A monumentalidade lúdica de Joana Vasconcelos chegou ao Guggenheim

Num dos espaços expositivos mais conhecidos da Europa, o museu Guggenheim de Bilbau, inaugura-se esta sexta-feira uma importante mostra de Joana Vasconcelos. É a primeira artista portuguesa a fazê-lo.

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Está parado a meio do imenso átrio do museu Guggenheim de Bilbau, em Espanha, olhando atenciosamente para cima e para os lados. Por ele passam outras pessoas que fazem o mesmo, mas ele distingue-se por estar imóvel há minutos. O belga Aaron Ruffox é apenas um dos inúmeros visitantes do museu que esta quinta-feira foram surpreendidos por uma monumental obra da artista portuguesa Joana Vasconcelos ali suspensa.

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Está parado a meio do imenso átrio do museu Guggenheim de Bilbau, em Espanha, olhando atenciosamente para cima e para os lados. Por ele passam outras pessoas que fazem o mesmo, mas ele distingue-se por estar imóvel há minutos. O belga Aaron Ruffox é apenas um dos inúmeros visitantes do museu que esta quinta-feira foram surpreendidos por uma monumental obra da artista portuguesa Joana Vasconcelos ali suspensa.

Trata-se da nova peça Egeria (2018), da série valquírias, personagens femininas da mitologia nórdica, que a artista tem vindo a trabalhar desde os anos 2000. Esta sobressai pela escala e por ter sido imaginada especificamente para o local, distinguindo-se pela forma tentacular como sobrevoa o espaço, num misto de bordados, pedraria, lantejoulas e luzes LED, com ramificações de cores vivas a entrelaçarem-se nos cantos, ângulos e formas criadas pelo arquitecto Frank Gehry para o museu. Existe um efeito de surpresa e de festividade directa que é projectada no lugar. “Não é só impactante, como apetece ficar aqui para nos perdermos nesta dinâmica tão fluida”, diz-nos Aaron Ruffox, ainda boquiaberto.

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A nova peça Egeria (2018), da série valquírias, personagens femininas da mitologia nórdica LUSA/LUIS TEJIDO

A peça, que deverá pesar “cerca de duas toneladas”, haverá de dizer Joana Vasconcelos, 46 anos, demorou dois anos a ser feita, envolvendo arquitectos, engenheiros e artesãos, e é a sua maior obra na vertical, com 30 metros de altura, 36 de largura e 45 de profundidade, tendo demorado quinze dias a ser montada. Constitui um dos destaques da exposição I’m Your Mirror, que se inaugura esta sexta-feira, mantendo-se até 11 de Novembro, antes de entrar em itinerância no próximo ano, estando para já previstas passagens pela Fundação Serralves, no Porto, e depois por Roterdão, na Holanda. Trata-se da primeira exposição individual de um artista português num dos espaços expositivos mais conhecidos da Europa e do mundo, o Guggenheim, constituindo mais um momento definidor na afirmação internacional daquela que já é a artista lusa da sua geração com mais visibilidade. Tem curadoria de Petra Joos, do próprio Guggenheim, e de Enrique Juncosa, curador independente e antigo subdirector do Museu Rainha Sofia, em Madrid.

No exterior do edifício, rodeando-o, ao lado de obras bem conhecidas de Jeff Koons ou Louise Bourgeois, estão agora também duas obras de Joana Vasconcelos. O já conhecido dos portugueses Pop Galo (2016), um gigantesco galo de Barcelos, e uma peça nova, Solitário (2018), um grande anel de noivado feito com 112 jantes de automóveis metalizadas e 1300 copos de cristal. No interior do museu, ocupando várias salas, estão os restantes trabalhos, num total de 35, sendo 14 deles inéditos. Na sala maior da mostra estão duas das suas obras mais icónicas – A Noiva (2001-05), um candelabro feito com tampões, e Marilyn (2011), um par de sapatos de salto alto feitos com panelas – e aquela que é a peça chave da exposição, I’ll be your mirror (2018), uma máscara veneziana criada com 231 molduras de duplo espelho com um peso de 2,5 toneladas.

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Solitário (2018), um grande anel de noivado feito com 112 jantes de automóveis metalizadas e 1300 copos de cristal. Luis Vasconcelos / Cortesia Unidade Infinita Projectos

Em conversa com o PÚBLICO, um dos dois comissários da exposição, Enrique Juncosa, recorda que foi há mais de dois anos que o processo se iniciou, argumentando que a fase final de “instalação das obras” constituiu um grande desafio. “Tudo isto envolveu imenso trabalho e foi complexo, porque não sabíamos muito bem quanto tempo iríamos necessitar para a montagem, mas a Joana tem uma boa equipa e, em coordenação com as pessoas daqui, fez-se um excelente trabalho.”

