Carros que não se podem vender vão para aeroporto que não pode abrir

Dois falhanços alemães cruzam-se na notícia de que o aeroporto de Berlim vai receber automóveis da Volkswagen que aguardam processo de certificação para serem vendidos, após escândalo Dieselgate.

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Aeroporto BER é palco de visitas guiadas enquanto se espera que possa abrir em 2020 Nelson Garrido

É uma notícia quase simbólica: o aeroporto de Berlim-Brandeburgo (BER) vai servir de parque de estacionamento para automóveis da Volkswagen (VW) que não podem ser já vendidos por não cumprirem as novas regras de emissões.

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É uma notícia quase simbólica: o aeroporto de Berlim-Brandeburgo (BER) vai servir de parque de estacionamento para automóveis da Volkswagen (VW) que não podem ser já vendidos por não cumprirem as novas regras de emissões.

Dada pelo diário Handelsblatt, poderia ser apenas mais um episódio da novela da incapacidade de pôr a funcionar o aeroporto BER, que devia ter sido inaugurado em 2012, no que é um dos maiores falhanços de planeamento e execução de uma grande obra no país. Mas ganhou mais significado por se cruzar com efeitos de outro grande escândalo, este da maior indústria alemã: os automóveis que lá vão estar estacionados não podem ser ainda vendidos porque não estão em conformidade com novas regras para testes de emissões, alterados depois do dieselgate, em que a empresa foi posta em causa.

“Um aeroporto que não está pronto, e que tornou a Alemanha num motivo de chacota no mundo, serve de parque para automóveis que não estão conformes com novas regras – esta é uma imagem cheia de simbolismo”, comentava o jornal Frankfurter  Allgemeine  Zeitung (FAZ).

O caso do aeroporto de Berlim não tem precedentes: atrasos na construção levaram ao adiamento da (primeira) data prevista de inauguração, Outubro de 2011. Depois, mesmo perto da nova data de abertura, Junho de 2012, com lojas e restaurantes preparados, e companhias aéreas, como a TAP, a terem já reajustado rotas), um teste expôs problemas no sistema de incêndio. A inauguração foi cancelada.

Mais tarde, percebeu-se que o aeroporto não tinha sido construído de acordo com o que estava no projecto. Que havia 90 km de cabos com defeito, que não havia balcões de check-in suficientes, que o sistema de arrefecimento não era adequado, que… havia demasiados problemas. 

"Já está pronto?"

Com sucessivas datas de abertura a serem adiadas, acabou por se desistir de dar prazos para a abertura, e foram então apontadas datas para um anúncio final sobre a data de abertura. Também esse não foi cumprido.

Aos erros juntam-se problemas pela inactividade e custos de material que tem de ser substituído. Na semana passada, um vídeo mostrava ervas daninhas a irromper do cimento. Em Março, foi anunciado que 750 ecrãs onde deveriam aparecer partidas e chegadas e que foram mantidos ligados estes anos todos atingiram o fim da sua vida útil.

A capacidade do aeroporto era de 27 milhões de passageiros por ano – o que não será suficiente a longo prazo e que faz prever uma expansão pouco depois de começar a funcionar (a mais recente data prevista é 2020).

Jornais têm sites dedicados ao projecto, contam os dias desde a "não-inauguração", um deles chama-se "o BER já está pronto?"

Há quem defenda que o melhor seria mesmo deitar o aeroporto abaixo – esquecendo os custos que já vão em cerca de 6000 milhões de euros (o orçamento original era de 2,5 mil milhões), e fazer um novo aeroporto de raiz. 

O FAZ não exagera quando diz que o aeroporto é motivo de chacota: procurando no Google por “aeroporto BER” em alemão o motor de busca sugere, em primeiro lugar, piadas. Entre a comunidade internacional na capital alemã (onde estão a chegar 40 mil pessoas por ano para trabalhar no crescente sector de startups e em multinacionais) diz-se que uma das regras de etiqueta é não falar do aeroporto – “Don’t mention the airport”, uma referência à expressão popularizada num episódio da série britânica Fawlty Towers, “don’t mention the war” para referir temas incómodos.

Se o caso do aeroporto de Berlim pôs em causa a imagem de excelência em engenharia da Alemanha (um ponto forte do país enquanto potência exportadora), o escândalo da Volkswagen atingiu a maior indústria alemã quando, em 2015, se descobriu que a empresa usava software ilegal para manipular emissões de poluentes.

Nos EUA, onde o esquema foi descoberto, a VW concordou em pagar 4,3 mil milhões de dólares (cerca de 4000 milhões de euros) em multas, declarando-se culpada de conspiração para defraudar o Governo e consumidores (os automóveis eram publicitados como amigos do ambiente) e de obstrução de Justiça.

Na Europa, onde a empresa ainda está a recuperar, os reguladores europeus endureceram a legislação na sequência do caso e introduziram um novo mecanismo para assegurar que os testes de emissões são mais parecidos com condições de condução reais.

Alguns modelos da VW esperam ainda autorização do organismo alemão de supervisão sobre o cumprimento destas novas regras o que, segundo um porta-voz da empresa, poderá levar a atrasos nas entregas de 200 mil a 250 mil veículos. São estes que estarão à espera no enorme espaço vazio do aeroporto BER.