O sermão de Macron a um adolescente francês
Um bom sermão tem sempre grandes vantagens, e não deve estar reservado aos pais, sobretudo quando os pais não estão lá.
Por esta altura já quase toda a gente viu as imagens: numa cerimónia de homenagem à resistência francesa durante a Segunda Guerra Mundial, um jovem de 14 anos dirigiu-se a Emmanuel Macron com um coloquial “ça va, Manu?”, logo depois de ter trauteado A Internacional. Macron ouviu, não gostou e pregou: “Não, não, não, não, não... Estás numa cerimónia oficial e, por isso, comportas-te como deve ser. Podes armar-te em imbecil, mas hoje é dia de cantar A Marselhesa e O Canto dos Partisans [hino da resistência à ocupação alemã]. A mim chamas-me senhor Presidente da República, ou senhor, de acordo?” E depois, não inteiramente satisfeito, voltou atrás para uma segunda dose de sermão: “No dia em que quiseres fazer a revolução tira primeiro um diploma e aprende a sustentar-te. Então poderás dar lições aos outros.”
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Por esta altura já quase toda a gente viu as imagens: numa cerimónia de homenagem à resistência francesa durante a Segunda Guerra Mundial, um jovem de 14 anos dirigiu-se a Emmanuel Macron com um coloquial “ça va, Manu?”, logo depois de ter trauteado A Internacional. Macron ouviu, não gostou e pregou: “Não, não, não, não, não... Estás numa cerimónia oficial e, por isso, comportas-te como deve ser. Podes armar-te em imbecil, mas hoje é dia de cantar A Marselhesa e O Canto dos Partisans [hino da resistência à ocupação alemã]. A mim chamas-me senhor Presidente da República, ou senhor, de acordo?” E depois, não inteiramente satisfeito, voltou atrás para uma segunda dose de sermão: “No dia em que quiseres fazer a revolução tira primeiro um diploma e aprende a sustentar-te. Então poderás dar lições aos outros.”
Houve quem não gostasse, e são basicamente dois os tipos de reacção a criticar o comportamento de Macron. O primeiro considera que o jovem estava apenas a ser simpático, e que a resposta do Presidente francês foi estupidamente arrogante. Miguel Esteves Cardoso escreveu que o cumprimento amistoso do rapaz recebeu em troca uma resposta digna de “um bullyzinho todo franciú” e “emproado”. O segundo tipo de reacção admite que o miúdo foi insolente, mas entende – opinião de Pedro Mexia – que os sermões estão reservados para os pais, e que não compete a um Presidente da República responder com artilharia pesada à provocação de um adolescente.
Discordo tanto de Esteves Cardoso como de Pedro Mexia, e estou inteiramente ao lado de Macron – ele fez muito bem em responder daquela maneira. Explico porquê. Sendo eu um liberal com uma coluna chamada “o respeitinho não é bonito”, que odeia o país dos senhores doutores e que entende que padecemos de um défice tremendo de irreverência, este meu posicionamento pró-Macron é uma coisa que à primeira vista pode parecer que não faz sentido. Mas faz, por duas razões.
Em primeiro lugar, e talvez por já estar demasiado calejado quanto a adolescentes insolentes, o que vi foi um miúdo armado em chico-esperto a querer exibir o seu atrevimento à frente dos amigos – não um jovem amistoso com défice protocolar. Ora, existe uma enorme diferença entre “respeito” e “respeitinho” e entre “irreverência” e “insolência”. Dinamitar o respeitinho e cultivar a irreverência é uma forma de cada um exercer a sua liberdade individual de uma forma tão lata quanto possível, recusando pactuar com o silenciamento de ideias ou com os argumentos de autoridade. É, nesse sentido, uma forma de enriquecimento do espaço público. A insolência não é nada disso: é um modo de desrespeitar regras de cortesia e protocolos de comunicação, indispensáveis à realização de qualquer conversa. Não é um ataque a ideias, mas sim um ataque gratuito a pessoas.
É nesse sentido – e este é o meu segundo argumento – que Macron fez bem em criticar o miúdo. Não o vejo como uma humilhação. Bem pelo contrário: Macron levou-o a sério e deu-lhe importância. Um bom sermão tem sempre grandes vantagens, e não deve estar reservado aos pais, sobretudo quando os pais não estão lá. Aquele rapaz ouviu o que precisava: que as revoluções não se fazem a trautear A Internacional e que há coisas que existiam antes de nós e continuarão depois de nós: os heróis, a história de um país, o sistema político que criámos para viver em liberdade e em paz. Respeitar isso não é subserviência – é apenas inteligência, sensatez e boa educação.