Resultados dos exames nacionais do ensino secundário: um panorama desolador
Sempre que se olha para os resultados dos alunos no exame, põem-se em causa as competências e as aprendizagens dos alunos e a competência profissional dos professores. Não estará na altura de pôr em causa a prova em si, como instrumento de avaliação?
Iniciou-se uma nova época de exames do ensino secundário, no nosso país. Milhares de alunos e alunas “jogarão” os seus futuros em provas pontuais que servirão para certificar as aprendizagens que foram realizando ao longo do ensino secundário e para selecionar e hierarquizar os alunos para o acesso ao ensino superior.
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Iniciou-se uma nova época de exames do ensino secundário, no nosso país. Milhares de alunos e alunas “jogarão” os seus futuros em provas pontuais que servirão para certificar as aprendizagens que foram realizando ao longo do ensino secundário e para selecionar e hierarquizar os alunos para o acesso ao ensino superior.
Para efeitos de certificação, o peso dos exames nacionais é de 30% da classificação final das disciplinas, enquanto que a nota interna tem um peso de 70% da classificação final, o que dá um papel preponderante à avaliação interna. No entanto, para efeitos de seleção no acesso ao Ensino Superior, se a disciplina for obrigatória para ingresso num determinado curso, a nota do exame tem um peso de 50%, tendo os alunos que atingir um mínimo de 9,5 valores, sendo assim determinante para o prosseguimento de estudos e para o futuro dos alunos. Esta pressão dos exames levou a que professores e alunos basicamente ensinem e estudem para os testes, o que na literatura anglo-saxónica se chama de “teaching to the test”.
Não obstante o esforço de alunos e professores, o panorama dos resultados dos exames é francamente desolador.
Uma análise aprofundada dos resultados nos dez exames nacionais mais realizados (mais de 10.000 provas por ano) nos Cursos Científico-Humanísticos do Ensino secundário, de 2013 a 2017 (Português, História A, Matemática A, Biologia e Geologia, Geometria Descritiva, Economia, Filosofia, Física e Química, Geografia A e Matemática Aplicada às Ciências Sociais), revela um cenário dececionante de insucesso generalizado que se tem prolongado ao longo dos anos letivos. As médias são demasiadamente baixas, situando-se entre os 8 e os 11 valores, e as taxas de reprovação são preocupantemente altas, entre os 30% e os 65%.
As disciplinas que têm revelado maior insucesso são Física e Química e Biologia e Geologia, sendo frequentemente as disciplinas com piores médias e maiores taxas de reprovação nos exames, mas todas as disciplinas revelam um panorama preocupante de insucesso. De salientar que em 2013, todas as disciplinas apresentaram taxas de reprovação superiores a 40%.
No caso específico da disciplina de Biologia e Geologia (área que estudamos), o pior ano foi 2013, em que a taxa de reprovação atingiu os 64,4%, o que significa que dos 76.501 alunos e alunas que realizaram exame, 49.235 reprovaram. O melhor ano foi 2016, sendo a taxa de reprovação de 44,9%, ou seja, dos 71.616 exames realizados, 32.179 foram negativos, números que mostram bem a dimensão do problema.
Vários estudos mostram que os professores têm vindo a modificar as suas práticas pedagógicas e avaliativas no sentido de adaptação dos alunos ao que é pedido no exame, para que estes tenham sucesso, trabalhando nas aulas questões de exame, realizando as suas próprias fichas de avaliação com questões semelhantes às dos exames e utilizando os mesmos critérios de classificação. Os alunos têm acesso aos exames dos anos anteriores, das várias fases, para poderem conhecer o tipo de prova e até “treinar”. Então os resultados não deveriam estar a melhorar?
Além disso, estudos internacionais de avaliação, como o PISA (Programme for International Student Assessment), que procura comparar os resultados de alunos, escolas e países [1], nos domínios da literacia em leitura, matemática e ciências, em estudantes de 15 anos, revelam que os nossos alunos têm vindo a melhorar consistentemente.
Sempre que se olha para os resultados dos alunos no exame, põem-se em causa as competências e as aprendizagens dos alunos e a competência profissional dos professores. Não estará na altura de pôr em causa a prova em si, como instrumento de avaliação?
São milhares de alunos que veem as suas vidas interrompidas pelos exames nacionais. São milhares de alunos que, tendo sucesso no secundário, não continuam os estudos no ensino superior. São milhares de alunos que, por terem reprovado num exame, não podem concorrer ao curso pretendido. O exame apresenta-se como um obstáculo difícil de transpor.
Estudos recentes sobre as causas de insucesso na avaliação externa de Física e Química [2] [3] e Biologia e Geologia [4] apontam razões como o grau de dificuldade da prova, a extensão dos programas, os critérios de correção muito rígidos e penalizadores e um grande distanciamento entre o exame e a realidade da sala de aula.
É de extrema importância tomar medidas para mitigar este cenário de insucesso: a redução dos programas, realização de exames com questões de vários níveis cognitivos e não apenas virados para a resolução de problemas, a diversificação do tipo de perguntas no exame, a escolha mais cuidada e mais adequada à maturidade dos alunos das fontes de informação (textos, imagens, gráficos, entre outras) utilizadas nos exames e a diminuição de alunos por turma.
Estando Portugal na cauda dos países da UE28 relativamente aos adultos (30 a 34 anos) com o ensino superior, é imprescindível uma reflexão profunda sobre o insucesso na avaliação externa que se afigura como um desafio iminente para que possamos apostar num paradigma de promoção do sucesso, investindo no futuro, não só dos alunos, mas do País. É urgente uma maior atenção dos investigadores, do ministério e dos professores a este cenário de reprovações e insucesso, tornando-se ainda mais premente agora que o ensino secundário está integrado no ensino obrigatório.
[1] Froemel, J.E. (2009). La Efectividad y la Eficacia de las Mediciones Estandarizadas y de las Evaluaciones en Educación. Revista Iberoamericana de Evaluación Educativa, 2 (1), pp. 10-28
[2] Madureira, M. (2011). A influência dos exames nacionais de Física e Química A e respetivos resultados nas práticas de ensino e de avaliação dos professores (Dissertação de Mestrado). Universidade do Minho, Braga
[3] Salgado, R. (2012). O (in)sucesso em Física e Química A: Um estudo com alunos e professores de uma Escola Secundária de Guimarães (Dissertação de Mestrado). Universidade do Minho, Braga
[4] Lopes, T. (2013). Perceções de Professores, Alunos e Encarregados de Educação sobre o (in)sucesso na disciplina de Biologia e Geologia (Dissertação de Mestrado). Universidade do Minho, Braga
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico