A declaração M-M-M!
É defendido, na declaração de Merkel-Macron-em-Meseberg, que o Fundo Único de Resolução da Zona Euro deveria ser constituído de forma a assegurar que não ocorram transferências orçamentais entre países. O que é um enorme contra-senso.
A chanceler Angela Merkel e o presidente Emmanuel Macron, reuniram-se na Alemanha, no Castelo de Meseberg, perto de Berlim, na passada terça-feira para preparar a reunião do Conselho Europeu dos dias 28-29 do corrente mês. Desse encontro, resultou uma declaração conjunta.
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A chanceler Angela Merkel e o presidente Emmanuel Macron, reuniram-se na Alemanha, no Castelo de Meseberg, perto de Berlim, na passada terça-feira para preparar a reunião do Conselho Europeu dos dias 28-29 do corrente mês. Desse encontro, resultou uma declaração conjunta.
As propostas de política económica dessa declaração, nomeadamente as relativas à União Económica e Monetária, à União Bancária e ao Orçamento da Zona Euro, parecem reflectir as propostas constantes do relatório de peritos franceses e alemães que já se analisou em artigo anterior.
Merkel e Macron parecem apoiar a transformação do Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE) num Fundo Monetário Europeu, sugerindo uma alteração da designação do MEE, sem explicitar qual, mas conferindo-lhe os poderes previstos no referido relatório de peritos.
A linguagem utilizada na declaração é hermética. Requer conhecimento prévio daquele relatório e de outras propostas de autoridades europeias. Como reconhecido pelo presidente do MEE, Klaus Regling, em resposta a uma interpelação de Francisco Louçã, numa conferência recente sobre o futuro do MEE organizada pelo Público na Fundação Calouste Gulbenkian, a atribuição de novos poderes ao MEE exigirá um novo acordo intergovernamental o que, reconheça-se, parece muito pouco provável no contexto político europeu actual, mas que não é de excluir.
Depreende-se do texto da declaração de Merkel e Macron que o MEE seria mantido sob a tutela do Eurogrupo e do Conselho Europeu, ou seja, continuaria a ser uma instituição intergovernamental. Assim, a proposta de Jean-Claude Juncker que previa que o MEE ficasse sob a tutela da Comissão Europeia não terá vingado.
O MEE passaria a ter um papel na aplicação de medidas de resolução a bancos, nomeadamente concedendo empréstimos ao Fundo Único de Resolução da Zona Euro, mantendo-se também neste novo instrumento do MEE o pressuposto de “condicionalidade estrita”. Esta frase não deixa de suscitar preocupações. O que significará em concreto? Será que a condicionalidade que hoje é imposta pela Direcção Geral da Concorrência da Comissão Europeia a bancos sujeitos a medidas de resolução passaria a ser realizada pelo MEE?
Em relação ao restante texto do acordo sobre o MEE, são de salientar as referências: à análise de sustentabilidade de dívida (Debt Sustainability Analysis - DSA); às alterações às cláusulas de acção colectiva (CACs); a um novo papel do MEE como “facilitador do diálogo entre estados membros e investidores privados”; à potencial obrigação de participação do FMI em pedidos de resgate de países membros; e à participação permanente do MEE na “troika”. Estas referências deixam poucas dúvidas sobre o sentido das reformas e traduzem posições defendidas, entre outros, por Jens Weidmann, pelo Bundesbank e pelo referido grupo de peritos franceses e alemães.
Entre outros aspectos, pretende-se implementar na Zona Euro um mecanismo de reestruturação de dívidas públicas soberanas em que o MEE aparece como mediador entre credores privados e governos. Como se argumenta em recente nota do IPP, esse mecanismo de reestruturação de dívida pública retira soberania aos países membros que deixam de ser capazes de definir os termos da reestruturação de dívida e coloca governos ao mesmo nível de credores privados fragilizando assim a posição negocial dos primeiros.
Na mesma declaração, é defendido que o controlo sobre monitorização das políticas orçamentais da Zona Euro deixe de pertencer exclusivamente à Comissão Europeia – considerada por alguns responsáveis como sendo demasiado sujeita a pressões políticas –. Com efeito, o MEE passaria a ter responsabilidades neste domínio, algo que, afirma-se, será feito “respeitando os tratados europeus”.