A grande escala, as cores vibrantes ou o excesso são algumas das marcas identitárias do trabalho de Joana Vasconcelos, no entanto alguns dos trabalhos expostos mais antigos, como Sofá aspirina (1997) e Cama valium (1998) transportam-nos para a escala humana e para a economia formal, com os materiais (comprimidos) a sugerirem uma ambiguidade significante. “Como acontece com todos os artistas, a sua obra é diversa, embora existam elementos que são mais facilmente reconhecíveis. Para aqui quisemos trazer alguma dessa diversidade, mas existem sempre linhas condutoras no seu trabalho”, diz Enrique Juncosa, destacando a dualidade entre gestos políticos e poéticos, a relação entre global e local, os materiais de alta tecnologia e artesanais ou esse jogo em criar peças que simbolizam requinte, mas que são criadas a partir de materiais vulgares.

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Pop Galo Luis Vasconcelos / Cortesia Unidade Infinita Projectos

“Ela acaba por expor muitas das contradições do nosso mundo contemporâneo. A utilização de referências do quotidiano, da sua própria experiência ou do que a rodeia, mediado por um mundo de imagens, definem-na. O seu trabalho é muito atractivo no sentido em que as pessoas se projectam muito nele a partir do momento em que contém uma série de elementos que entram em relação connosco. E é também sedutor no sentido em que é caloroso. Aproxima-se de nós. É por isso que ela é bem-sucedida.”

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Resistências ao seu trabalho também não faltam, naturais no patamar onde se insere hoje. Espectacularidade sem densidade ou simplismo das metáforas são algumas das críticas proferidas. “De alguma forma muita da arte contemporânea tornou-se cínica ou autocentrada e percebe-se que algumas pessoas possam achar o trabalho da Joana fácil”, argumenta Enrique Juncosa. “Mas é uma crítica infundada. Por outro lado, quando ela fala sobre o seu trabalho é coloquial, aproximando-se das pessoas, podendo parecer menos intelectual. Mas não o é. A verdade é que o seu trabalho está recheado de referências à história de arte – do Barroco a Rubens ou a Duchamp – seja para a glosar ou recriar com humor. Um humor que nunca é intimidatório, mesmo quando é irónico.”

Por vezes, em Portugal, o eventual potencial reflexivo de algumas das suas obras é esquecido. Fala-se das formas. Da estética. Das polémicas decorrentes de algumas das suas peças tocarem referências simbólicas. Ali, liberta disso, Joana Vasconcelos discorre sobre a maneira como transforma objectos da sociedade de consumo em obras de arte em aberto. Ou como a gigante Egeria constitui uma metáfora da ocupação dos museus pela mulher. Ou de como Burka (2002) é sobre a violência de género. Ou de como tem uma série de obras que abordam a identidade feminina e outras cruzam a identidade pessoal, cultural ou nacional, como em Coração independente vermelho (2005), com Amália Rodrigues a fazer-se ouvir no museu. Ou outras ainda como Call center (2014-16), onde uma imagem de uma pistola feita de 120 telefones (cuja peça sonora Call Center: Sinfonia Electroacústica para 168 Telefones é de Jonas Runa), se transforma numa alegoria sobre a violência da comunicação incessante dos nossos dias.

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I’ll be your mirror (2018), uma máscara veneziana criada com 231 molduras de duplo espelho com um peso de 2,5 toneladas. Luis Vasconcelos / Cortesia Unidade Infinita Projectos

“Sentir algo é o mais importante numa exposição, não são as teorias que se tecem sobre as mesmas”, haverá de dizer-nos Aaron Ruffox, ainda a olhar para a enorme obra suspensa no átrio do Guggenheim, quando lhe perguntamos se retirou algum significado daquela peça que tanto o fascinou. A sua resposta é, afinal, mais uma teoria possível. Mas existem muitas outras. No caso de Joana Vasconcelos o segredo para a realização da produção do Guggenheim parece ter sido conciliar na sua arte uma série de singularidades (locais, mas não só) com uma linguagem universal, ter ido construindo o seu público de forma alargada, operando numa lógica onde privados e poderes públicos não se excluem, ser consciente das dinâmicas de mercado onde se insere, ter uma perspectiva estratégica e, francamente, divertir-se muito com tudo isso. 

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Call Center dr