Banksy invade as ruas de Paris com obras sobre a crise migratória
Publicação no Instagram do artista é interpretada como uma reivindicação da autoria das pinturas. E ganha também força a teoria de que Robert Del Naja, músico dos Massive Attack, poderá ser o rosto por detrás do misterioso autor.
Várias obras de arte urbana que foram identificadas ao longo dos últimos dias nas ruas de Paris são da autoria, ao que parece, a Banksy, artista britânico de Bristol (cuja identidade permanece envolta em mistério) cuja obra assume tradicionalmente um teor político.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Várias obras de arte urbana que foram identificadas ao longo dos últimos dias nas ruas de Paris são da autoria, ao que parece, a Banksy, artista britânico de Bristol (cuja identidade permanece envolta em mistério) cuja obra assume tradicionalmente um teor político.
Até ao momento, foram contabilizados oito murais na capital francesa. Abordam a crise migratória e a questão dos refugiados na Europa, assim como o racismo e o anti-semitismo, questões na ordem do dia, e caras ao Presidente francês Emmanuel Macron (e que, no caso da crise migratória, levaram os líderes europeus a reunirem-se, no domingo, numa minicimeira informal).
As obras têm sido atribuídas a Banksy, que o diário francês L’Humanité apelida de "artivista" (uma junção de activista e artista). Nicolas Laugero Lasserre, director da publicação francesa de arte Artistik Rezo, afirmou que "é uma oportunidade extraordinária" ter o artista em Paris. "Como sempre, as suas intervenções chegam num momento político chave, exortando os cidadãos e o governo a mudar o paradigma da questão migratória", esclareceu.
A primeira obra a ser descoberta, perto de Porte de la Chapelle (no 18.º bairro), mostra a imagem de uma menina negra em cima de uma caixa de madeira a pintar com spray um mural (de padrão floral) cor-de-rosa por cima de uma cruz suástica, junto a um saco-cama e um peluche. Foi encontrada a 20 de Junho, Dia Mundial do Refugiado, numa rua parisiense onde, até há poucos meses, existia um centro de acolhimento de refugiados. Entretanto, esta obra foi vandalizada, levando a que alguns dos outros murais fossem protegidos.
Anne Hidalgo, presidente da Câmara Municipal de Paris, que protestou contra a decisão de Macron para encerrar aquele centro de acolhimento, recorreu ao Twitter para se manifestar. "Às vezes uma imagem vale mais do que mil palavras. Humanidade e pragmatismo, em vez de populismo", escreveu. De notar ainda que o mesmo padrão cor-de-rosa já tinha sido utilizado numa obra de Banksy, intitulada Go Flock Yourself, que esteve em exposição no City Museum and Art Gallery de Bristol em 2009.
Outra das obras em questão retrata Napoleão Bonaparte a montar um cavalo branco — uma referência à pintura de 1801 de Jacques-Louis David, intitulada Napoleão cruzando os Alpes —, envolto num manto encarnado que pode ser associado à proibição do uso do véu islâmico em França. Um homem de fato, segurando uma serra atrás das costas ao mesmo tempo que oferece um osso a um cão com uma pata amputada, é a ilustração que se encontra numa parede do Quartier Latin que o diário francês Le Monde acredita ser uma alegoria ao capitalismo (tema transversal às obras de Banksy, assim como a ironia).
Já nesta segunda-feira, a figura de uma mulher, aparentemente de luto, em tons de branco, apareceu numa porta traseira da sala de espetáculos parisiense Bataclan, pela qual centenas de pessoas escaparam, na noite de 13 de Novembro de 2015, ao ataque terrorista que provocou a morte a 90, no que foi interpretado como um tributo às vítimas do atentado.
Por fim, as famosas ratazanas de Banksy, uma das suas imagens de marca. Uma tem um lenço a cobrir o nariz e parece estar prestes a detonar algum explosivo. Outra, localizada perto da Universidade Paris-Sorbonne, tem um laço vermelho fazendo lembrar a Minnie com a descrição "Maio de 1968", uma clara referência ao movimento revolucionário daquela época em França, marcado pela revolta estudantil, e que assinalou este ano o seu 50.º aniversário. Uma outra ratazana voa em cima de uma rolha de uma garrafa de champanhe, enquanto um casal da mesma espécie "passeia" por uma parede junto à Torre Eiffel.
São várias as razões que levaram os especialistas a crer que este conjunto de obras é da autoria de Banksy: os temas, o estilo e a ausência de assinatura que correspondem ao seu modus operandi. E, no que será a derradeira prova da autoria, o próprio artista publicou nesta terça-feira, na sua conta oficial do Instagram, imagens de algumas destas obras.
Esta será a primeira vez que Banksy intervém em Paris, mas o artista já tinha deixado antes a sua marca em França. Em 2015, fez um grafito na "Selva", o campo de refugiados perto de Calais, num statement onde lembra que Steve Jobs, o fundador da Apple, era filho de um imigrante sírio. Os temas políticos também não passam ao lado. Em Maio de 2017, Banksy criou um mural sobre o "Brexit" — com um homem, no topo de um escadote, a destruir uma das estrelas do símbolo da União Europeia — numa parede de um prédio em Dover, perto do cais do ferry que liga o Reino Unido ao continente europeu. Os seus trabalhos são ainda uma forma de activismo e denúncia: em Março deste ano, pintou um mural em Nova Iorque para chamar a atenção para o caso de Zehra Dogan, artista e jornalista turca, de etnia curda, que foi presa por assinar uma obra que os tribunais curdos consideraram constituir propaganda terrorista.
E se as teorias sobre a sua identidade não cessam, aquela que defende que Banksy é na realidade o músico Robert Del Naja, da banda Massive Attack ganha novo alento, uma vez que o grupo vai actuar no próximo domingo na cidade de Lyon, em França — dando força à tese de que as deslocações da banda coincidem com o aparecimento de novos murais do street artist.
Texto editado por Pedro Guerreiro