A referência, nessa declaração, à análise da sustentabilidade de dívida pública pelo MEE é pouco credível.
Note-se que o MEE considerou as dívidas de Portugal e da Grécia como sustentáveis. Contudo, a análise de sustentabilidade de dívida (DSA) do FMI para Portugal, de Setembro de 2016, que apresentava projecções até 2021, era uma análise de curto e médio prazo (1-5 anos) e não uma verdadeira DSA, que deveria ser sobretudo uma análise de médio e longo prazo (5-30 anos). No entanto, se se utilizasse as projecções de 2021 do FMI para prever a evolução da dívida pública portuguesa no longo prazo, então seriam necessários 87 anos para que a dívida pública portuguesa caísse abaixo dos 60% do PIB, o que somente ocorreria em 2103! Isto sinaliza que os técnicos do FMI consideravam, no final de 2016, que a dívida pública de Portugal não seria sustentável. Algo similar ocorre com a DSA da Grécia no presente.
As propostas relativas ao “aprofundamento” da União Bancária, constantes da declaração conjunta de Macron e Merkel, são ainda mais preocupantes, a ponto de a Associação Portuguesa de Bancos finalmente manifestar-se publicamente, de acordo com o jornal online Eco, contra a imposição de um limite de 5% para o crédito malparado, algo que contraria as normas contabilísticas internacionais e que é uma decisão financeira prejudicial para economias como a portuguesa e a italiana, como já aqui se argumentou.
Acresce que, segundo a referida declaração conjunta, a criação da linha de financiamento do MEE permitiria substituir o “instrumento de recapitalização directa” para a banca. Significa isto que os Estados-Membros deixariam de ter a possibilidade de recapitalizar bancos após a imposição de perdas a accionistas e credores (“bail-in”) de 8% dos passivos? Por exemplo, se necessário, o governo português não poderia recapitalizar a Caixa Geral de Depósitos? Se assim for, aumentaria o risco de corridas a bancos fragilizando ainda mais o sistema bancário europeu.
É defendido ainda, nessa declaração de Merkel-Macron-em-Meseberg, que o Fundo Único de Resolução da Zona Euro deveria ser constituído de forma a assegurar que não ocorram transferências orçamentais entre países. O que é um enorme contra-senso.
Ou seja, se, por exemplo, fosse necessário aplicar novas medidas de resolução ao sistema bancário português então os restantes bancos portugueses teriam de devolver os custos da resolução, através de contribuições suplementares num prazo de três anos, extensível por mais dois. Como o fariam sem brutais aumentos de capital e sem custos adicionais para a economia e para os contribuintes portugueses? E quais as consequências de tal exigência na estabilidade do sistema financeiro do país sujeito à aplicação de uma medida de resolução de um banco de dimensão intermédia?
Quanto à questão do Orçamento da Zona Euro, a declaração M-M-M afirma a posição de um Orçamento comum sem transferências orçamentais em relação a um futuro fundo de desemprego europeu. O Orçamento da Zona Euro proposto prevê ainda um programa de investimento europeu para promover a competitividade e a convergência, que poderia vir a substituir despesa nacional, sem qualquer referência a montantes.
Ou seja, em síntese, a declaração conjunta de Merkel e de Macron em Meseberg parece traduzir, em relação aos três temas aqui abordados – União Económica e Monetária, União Bancária e Orçamento da Zona Euro – as propostas há muito defendidas pela Alemanha. O contributo de França, em relação ao Orçamento comum da Zona Euro acaba por ser muito limitado e, por isso, não se percebe o entusiasmo de Macron.
É pouco provável que a declaração 3M seja aprovada na presente forma. Conta com a oposição de 12 países, alguns dos quais defendem uma linha ainda mais dura. Em particular, é muito provável que Itália rejeite liminarmente, e bem, este acordo.
Para os portugueses coloca-se a questão de saber o que fará, perante propostas que se afiguram prejudiciais para Portugal, o Governo de António Costa e Mário Centeno?