Ministro queria menos doentes operados no privado mas aconteceu o contrário
Os hospitais públicos enviaram para as unidades privadas e do sector social com quem têm convenções quase 119 mil doentes para serem operados em 2017. Um aumento substancial que contraria os objectivos do Governo.
Num ano marcado por greves de vários grupos profissionais, em 2017 o Serviço Nacional de Saúde (SNS) operou o “número mais elevado de sempre” de doentes mas, ao contrário do que o ministro Adalberto Campos Fernandes pretendia, as cirurgias que foram enviadas para os privados e o sector social por falta de resposta atempada nos hospitais públicos aumentaram substancialmente.
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Num ano marcado por greves de vários grupos profissionais, em 2017 o Serviço Nacional de Saúde (SNS) operou o “número mais elevado de sempre” de doentes mas, ao contrário do que o ministro Adalberto Campos Fernandes pretendia, as cirurgias que foram enviadas para os privados e o sector social por falta de resposta atempada nos hospitais públicos aumentaram substancialmente.
No total foram operadas 588.813 pessoas, um número sem paralelo desde que existe Sistema Integrado de Gestão de Inscritos para Cirurgia (SIGIC), segundo o relatório de acesso ao SNS que esta semana foi enviado para o Parlamento. Mas o acréscimo de 20 mil doentes face a 2016 acabou por ser em grande parte suportado pelos hospitais privados e do sector social (como as unidades das Misericórdias, por exemplo) com os quais o SNS tem protocolos e convenções.
De acordo com os dados do Relatório Anual sobre o Acesso a Cuidados de Saúde nos estabelecimentos do SNS e Entidades Convencionadas, em 2017 os hospitais públicos operaram 534.545 utentes, um aumento de 1,8% em comparação com o ano anterior. Ao mesmo tempo, porém, os hospitais protocolados (unidades privadas e sociais que recebem doentes encaminhados pelos cuidados de saúde primários) operaram 29.660 doentes (mais 7,3%) e os convencionados outros 24.608 (mais 51,9%). Os convencionados são unidades que recebem pacientes enviados por hospitais públicos quando se está a aproximar do fim do tempo máximo estipulado na lei para a cirurgia.
Aconteceu, assim, o contrário do que pretendia a tutela. Desde que entrou em funções, o actual Governo tem defendido uma política de internalização de cirurgias e exames médicos no SNS, procurando reduzir o recurso aos convencionados. Em 2016, o ministério até criou um programa de incentivo de cirurgias adicionais no SNS, para que os hospitais públicos pudessem realizar mais operações e se evitasse a emissão dos chamados vales-cirurgia para os privados com quem têm acordos. Estes cheques são dados aos doentes quando o tempo máximo de resposta garantido (TMRG) se aproxima do fim. No caso de uma prioridade normal, esse prazo era de nove meses em 2017.
Logo em Junho de 2016, o ministro Adalberto Campos Fernandes anunciou, numa comissão parlamentar de Saúde, que a partir de Janeiro do ano seguinte os hospitais públicos ficariam “inibidos de emitir cheques para o sector convencionado, a não ser que se faça prova do interesse do doente crítico em termos de não haver resposta pública adequada”.
Contudo, o relatório do acesso mostra que a emissão de vales-cirurgia aumentou e as notas de transferência (encaminhamento para hospitais do SNS) diminuíram. “Em 2017 foram emitidos 127.450 notas de transferência e vales-cirurgia, sendo que 93,1% destes foram vales- cirurgia emitidos para os convencionados (118.696) e os restantes 6,9% foram notas de transferência emitidas entre instituições públicas do SNS (8754). Em 2016 tinham sido 67 mil e 14 mil, respectivamente.
Menos operações no Alentejo
A média de tempo de espera foi de 3,1 meses, prazo semelhante ao do ano anterior, mas o número de pessoas à espera de cirurgia aumentou, porque entraram mais doentes na lista. No final do ano passado, havia 231 250 pessoas em lista de espera.
Numa análise por regiões, o documento indica que em todas as administrações regionais de saúde (ARS), à excepção do Alentejo, se registou um aumento da produção cirúrgica em relação ao período homólogo. Assim, o Algarve aumentou 9,5%, Lisboa e Vale do Tejo 5,3%, o Norte 4,1% e o centro 0,3%. Já o Alentejo registou uma diminuição de 6,7%.
Nas patologias que lideram a lista de cirurgias, verificou-se um aumento das operações às cataratas, próteses da anca, hérnias inguino-femurais, varizes e neoplasias malignas (cancros). No caso das doenças oncológicas, em 2017 foram operados mais de 46 mil doentes.
Mais procura
Em 2017, salienta o relatório, “assistiu-se ao crescimento do número de utentes propostos para cirurgia nos hospitais do SNS (mais 4,2% de entradas em lista de inscritos para cirurgia do que em 2016), ou seja, foram propostos para cirurgia 699.132 utentes em 2017, mais 28.219 do que em 2016, o que representa um maior acesso à resposta cirúrgica no SNS”.
“O aumento da actividade cirúrgica programada que se registou no SNS em 2017 foi, ainda assim, inferior ao aumento do acesso dos utentes” à lista de inscritos para cirurgia (LIC), aponta ainda o documento, que refere que no final do ano passado “estavam 231.250 utentes em LIC (destes, 4601 utentes estavam inscritos por neoplasia maligna)”.
com Alexandra Campos