Quem anda a travestir o eucalipto de diabo?
O excesso de eucalipto é a prova do “sucesso” do abandono do meio rural.
No passado dia 20 de Junho, o jornalista Manuel Carvalho dedicou ao livro Portugal em Chamas – Como Resgatar as Florestas, da nossa autoria, um comentário sob a forma de artigo de opinião, “O diabo travestiu-se de eucalipto”. Não escrevemos algo com que toda a gente concorde ou se sinta confortável, ou que sirva apenas para confirmar uma mundivisão que dominou nas últimas décadas em Portugal, e por isso é normal que o livro dê azo a comentários. Mas retirados os adjectivos, procuramos aqui clarificar e esclarecer alguns pontos levantados no artigo.
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No passado dia 20 de Junho, o jornalista Manuel Carvalho dedicou ao livro Portugal em Chamas – Como Resgatar as Florestas, da nossa autoria, um comentário sob a forma de artigo de opinião, “O diabo travestiu-se de eucalipto”. Não escrevemos algo com que toda a gente concorde ou se sinta confortável, ou que sirva apenas para confirmar uma mundivisão que dominou nas últimas décadas em Portugal, e por isso é normal que o livro dê azo a comentários. Mas retirados os adjectivos, procuramos aqui clarificar e esclarecer alguns pontos levantados no artigo.
No Portugal em Chamas, distinguimos dois conceitos: o de monocultura e o de epidemia de árvores. Ambos estão associados à produção de madeira e a vastas extensões dominadas por uma espécie arbórea. Ao conceito de monocultura estão associadas muitas desvantagens (na biodiversidade, nos solos e recursos hídricos, nos riscos por incêndios, pragas e doenças, e face a fenómenos naturais), mas quando falamos de epidemia de árvores, até as vantagens financeiras prometidas na monocultura aos pequenos produtores são postas em causa. Uma monocultura implica forte aplicação de capital e um rigoroso controlo técnico, já a epidemia insere-se num modelo de gestão de abandono, maioritariamente feito à distância e com acréscimo de riscos para os territórios e as suas populações. Enquanto a monocultura poderia trazer vantagens financeiras para os produtores florestais, a epidemia apenas assegura o perpétuo controlo dos preços por parte da indústria transformadora. Estimamos uma ocupação de cerca de 200 mil hectares de monocultura de eucalipto, enquanto de epidemia a área estará próxima dos 700 mil hectares, de que a indústria se nutre sem qualquer encargo. Enquanto se expande a área de epidemia de eucalipto, a área de monocultura, gerida pelas celuloses, encontra-se em contracção. A indústria do “mérito empresarial” invocada no artigo.
Carvalho diz que “O excesso de eucaliptos é a prova do seu valor económico para os produtores e o testemunho do sucesso da indústria que o alimenta”. Mas a expansão de eucalipto não se fez devido ao enorme rendimento produzido por esta cultura, mas sim ao facto de ser uma cultura de abandono, nutrindo o abandono das populações do meio rural e, por outro lado, nutrindo-se de um êxodo rural que a antecede e acompanha. Disso e da expansão invasora da espécie. O excesso de eucalipto é a prova do “sucesso” do abandono do meio rural que tem como consequência, entre outras, os incêndios catastróficos que assolam crescentemente o nosso território (questão central no livro). Além disso, o rendimento florestal está em queda livre nas últimas duas décadas, enquanto a expansão de eucaliptal aumenta. A ausência de gestão e limpezas – factores que agravam os incêndios – não são um fenómeno natural, sem explicações económicas e sociais.
Por outro lado, a introdução massiva da espécie no território não proveio de qualquer debate público entre agentes económicos e sociais, bem pelo contrário: deu origem durante décadas a conflitos sociais e a contestação pública que não podem ser lavadas com uma esponja, por mais que seja esse o desejo da indústria. As próprias reacções ferventes a qualquer disputa acerca do status quo catastrófico das coisas, como a publicação do Portugal em Chamas, deixa a realidade desses conflitos totalmente às claras.
Manuel Carvalho acusa a identificação no livro das ligações entre a política e a indústria de criar “uma atmosfera de conspiração que acaba por minar a valia de uma fileira industrial de enorme importância para o país”. A invocação de “conspiração”, não sendo novidade, vem associada a um escrutínio decrescente, nomeadamente por parte da comunicação social, das enormes ligações entre o poder económico e o poder político, que ocorrem no sector das celuloses como em quase todos os sectores económicos, industriais e financeiros. A realidade, mais que pruridos, exige clareza: basicamente houve ligações directas de todos os governos pós-25 de Abril com a indústria da celulose.
As monoculturas têm um histórico muito negativo em Portugal, seja com os cereais, ou com o pinhal e até já o olival intensivo e superintensivo. Negativos, no sentido em que, apesar de terem criado dinheiro, fizeram-no à conta da degradação ambiental e destruição de vastas áreas de solos. Todavia, com impactos catastróficos, a epidemia de eucaliptos no território, caracterizada por extensas áreas de arvoredo com idades similares, vítimas de sucessivos incêndios, da proliferação de pragas e doenças, e expansão invasora da espécie, está a suplantar erros anteriores. Só a irresponsabilidade pode aceitar a sua manutenção e proliferação.
Finalmente, Manuel Carvalho omite, por completo, a questão das alterações climáticas, que é central no nosso livro: a realidade que permitiu a instalação da fileira da celulose em Portugal é uma realidade já alterada e com os dias contados. Não existe nada mais “romântico” (no sentido pejorativo com que é usado) do que achar que num mundo em profunda mutação ambiental será possível manter uma utilização comprovadamente errada do território em termos de futura viabilidade (ecológica, social, económica) apenas para garantir a rentabilidade de uma indústria cujos impactos negativos nunca foram contabilizados, por muito que se fale da “competitividade externa”. Os que retiram vantagens do abandono e da epidemia de eucaliptos no território é que andam a travestir o eucalipto de diabo.
Os autores escrevem segundo o novo Acordo Ortográfico