Embarcar para Gaza é agir quando o mundo não faz nada
Activistas da flotilha que tenta furar o bloqueio à Faixa de Gaza pararam em Portugal. Sabem que não vão atracar no porto palestiniano, mas esperam provocar um desgate que leve ao fim desta política israelita.
O bloqueio à Faixa de Gaza dura há mais de dez anos; há mais de dez anos que activistas se juntam para tentar quebrá-lo por via marítima. Esta sexta-feira partem de Lisboa dois navios numa nova tentativa de chegar o mais perto possível do território palestiniano.
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O bloqueio à Faixa de Gaza dura há mais de dez anos; há mais de dez anos que activistas se juntam para tentar quebrá-lo por via marítima. Esta sexta-feira partem de Lisboa dois navios numa nova tentativa de chegar o mais perto possível do território palestiniano.
Os activistas sabem que não vão conseguir atracar no porto de Gaza, mas esperam chegar o “mais perto possível”; disse o capitão do navio Freedom, o sueco Jens Marklund, esta quinta-feira em Cascais, onde dois dos navios estiveram nos últimos dias. A ideia é tentar uma e outra vez. E mais uma e outra. “Tentamos chegar o mais perto possível. Tentamos que a Marinha israelita tenha de lidar connosco.” Para o capitão, tentativa após tentativa irá provocar uma erosão que um dia permita quebrar o bloqueio.
O canadiano David Heap, que já participou em duas flotilhas, sublinha que “o bloqueio não vai ser quebrado lá – vai ser quebrado nas nossas capitais”. Daí as paragens em vários portos, para encontros com activistas e jornalistas, como a conferência de imprensa desta quinta-feira em Cascais.
O bloqueio é o que está a tornar Gaza num local que a ONU diz estar prestes a tornar-se inabitável, com quatro horas de electricidade diária (já foram apenas duas), com falta de água potável (menos de 95% das casas têm água dessalinizada). É o que impede importações e exportações, e assim deixa a actividade económica num mínimo. Dificulta ou impede entradas e saídas de pessoas (em dois milhões de habitantes de Gaza, todos os dias umas muito poucas dezenas passam pelo posto de Erez para Israel; o posto de Rafah, com o Egipto, está ora aberto ora fechado semanas a fio).
Israel diz que o bloqueio é necessário por razões de segurança, lembrando as tentativas de ataque a posições israelitas de militantes do movimento islamista Hamas; organizações de direitos humanos dizem que é castigo colectivo aos habitantes do território governado pelo Hamas.
A acção da flotilha, sublinham os intervenientes, é totalmente pacífica. A primeira, que partiu da Turquia em 2010, terminou com a morte de nove activistas a bordo num raide de forças israelitas ao navio Mavi Marmara.
As flotilhas seguintes foram sempre interceptadas por Israel, levadas para portos israelitas e confiscadas, e os activistas detidos e expulsos.
Mas os activistas continuam a arranjar novas embarcações e a fazer novas viagens. Às vezes há pequenas vitórias: em 2012, conta o capitão Marklund, os activistas desafiaram legalmente a apreensão por Israel do navio e ganharam o processo, que foi até ao Supremo Tribunal: as verbas servem para custear novas viagens. “Há pessoas a lutar pelos direitos humanos também em Israel”, nota.
Ir além de apenas falar
Como há mais pessoas a quererem participar do que lugares a bordo, há participantes que se vão revezando, fazendo apenas alguns troços da viagem, mais pequenos ou maiores, diz David Heap.
O eurodeputado espanhol do partido Podemos Miguel Urbán Crespo fará um dos mais pequenos, entre Lisboa e Cádiz. “Não é possível ver mais de cem pessoas serem assassinadas em manifestações pacíficas e não fazer nada", diz, referindo-se às mortes por militares israelitas de participantes na Marcha do Retorno, que estavam junto à barreira que divide a Faixa de Gaza de Israel.
Israel alega que havia perigo de infiltração de militantes do Hamas para atacar comunidades perto. Organizações de direitos humanos criticam o disparo sobre manifestantes desarmados e falaram em potenciais crimes de guerra.
Nesta altura, defende Miguel Urbán Crespo, “é importante, mais do que palavras, acções”. O político é também apoiante da campanha de BDS (Boicote, Desinvestimento e Sanções) a Israel, que pode afectar de produtos israelitas a académicos, e a que já aderiram uma série de municípios espanhóis. Para Israel, o movimento BDS é uma ameaça estratégica e há mesmo uma lei ditando que quem apoie publicamente a campanha não possa entrar no país.
Importância do passaporte
Já o “palestiniano com passaporte neozelandês” Youssef Sammour está a bordo de um dos navios desde Amesterdão, mas vai sair antes de chegar perto de Gaza (estima-se que a aproximação ocorra em meados de Julho).
Sammour, cuja curiosidade sobre o seu passaporte (viveu parte da vida sem um) o levou ao activismo pelos direitos dos palestinianos, nunca foi à Palestina. Uma detenção por tentativa de entrada ilegal pode levar a dez anos sem autorização para viajar até Israel, o que significará que não pode entrar nos territórios palestinianos.
“Gostava de ir em Setembro como turista, por isso não vou arriscar”, conta. Essa é uma razão. “A outra é que os meus pais obrigaram-me a prometer que não ia até lá”, diz meio a rir.
Se para Youssef Sammour estar ali é tanto uma questão ligada à sua identidade como de defesa dos direitos humanos, para outros o estar ali é uma questão de pressionar governos, "estar do lado certo da História" ou ter resposta para dar aos filhos ou netos (reais ou futuros), dizem.
Já para a sueca Oldoz Javidi, candidata a deputada do partido Iniciativa Feminista, é tudo mais simples: “A questão não é porque é que nós estamos a fazer iso, é porque é que o mundo não está a fazer nada”.