Estudo destapa potencial novo esquema fiscal da Apple

Relatório da esquerda europeia concluiu que a multinacional terá pago na União Europeia um IRC inferior a 1% nos últimos três anos.

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A Apple recusou-se a enviar representantes para falarem aos deputados do Parlamento Europeu David Gray

Já depois das investigações da Comissão Europeia que puseram a nu os esquemas fiscais usados pela Apple para pagar menos impostos a partir da Irlanda, a multinacional tecnológica reorganizou as suas operações na Europa, mas a forma como o fez continua a levantar suspeitas de que o grupo norte-americano continua a recorrer a planeamento fiscal para evitar pagar uma boa parte dos impostos.

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Já depois das investigações da Comissão Europeia que puseram a nu os esquemas fiscais usados pela Apple para pagar menos impostos a partir da Irlanda, a multinacional tecnológica reorganizou as suas operações na Europa, mas a forma como o fez continua a levantar suspeitas de que o grupo norte-americano continua a recorrer a planeamento fiscal para evitar pagar uma boa parte dos impostos.

Um estudo encomendado pela Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Nórdica Verde que será divulgado em Bruxelas na manhã desta quinta-feira, a que o PÚBLICO teve acesso, vem desfiar alguns números que sustentam que a multinacional continua a usar a Irlanda como peça-chave da sua “estratégia de evasão fiscal”.

O documento técnico, pedido pelo grupo político do Parlamento Europeu onde estão representados o PCP e o BE, conclui que a Apple terá pago apenas uma taxa média de imposto sobre os lucros empresariais (equivalente ao português IRC) de 0,7% na União Europeia entre 2015 e 2017. Isto, já depois de ter alterado a sua estrutura empresarial em resposta às investigações fiscais do Senado norte-americano em 2013 e ao processo aberto pela Comissão Europeia, aquele em que Bruxelas concluiu que a Irlanda concedeu 13 mil milhões de euros em incentivos fiscais ilegais à empresa. Já nessa altura o executivo comunitário identificara que a taxa de imposto paga pela empresa autora do iPhone baixou de 1 % em 2003 para 0,005% em 2014.

Agora, o texto assinado pelo especialista dinamarquês em fiscalidade Martin Brehm Christensen e por Emma Clancy, do staff da Esquerda Unitária, vem acrescentar mais elementos que Bruxelas já identificara a partir de 2014.

As estimativas que os autores agora apresentam já têm em conta a reorganização do grupo. A estimativa dos 0,7% é feita com base num “cenário altamente provável em que o valor das provisões da Apple para concretizar o pagamento de impostos no estrangeiro [fora dos Estados Unidos] é substancialmente mais baixo do que o montante efectivamente pago aos Estados [as administrações fiscais dos países]”. É com base nesses números que calculam que a multinacional tenha evitado pagar às administrações tributárias europeias um total entre 4000 milhões e 21.000 milhões de euros em impostos de 2015 a 2017.

Com o apoio do governo irlandês, dizem os autores, a Apple criou uma estrutura que lhe permitiu conseguir uma nova alegada redução de impostos relativamente a lucros de vendas realizadas fora dos Estados Unidos, conseguindo um “aumento significativo” dos montantes de tesouraria localizados em paraísos fiscais.

A Apple foi convocada a enviar representantes seus ao Parlamento Europeu para prestarem esclarecimentos aos deputados da comissão especial TAX3, mas estes recusaram estar presentes na sessão desta quinta-feira, com a directora dos assuntos europeus da Apple, Claire Thwaites, a justificar a ausência com o facto de querer evitar “comentários públicos” que prejudiquem o recurso apresentado no âmbito do processo aberto pela Comissão Europeia.

Conjugando dados revelados pelos Panama Papers com informação sobre o registo de empresas na Irlanda, os autores construíram um desenho de como estará organizada a empresa: o grupo sediado nos Estados Unidos detém uma holding no paraíso fiscal de Jersey (a Apple Operations International), que se distribui por três braços – a Apple Sales International (responsável pela compra de produtos a fabricantes em todo o mundo, que estava na Irlanda e agora está em Jersey), a Apple Distribution International (na Irlanda, responsável pela execução das vendas fora dos Estados Unidos), e a Apple Operations Europe (na Irlanda, detentora dos direitos de propriedade intelectual).

O nome dado ao estudo (“As suculentas operações fiscais da Apple – está a Irlanda a ajudar a Apple a pagar menos de 1% em impostos na União Europeia?”, numa tradução livre) encerra o significado político. E não será por acaso que, pegando na imagem de marca da multinacional, a maçã, os autores tenham escolhido associar os esquemas fiscais poderem a uma verdadeira sumarenta “maçã golden”.

Numa nota enviada ao PÚBLICO, Miguel Viegas, eurodeputado do PCP, critica o facto de a estratégia montada pelo grupo norte-americano assentar em leis “criadas especificamente para acomodar” os esquemas fiscais expostos e, por isso, diz ser preciso “apontar o dedo aos países que criaram estes modelos de predação fiscal e também o sistema que permite a livre circulação de capitais sem qualquer controlo”.

Também a eurodeputada do BE Marisa Matias diz que este caso mostra como a injustiça fiscal pode ser “um modo de vida” para as grandes empresas. “As políticas de dois pesos-duas medidas continuam a ter uma mão muito pesada com os mais débeis e uma mão muito leve com quem compra o poder”.