depois do 25 de Abril (e que, em boa parte, já vinha de trás).
Há uma linha que une o Dr. Ricardo Salgado à D. Isaura, esposa do presidente de Vilharim de Baixo, que após a vitória do marido abriu uma florista para fornecer centros de mesa à câmara por ajuste directo. Uns ganham milhões, outros ganham tostões, mas todos dependem de favores públicos e do nosso dinheiro. Não são meras aldrabices ocasionais – é o modo de vida do regime português. Venha de lá, pois, essa mega-operação. E com ela a consciência de que já vai sendo hora de mudar os nossos tristes hábitos.