O que há de novo na literatura portuguesa para a infância?
Já longe das “edições sisudas”, a explosão de cores, de forma(to)s e de palavras veio para ficar.
Em 1881, é publicada, na Gazeta de Notícias, no Rio de Janeiro, a crónica “A Literatura de Natal para Crianças” (in Crónicas de Londres Cartas de Inglaterra), assinada por Eça de Queirós (1845-1900). Manifestamente “moderno” nas suas aspirações, este texto equaciona um tópico “curioso” (à data da sua edição e atendendo ao contexto português), cotejando a literatura infantil (LI) inglesa e a LI portuguesa. Escreve, assim, Eça: “Em Inglaterra existe uma verdadeira literatura para crianças, que tem os seus clássicos e os seus inovadores, um movimento e um mercado, editores e génios – em nada inferior à nossa literatura de homens sisudos. Aqui, apenas o bebé começa a soletrar, possui logo os seus livros especiais: são obras adoráveis, que não contém mais de dez ou doze páginas, intercaladas de estampas, impressas em tipo enorme, e de um raro gosto de edição. (...) Eu bem sei que esta ideia de compor livros para crianças faria rir Lisboa inteira. Também não é a Lisboa que eu a ofereço. Lisboa não se ocupa destes detalhes. (…).” Entre outros reparos, Eça critica, ainda, a escassez de desenho e de cor ou o débil investimento gráfico das publicações portuguesas da época. Como, na mesma linha, sublinha Esther de Lemos (1929-), em A Literatura Infantil em Portugal (1972): “As edições, no aspecto gráfico, estavam longe de corresponder ao sonho de Eça. (...) Eram edições sisudas, pouco ou nada ilustradas – adultas.”
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Em 1881, é publicada, na Gazeta de Notícias, no Rio de Janeiro, a crónica “A Literatura de Natal para Crianças” (in Crónicas de Londres Cartas de Inglaterra), assinada por Eça de Queirós (1845-1900). Manifestamente “moderno” nas suas aspirações, este texto equaciona um tópico “curioso” (à data da sua edição e atendendo ao contexto português), cotejando a literatura infantil (LI) inglesa e a LI portuguesa. Escreve, assim, Eça: “Em Inglaterra existe uma verdadeira literatura para crianças, que tem os seus clássicos e os seus inovadores, um movimento e um mercado, editores e génios – em nada inferior à nossa literatura de homens sisudos. Aqui, apenas o bebé começa a soletrar, possui logo os seus livros especiais: são obras adoráveis, que não contém mais de dez ou doze páginas, intercaladas de estampas, impressas em tipo enorme, e de um raro gosto de edição. (...) Eu bem sei que esta ideia de compor livros para crianças faria rir Lisboa inteira. Também não é a Lisboa que eu a ofereço. Lisboa não se ocupa destes detalhes. (…).” Entre outros reparos, Eça critica, ainda, a escassez de desenho e de cor ou o débil investimento gráfico das publicações portuguesas da época. Como, na mesma linha, sublinha Esther de Lemos (1929-), em A Literatura Infantil em Portugal (1972): “As edições, no aspecto gráfico, estavam longe de corresponder ao sonho de Eça. (...) Eram edições sisudas, pouco ou nada ilustradas – adultas.”
Recorde-se que, até ao momento de viragem que Abril de 1974 veio demarcar, a criação literária e ilustrativa para a infância viveu espartilhada por normas, rigidamente expressas em Instruções sobre Literatura Infantil, documento promulgado, em 1950, pela Direcção dos Serviços de Censura e cujas directrizes viriam a materializar-se num número considerável de títulos. Nestas instruções, regista-se, por exemplo, que “O Governo (...) não pode desonerar-se da obrigação de impor princípios gerais orientadores, éticos, psicológicos e estéticos, além de um mínimo de condições técnicas que salvaguardem a higiene visual [1] do leitor.”
Para contentamento geral, nos últimos anos, a edição de literatura para a infância, assim como os esforços efectuados para a sua criação, consolidação, promoção, legitimação e para a investigação em seu torno alteraram substancialmente o panorama desenhado por Eça. E, assim, na actualidade, a literatura de potencial recepção infantil distingue-se como um reconhecido universo, vasto, criativo, experimental e graficamente plural, integrando objectos tão diferentes como os que se situam nos três modos seminais da literatura (a narrativa, a lírica e o drama), bem como em muitos dos seus respectivos géneros e subgéneros (como o conto de autor, ilustrado ou em forma(to) de álbum narrativo, por exemplo), ou como aqueles que apresentam uma configuração híbrida como, por exemplo, os livros-alfabeto e os numerários de índole literária. Também a vitalidade da poesia, nomeadamente da que se apresenta ilustrada (por vezes, em álbuns poéticos), tem sido um ponto forte. Temáticas fracturantes ou difíceis (como a guerra, a doença, a perda ou as questões de genéro e a sexualidade, por exemplo) surgem ficcionalizadas num registo verbo-icónico original. Forma(to)s considerados, ainda, inovadores em Portugal, como os livros mix-and-match ou às tiras e os desdobráveis ou concertina, por exemplo, objectos nos quais visualidade e/ou materialidade, muitas vezes (embora nem sempre) se articulam eficazmente com textos literários de qualidade, pontuam já a edição nacional. Uma nova geração de autores e de ilustradores, muitos deles internacionalmente premiados, tem vindo a juntar-se a um grupo de nomes cuja criação literária e ilustrativa possui já uma presença na História da LI. Multiplicam-se também as iniciativas em torno do livro e da leitura, em bibliotecas públicas e escolares ou em pequenas livrarias independentes (algumas até especializadas em LI), por exemplo. Muitas editoras – umas mesmo em exclusivo – empenham-se na edição de livros para os mais novos, tanto nacionais, como traduzidos. Em certas universidades, a investigação, com frequência substantivada em teses de mestrado ou doutoramento, acerca da produção literária que tem na criança o seu destinatário explícito é já uma realidade. E é de educação literária e/ou estética que, em última instância, falamos.
Muito há, pois, de novo na literatura portuguesa para a infância e, com tudo isto, não será difícil fazer com que o livro, a literatura e o jogo da leitura possam estar quotidianamente presentes. Haja “olhos de ver” – nos ministérios, nas universidades, nas escolas, nas bibliotecas, nas livrarias ou nas famílias – que a/o queiram realmente ler.
[1] Sublinhado nosso
Por vontade expressa da sua autora, este texto encontra-se escrito segundo a norma ortográfica da Língua Portuguesa anterior ao Novo Acordo Ortográfico.