O miserável destino do campeão do mundo
Primeira grande surpresa do Rússia 2018. Alemanha perde com a Coreia do Sul e fica-se pela fase de grupos, tal como acontecera com outros campeões em título nas últimas décadas.
A história recente dos Mundiais de futebol prova que os campeões que têm por missão defender o seu título nunca têm vida fácil. Que o digam a França em 2002, a Itália em 2010 e a Espanha em 2014, três campeões que fizeram uma miserável defesa do seu estatuto e nem sequer ultrapassaram a fase de grupos, três exemplos a provar que surpresas acontecem. E, nesta quarta-feira, voltou a acontecer o mesmo a uma selecção que se pensava ser à prova de surpresas. A Alemanha, campeã em 2014, ficou-se pela fase de grupos no Rússia 2018, depois de perder frente à Coreia do Sul, em Kazan, por 2-0 em jogo a contar para o Grupo F, que apurou a Suécia em primeiro e o México em segundo graças a um triunfo dos nórdicos por 3-0.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
A história recente dos Mundiais de futebol prova que os campeões que têm por missão defender o seu título nunca têm vida fácil. Que o digam a França em 2002, a Itália em 2010 e a Espanha em 2014, três campeões que fizeram uma miserável defesa do seu estatuto e nem sequer ultrapassaram a fase de grupos, três exemplos a provar que surpresas acontecem. E, nesta quarta-feira, voltou a acontecer o mesmo a uma selecção que se pensava ser à prova de surpresas. A Alemanha, campeã em 2014, ficou-se pela fase de grupos no Rússia 2018, depois de perder frente à Coreia do Sul, em Kazan, por 2-0 em jogo a contar para o Grupo F, que apurou a Suécia em primeiro e o México em segundo graças a um triunfo dos nórdicos por 3-0.
É um auf Wiedersehen ao campeão em título que se adivinhava desde a derrota na abertura, frente ao México, mas que tinha ficado na gaveta com aquele golo salvador de Toni Kroos frente aos suecos. Desta vez, faltou tudo à “mannschaft”, não apenas o milagre. Faltaram-lhe ideias, pernas e cabeça fria, e acabou por ser fraca herdeira de uma Alemanha que já foi quatro vezes campeã, quatro vezes vice-campeã, quatro vezes terceira classificada e uma vez quarta nas 18 participações anteriores. Só em 1938 é que ficou logo pela primeira ronda (antes de haver fase de grupos), e, mesmo nos seus piores Mundiais, chegava, pelo menos, aos quartos-de-final.
Muito se falou desta Alemanha e da capacidade de Joachim Löw a ir renovando sem perder a competitividade. No ano passado, dizia-se que era uma Alemanha B que tinha ganho a Taça das Confederações e que essa era a prova da excelência do sistema alemão, da sua produção industrial e inesgotável de talentos de primeira linha. Löw levou a sério essa renovação, chamou apenas nove dos seus campeões de 2014 e não se deixaria apanhar na mesma armadilha que a Espanha em 2014, em que Vicente del Bosque confiou demasiado nos seus campeões de 2010 e foi o que se viu — no Rússia 2018, a Alemanha era a sexta selecção mais jovem entre as 32.
E se havia alguma coisa que se discutia nesta Alemanha era a justiça da titularidade de Manuel Neuer na baliza em prejuízo de Ter Stegen, depois de uma época quase em branco do homem do Bayern. Mas nem foi por aqui que a Alemanha teve vida curta no Mundial. Até foi ele que prolongou a vida da “mannschaft” naquele jogo com a Suécia, o tempo suficiente para Kroos resolver naquele livre. Mas também seria Neuer, num último esforço de dar vida a este carro alemão novo com dificuldades em pegar, a ser apanhado em falso.
À entrada para a última jornada, ainda ninguém estava apurado ou eliminado no Grupo F, e a combinação de resultados não era assim tão improvável para que a Alemanha se apurasse. Mas, durante meio jogo, não parecia haver um verdadeiro sentido de urgência entre os alemães, controladores mas pouco perigosos, como que a contar com milagres inevitáveis. A Coreia, que também sonhava em seguir em frente, fazia o que lhe competia, solidária a defender (e, diga-se, com um belo guarda-redes, Cho Hyun-woo) e a contar com a arte de Son Heung-min, avançado do Tottenham, lá na frente.
Oportunidades alemãs na primeira parte? Nada de que valha a pena falar. Mas esteve bem perto do 1-0 logo no início da segunda: um cruzamento de Kimmich para a cabeça de Goretzka e uma grande defesa de Cho.
A Alemanha precisava de arriscar, o que é algo que não associamos habitualmente à “mannschaft”, que costuma estar sempre no controlo. Löw foi metendo, sucessivamente, corpos no ataque, primeiro Mario Gomez, depois Thomas Muller, finalmente Julian Brandt. Com o que estava a acontecer no Suécia-México, empate era igual a derrota e a Alemanha, como não é uma selecção habituada a isto, expôs-se e a Coreia aproveitou.
Foram várias as situações em que os asiáticos apareceram em situação de finalização junto à área alemã, mas só desfizeram o empate no tempo de compensação. No meio de uma molhada na área alemã após um canto, Kim Young-gwon viu-se isolado frente a Neuer e acertou na baliza. Os festejos foram retardados porque o árbitro assistente levantou a bandeira a assinalar fora-de-jogo, mas uma revisão do VAR (que tinha os portugueses Tiago Martins e Artur Soares Dias) validou o golo — a bola tinha batido em Kroos antes de chegar a Kim.
Depois, num acto de desespero, Neuer juntou-se ao ataque e a Alemanha ficou a jogar sem ninguém na baliza. Apesar de saber jogar com os pés como poucos guarda-redes, Neuer perdeu a bola para Ju Se-jong, que a meteu longa para a aceleração de Son e para o segundo golo da Coreia que fez a Alemanha baixar definitivamente os braços e aceitar um destino que já antes afectara outros campeões do mundo.