"Esta estratégia é para durar várias décadas"
Peritos que definiram estratégia para a saúde da visão propõem uma espécie de rastreio, aos 60 anos, para detectar factores de risco para as duas doenças que são as principais causas de cegueira da população adulta no mundo ocidental
Augusto Magalhães, o oftalmologista do Hospital de S. João (Porto) que coordenou os trabalhos para a definição da Estratégia Nacional para a Saúde da Visão, assume a responsabilidade pela proposta de criação de uma espécie de rastreio das pessoas, aos 60 anos, para detectar eventuais factores de risco para glaucoma ou degenerescência macular da idade. “É uma aposta pessoal”, diz.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Augusto Magalhães, o oftalmologista do Hospital de S. João (Porto) que coordenou os trabalhos para a definição da Estratégia Nacional para a Saúde da Visão, assume a responsabilidade pela proposta de criação de uma espécie de rastreio das pessoas, aos 60 anos, para detectar eventuais factores de risco para glaucoma ou degenerescência macular da idade. “É uma aposta pessoal”, diz.
Falam num défice substancial de oftalmologistas no Serviço Nacional de Saúde.
No SNS, há um grande défice quer de oftalmologistas, quer de ortoptistas. Faltarão 114 médicos (horário semanal de 40 horas) e entre 80 a 90 ortoptistas. Estamos a formar em média 20 [novos médicos] por ano, mas é preciso que o Estado tenha capacidade de motivá-los para ficarem no SNS e que tenha a capacidade de os contratar. Este Governo tem feito um esforço nesse sentido, mas historicamente tem havido dificuldades e ainda não conseguimos entrar em velocidade de cruzeiro. [Neste trabalho] conseguimos uma caracterização do panorama actual e, com base nisto, criámos um capítulo de propostas que tem alguma ambição. Este não é um projecto para concretizar em um ou dois anos, mas para implementar em seis, sete, oito anos. E é para durar várias décadas.
Querem que uma parte dos doentes seja vista nos centros de saúde. Como se operacionaliza esta proposta?
Esta é a primeira estratégia [de saúde visual] que se desenha para os cuidados de saúde primários. Havia apenas um programa desde 2009, que na prática arrancou em 2011, de rastreio sistemático de doentes diabéticos, com crescimentos da ordem dos 40% ao ano, mas com metodologias diferentes de região para região. Em 2016, o secretário de Estado adjunto e da Saúde pediu-nos para desenharmos um rastreio de base populacional da ambliopia nas crianças. Fiz um projecto que foi implementado em forma de piloto e depois alargado. E Graça Freitas [directora-geral da Saúde] considerou que fazia sentido albergar isto sob um guarda-chuva amplo e criar uma estratégia.
A lista de espera para consultas nos hospitais aumentou em 2017.
Sim, aumentou, apesar de o número de consultas ter crescido. Grande parte das consultas em oftalmologia não são de grande complexidade técnica, portanto, o que propomos, em primeiro lugar, é a criação de pontos básicos de oftalmologia [nos cuidados de saúde primários] para a realização de primeiras consultas, de maneira a libertar os hospitais para tarefas de maior complexidade clínica. Outro pilar desta plataforma serão os pontos de rastreio, que são cruciais. O grande desígnio do SNS são as vacinas e o rastreio. Como em oftalmologia não há vacinas, ficam os rastreios. No rastreio de saúde visual infantil o que identificamos são os factores capazes de levar a ambliopia [“olho preguiçoso”]. Isto acaba por ser uma espécie de vacina, ainda que não no sentido literal do termo.
Querem que aos 60 anos as pessoas sejam testadas para duas doenças?
Este terceiro ponto da plataforma é mais discutível e polémico. Não existe nenhuma estrutura que se assemelhe a esta, é uma aposta pessoal. Vamos fazer um projecto-piloto. Há duas doenças que cegam de forma irreversível, o glaucoma e degenerescência macular da idade. Não há exames, testes que digam: este doente vai ter esta ou aquela complicação, não se pode fazer o rastreio sistemático, mas há parâmetros que sabemos que são factores de risco. Por isso propomos que, aos 60 anos, as pessoas façam um “rastreio”, nos chamados pontos de intervenção única.
Outra proposta passa pela remodelação da rede de urgência.
No fundo, é replicar em Lisboa o que se faz no Porto, mas só entre a meia-noite e as 8 da manhã. No Algarve, que não tem como replicar, propomos excepcionalmente contratualizar a serviços privados uma plataforma que garanta a urgência de oftalmologia no Algarve. É uma proposta ousada e que sai um bocado do âmbito da actual lei de bases da saúde, mas já se enquadra na proposta actual de lei de bases, se for aprovada. Não faz sentido que alguém no Algarve, com um corpo estranho na córnea que demora um minuto a tirar, tenha que ir a Lisboa. E propomos a replicação do esquema do Porto em Lisboa, mas só entre a meia- noite e as 8 da manhã.
Por que é que há necessidade de uma rede nacional de rastreio e tratamento da retinopatia da prematuridade?
Muitas maternidades não têm pessoal diferenciado e isso faz com que, volta e meia, uma criança cegue para o resto da vida. Esta é uma grande aposta neste quadro estratégico. À medida que o peso baixa [para além das 1500 gramas], o risco é maior. Muitas crianças nascem com 600 e 700 gramas e têm um altíssimo risco de desenvolver retinopatia de prematuridade.